Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres


Neste 25 de novembro de 2012, completamos um ano de ações coletivas nas mídias sociais, sempre com objetivo de dar mais visibilidade ao tema da violência obstétrica e de desnaturalizar as infrações aos direitos das mulheres, cometidas pelos profissionais de saúde, que muitas vezes passam desapercebidas.

São ações coletivas organizadas por usuárias, pesquisadoras e profissionais da saúde com o objetivo de promover o debate, sensibilizar, denunciar e ir adiante, até que se consiga que políticas públicas efetivas sejam promovidas no sentido de erradicar a violação dos direitos humanos das mulheres no parto.Embora estejamos mobilizando centenas de pessoas e falando com cada vez mais frequência sobre o assunto, é importante que as pessoas saibam o histórico do movimento contra a violência no parto – a violência obstétrica, nome que as próprias mulheres cunharam para tais práticas.

Em agosto de 2010, a Fundação Perseu Abramo, em parceria com o SESC, realizou a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, onde apresenta a evolução do pensamento e do papel das mulheres em nossa sociedade. Foram entrevistados centenas de homens e mulheres em mais de 170 municípios brasileiros.
Os resultados sobre o tema da violência contra as mulheres chamaram muito a atenção e, neste

contexto, surgiu um dado alarmante sobre a violência institucional sofrida pelas brasileiras: uma em cada quatro mulheres (25%) relatou ter sofrido algum tipo de violência na hora do parto. Dentre as diversas formas possíveis de abusos e maus-tratos, tiveram destaque: exame de toque doloroso, recusa para alívio da dor, não explicação de procedimentos adotados, gritos de profissionais ao ser atendida, negativa de atendimento, xingamentos e humilhações. Além disso, 23% das entrevistadas ouviu de algum profissional algo como: “não chora que ano que vem você está aqui de novo”; “na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe”; “se gritar eu paro e não vou te atender”; “se ficar gritando vai fazer mal pro neném, vai nascer surdo”.


Esses dados chocantes começaram a ganhar repercussão na mídia, com matérias em jornais de grande circulação, publicadas em fevereiro de 2011.

Em abril do mesmo ano, a Comissão Permanente de Saúde, Promoção Social, Trabalho, Idoso e Mulher realizou um debate com o tema “Maltrato no atendimento em maternidade e no pré-natal”, na Câmara Municipal de São Paulo, reunindo cerca de 70 pessoas, entre elas o coordenador da pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, o sociólogo e professor da USP Gustavo Venturi, a médica Anke Riedel, coordenadora da Casa Ângela, casa de parto considerada modelo no Brasil, a enfermeira e coordenadora do curso de Obstetrícia da USP Nádia Zanon Narchi, a representante do Programa Mãe Paulistana, Maria Aparecida Orsini e a bióloga Ligia Moreiras Sena, uma das autoras da ação coletiva que apresentamos hoje. 

Neste evento, o professor Gustavo Venturi apresentou os dados sobre violência no parto acima mencionados e, em entrevista para a jornalista da Câmara, afirmou: “São três os principais problemas que ocorrem e acabam gerando a violência no parto. A primeira é a questão da formação dos profissionais, em segund
o vem a superlotação das instituições e, em terceiro, as mulheres não são adequa
damente preparadas para o momento do parto”.


A partir de então, os coletivos femininos começaram a se mobilizar em termos de circulação de informação, denúncia da situação da assistência obstétrica brasileira, reivindicação de direitos, discussão sobre o assunto. E as mídias sociais apareceram como fator catalisador crucial para todas as ações que se seguiram.

Em 24 de novembro de 2011, no contexto de uma grande ação das Blogueiras Feministas, realizamos a primeira Blogagem Coletiva sobre o tema – “Violência Obstétrica é Violência Contra a Mulher”. Dezenas de blogueiras participaram com textos autorais livres publicados no dia 25 de novembro e, desde então, muitos relatos foram produzidos, mulheres que usaram o texto para organizar a experiência vivida – e que talvez possam ter sido beneficiadas de alguma forma com tal escrita, e beneficiado outras mulheres por meio da leitura. Neste dia, a pesquisadora Ligia Moreiras Sena também lançou nas mídias sociais o convite à participação em sua pesquisa de doutorado, sobre a violência obstétrica na percepção das mulheres que a viveram e, por meio do Facebook, dos blogs e do Twitter, centenas de mulheres se inscreveram para serem entrevistadas. Em um esforço de divulgação, foi aproveitado o Twittaço que ocorreu utilizando a hashtag #FimDaViolenciaContraMulher para contactar pessoas que pudessem ajudar na disseminação do convite à pesquisa.

