Neste ano, a Semana Mundial de Aleitamento Materno – a SMAM 2016 – é realizada de 01 a 07 de agosto e tem como tema "Amamentação: Uma Chave para o Desenvolvimento Sustentável". Pretende-se incentivar e ampliar a discussão sobre a amamentação e o aleitamento materno como ferramenta fundamental para se atingir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. E o que são esses objetivos? Eles fazem parte da "Agenda 2030 para o Desenvolmento Sustentável", um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade. De acordo com o PNUD (o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a Agenda 2030 visa fortalecer a paz universal com mais liberdade e reconhecer que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões é o maior desafio global ao desenvolvimento sustentável. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é parte desta Agenda. E a SMAM 2016 visa, justamente, incentivar e promover o aleitamento materno como uma fundamental ferramenta de promoção destes 17 objetivos.
No último dia 26 de julho defendi, após 5 anos de pesquisas, entrevistas e interação com dezenas de mulheres mães, a tese de doutorado institulada "AMEAÇADA E SEM VOZ, COMO NUM CAMPO DE CONCENTRAÇÃO – A MEDICALIZAÇÃO DO PARTO COMO PORTA E PALCO PARA A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA", no Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina. Em breve publicarei um relato sobre como foi tudo isso, como foi a defesa e sobre todas as coisas maravilhosas que aconteceram referentes a isso (já adiantei algo aqui nesta publicação) e as demais que estou começando a planejar para levar os resultados desta pesquisa a outras instâncias, que visam denunciar em ampla escala essa que é uma gravíssima violação dos direitos humanos das mulheres. A tese estará disponível para consultas online na Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina em cerca de 30 dias. Porém, em função de estarmos em plena SMAM 2016, quero compartilhar alguns resultados desta pesquisa que relacionam a ocorrência da violência obstétrica e a amamentação, por considerá-las urgentes e de fundamental relevância.
Dentre as 74 práticas, ações e/ou situações consideradas pelas mulheres entrevistadas como formas de violência obstétrica, estavam: impedir a mulher de ter contato com seu bebê recém nascido e impedir/dificultar ou desincentivar a amamentação imediatamente após o parto. Quase 90% das entrevistadas relataram terem sido impedidas durante muitas horas de terem qualquer tipo de contato com seu bebê logo após o parto. Quase 70% das entrevistadas não foram incentivadas a amamentar. Não é preciso muito esforço para compreender os impactos negativos destas situações, consideradas formas de violência obstétrica, sobre o aleitamento materno.
Na verdade, infelizmente isso também não é novidade. Em 2012, nós já havíamos alertado para o fato de que 82% das quase 2.000 participantes do Teste da Violência Obstétrica afirmaram não terem sido incentivadas, pela equipe de saúde de maternidades brasileiras, a amamentar seus bebês recém nascidos.
Isso é muito grave. Num contexto de incentivo ao aleitamento materno, à amamentação exclusiva por no mínimo 6 meses e continuada por 2 anos ou mais, como recomenda a Organização Mundial de Saúde e tantas outras instituições voltadas a promover a saúde materna, neonatal e infantil, o reconhecimento de que mulheres mães sequer são amparadas, orientadas ou incentivadas a amamentar assim que seus filhos nascem é extremamente grave e vai no sentido contrário de tantas iniciativas que visam promover a amamentação e apoiar as mulheres nesta tarefa nada simples. Não se pode supor que mulheres que dão à luz sabem amamentar. É preciso incentivo, orientação e amparo. Quando o que estamos vendo aí é a falta de condutas apropriadas neste sentido.
Um dos objetivos da minha tese foi, também, o de acessar as possíveis consequências de ter vivido violência obstétrica sobre a vida dessas mulheres, em suas próprias percepções. Foram inúmeros os relatos em que as entrevistadas afirmaram não terem conseguido amamentar também como decorrência da violência vivida. Os traumas emocionais gerados, justamente em um momento de extrema vulnerabilidade como é o nascimento de um filho, trouxe a elas o sentimento de não serem capazes de amamentar seus filhos, ou ainda, em suas palavras, de não conseguirem desenvolver com o bebê um vínculo emocionalmente saudável que favorecesse a amamentação. Isso é fácil de ser compreendido por qualquer pessoa que tenha o mínimo de empatia por essas mulheres: as questões puerperais já são difíceis demais, imagine ter que administrá-las enquanto se processa que foi vítima de violência… Não raro, muitas das entrevistadas também associaram a depressão pós-parto que viveram ao fato de terem sido vítimas de violência obstétrica. E viver depressão pós-parto é, como já demonstrado por muitos estudos, um fator que diminui ou atua como impeditivo da amamentação.
Como já muito discutido, as práticas violentas da assistência ao parto não se restringem apenas à atuação de médicos. Anestesistas, enfermeiras obstétricas e até profissionais envolvidos justamente no cuidado às mulheres também aparecem muitas vezes como autores de práticas violentas. E, muito infelizmente, foi o que também observei nesta tese… Com o surpreendente dado a seguir: 10% das entrevistadas afirmou ter vivido violência obstétrica justamente partindo de consultoras de amamentação. Violência essa que foi manifesta na forma de condutas abusivas como, por exemplo, tirar a blusa da mulher sem seu consentimento, ou apalpar seus seios sem pedir consentimento ou mesmo perante a negativa da mulher, ou ainda agredindo verbalmente a mulher por não ter conseguido a pega correta do seio pelo bebê, ou puxando o bebê do peito com rispidez para inseri-lo novamente de maneira violenta. Isso é não apenas surpreendente: é uma gravíssima incoerência! E indica a necessidade urgente de rever como essas profissionais estão sendo formadas, se passam ou não por atualização e por revisão de suas práticas. É inadmissível que uma profissional que tem o papel, justamente, de facilitar o complexo processo de amamentação atue no sentido oposto.
Durante a coleta de dados, recebi inúmeros relatos em que as mulheres afirmavam com todas as letras que não conseguiram amamentar em função da violência que viveram durante a assistência ao nascimento de seus filhos. Assim, se o que se pretende é promover e incentivar o aleitamento materno e ajudar as mulheres mães a amamentar seus bebês, é imperativo, também por este motivo, que medidas sejam tomadas em ampla escala para prevenir a ocorrência da violência obstétrica e, também, para punir os autores.
Entre os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável estão:
– Assegurar uma vida saudável e promover o bem estar para todos.
– Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas
– Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável
Portanto, não é possível acreditar que vamos conseguir incentivar a amamentação e promover o aleitamento materno, de maneira a cumprir tais objetivos, enquanto o combate à violência obstétrica não for prioridade das agendas públicas em defesa dos direitos das mulheres. Além disso, se lembrarmos que esta forma de violência atinge ainda mais as mulheres em situações de maior vulnerabilidade, como são as mulheres negras, as mulheres pobres, as mulheres das periferias brasileiras, que tendem a sofrer ainda mais com a violência obstétrica, é imperativo que ações específicas para estas mulheres sejam delineadas nas políticas de promoção do aleitamento materno.
Lutar contra a violência obstétrica é, também, apoiar a amamentação e promover o aleitamento materno. No mínimo para evitar que mulheres deixem de amamentar em função de terem sido vítimas.
Saiba mais sobre a SMAM 2016 buscando pela hasthag #SMAM2016 ou no site da Ibfan Brasil.
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