Eu tenho o hábito de ser ácida ou sarcástica.

Simplesmente pra encobrir um lado doce e sereno que – não sei quando nem porquê – um dia achei que precisava esconder pra parecer forte.

Mas hoje não.
Hoje quero a palavra doce e tranquila da Adélia Prado. E a palavra doce e tranquila da Cora Coralina.
Porque já tem muita acidez na vida…
E estou cansada dela…
Hoje vou citar essas escritoras porque elas são carinhosas e transbordam sentimento. Vou chamá-las porque sempre que as leio, me sinto tranquila. Porque suas palavras são claras, delicadas e doces. E clareza e delicadeza e uma boa dose de abraço faz bem até ao mais duro dos seres humanos. Elas não são ácidas, como o humor que normalmente gosto, não são sarcásticas, como a maioria das pessoas que admiro.
Hoje é dia de Cora e de Adélia porque hoje é dia de Lenita. E se é dia de Lenita, só pode ser dia de coisas boas. De coisas doces. Dia de Lenita é dia pra ser feliz. É dia de amor, de carinho, de amizade, de colo, de infância com arroz doce de sabão em pó, de coisas do contra-errado, de tiarinhas brancas caindo na testa, de friiiiiieeeeeends, de jogar quadros quando se acorda, de lelês e balagandãs, de "isso, aquilo, isso aquilo".
Dia de encaixe de pescoços, de abraços repletos de amor que só essa irmã sabe dar…

No início da semana eu escrevi por aí uma frase da Fernanda Young (ácida e sarcástica) dizendo "sou uma doente mental que acredita no que nos dizem".
Não. Não sou doente mental por isso… Apenas tenho a tendência de acreditar nos outros. E não quero mudar não. Pago o preço das consequencias. Sou forte pra isso. Acredito nas pessoas, paciência.

Tenho essa mania de acreditar que as pessoas são boas. Nem que seja bem no fundo. É mais forte do que eu.
E acho que são mesmo.
Seres humanos têm uma coisa, assim, que me fascina.
Vou seguir assim, acreditando nisso.
E hoje especialmente, porque hoje é dia de Lenita.
E, olha só que coisa boa, dia de Lenita é dia de terminar tese…
Terminou.

… e hoje quero dormir o sono de quem tem a sensação do dever cumprido.

"Deixe em paz meu coração…", já dizia o Chico. Que ele é um pote até aqui de mágoa…
 
Quero dormir tranquila. Com a tranquilidade de quem sabe que as coisas podem não ser perfeitas, mas que tudo bem… uma hora se acertam. Expurgo as coisas que ainda não compreendo de dentro de mim e vou dormir tranquila. Um dia, quem sabe, eu as entenda.
Então, que venham as escritoras…
 
A Serenata (Adélia Prado)
 
Uma noite de lua pálida e gerânios
ele virá com a boca e mão incríveis
tocar flauta no jardin.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
– só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela,se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

 

Aninha e suas pedras (Cora Coralina)

Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

E foi neste dia em que escrevo isso que terminei minha tese…

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