Em nossa segunda ação de ciberativismo, coordenada para o Dia Internacional da Mulher – 8 de Março de 2012, alcançamos  certamente mais de duas mil mulheres, com a força de divulgação coletiva de 75 blogs.
Foi o Teste da Violência Obstétrica. Promovido pelos blogs Parto no Brasil, Cientista
Que Virou Mãe e Mamíferas o instrumento foi idealizado a partir de documento original da associação civil argentina Dando a Luz, e o Coletivo Maternidade Libertária, disponível em algumas publicações na Internet, em blogs e sites, datadas de 2010. Para a divulgação no Brasil, o documento foi revisado e adaptado à proposta desta Blogagem Coletiva. As questões abertas foram transformadas em um questionário com múltiplas escolhas, onde incluímos uma importante caracterização sociodemográfica, e contamos com a força de divulgação das mulheres conectadas em suas redes virtuais. Em apenas três dias compilamos mais de mil resultados. E seguimos com o recebimento de novas respostas durante 38 dias. Ao final do prazo, 1966 nascimentos foram avaliados.
Conseguimos atingir nosso principal objetivo, que era dar grande visibilidade a esta questão nas mídias sociais, entre as mães editoras de blogs e demais usuárias da Internet. E os resultados não poderiam deixar de ser surpreendentes. A expressiva participação no Teste da Violência Obstétrica era apenas um indicativo da força que as mulheres, juntas, têm para denunciar um grave problema de cidadania, de falta de oportunidades, de nenhum direito de escolha.

Então em 1o. de agosto de 2012, um grupo de mulheres ativistas mineiras avançam mais um pouco no contexto da luta contra a violência no parto. Em um marco histórico, conseguiram levar a cabo a Audiência Pública “Violência no Parto” na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Estiveram presentes usuárias do sistema de saúde, obstetrizes, doulas, ativistas, políticos e estudantes, em um evento que acionou entidades médicas do estado e o Ministério Público para abrir o debate.

Em outubro de 2012, uma terceira Postagem Coletiva reuniu os esforços necessários para que o vídeodocumentário “Violência Obstétrica – A Voz das Brasileiras” pudesse ser produzido. Em menos de dois meses, fizemos um roteiro para os depoimentos individuais, convidamos as mulheres a nos enviarem suas histórias de vida, com consetimento, para participação. As participantes gravaram vídeos caseiros com seus depoimentos, suas histórias de violência, intolerância, ignorância e racismo que marcaram seus corpos e suas vidas, e nos enviaram. As chamadas podem ser vistas nos blogs Cientista Que Virou Mãe e Parto no Brasil. Em poucos dias, conseguimos editar, com a ajuda do fotógrafo e videomaker Armando Rapchan, os vídeos recebidos e mais dezenas de fotografias, em um vídeo final de 52 minutos. Escolhemos por manter o caráter de produção caseira dos depoimentos.  O documentário foi então lançado no dia 17 de novembro último, como parte das comunicações científicas coordenadas do Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, ocorrido em Porto Alegre.

Assim, decorrido 1 ano após o início de nossas ações de ciberativismo, divulgamos hoje, 25 de novembro de 2012, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, o vídeodocumentario “VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA – A VOZ DAS BRASILEIRAS”. Ele representa o trabalho de dezenas de mulheres na luta contra a violência obstétrica. Com a voz de algumas delas, simbolizamos o coro de milhares de brasileiras que vivem desrespeitos aos seus direitos reprodutivos cotidianamente, em um processo tornado banal e rotineiro. Queremos ser representadas, queremos que nossas vozes sejam ouvidas e que, de alguma forma, impulsionem medidas que visem a erradicação da violenta assistência ao parto no Brasil.

Queremos agradecer, em primeiro lugar, às mulheres que muito corajosamente se dispuseram  a tocar em suas próprias feridas, em suas próprias dores, a fim de problematizar a questão e formar um coro. Queremos agradecer também às dezenas de mulheres que nos enviaram fotografias dos partos/nascimentos de seus filhos e que, por limitação de tempo, não puderam ser utilizadas. Queremos agradecer a todos que, direta ou indiretamente, nos ajudaram e incentivaram na produção desta ação.

Esse vídeo foi realizado de maneira espontânea e voluntária por:

Bianca Zorzam, obstetriz, aluna de mestrado do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade de São Paulo;

– Ligia MoreirasSena, bióloga, aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina, autora do blog Cientista Que Virou Mãe;  

– Ana CarolinaArruda Franzon, jornalista, aluna de mestrado do Programa de Pós Graduação em Saúde Pública da Universidade de São Paulo e co-editora do blog Parto no Brasil; 

Kalu Brum, jornalista, doula e co-editora do blog Mamíferas.

Armando Rapchan, fotógrafo e videomaker.

Melhorar a qualidade da atenção ao parto e nascimento é um desafio complexo, que deve contar com a colaboração multi-setorial de vários agentes: profissionais de saúde, gestores, pesquisadores e docentes, e ainda, as mulheres, por meio do controle social.

Assim, agradecemos cada pessoa envolvida nesta ação e convidamos a todas e todos para contribuírem com o enfrentamento desta forma de violência contra as mulheres, com propostas e encaminhamentos inovadores. Pelo respeito aos direitos humanos femininos. Pela redução das mortes maternas. Pela promoção da saúde das gestantes e dos bebês. Por formas inovadoras de organização dos serviços, e pela adoção massiva das boas práticas na assistência ao parto normal.

“Que nossas vozes sejam ouvidas. Que nossas histórias não sejam ignoradas…”

Muito obrigada

Bianca Zorzam
Ligia Moreiras Sena

Ana Carolina Arruda Franzon
Kalu Brum
Armando Rapchan


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