Sempre considerei o Dia Internacional da Mulher uma data muito significativa. Nasci em uma família com mulheres muito fortes: minha bisavó, Leocádia Prestes liderou uma campanha internacional pela libertação de Olga Benário e Luiz Carlos Prestes em tempos de ditadura e sem internet! Olga, a primeira esposa do meu avô, foi uma jovem revolucionária comunista que morreu em um campo de concentração nazista e defendeu a justeza de sua causa até o último minuto de vida. Maria Prestes, a segunda esposa de Prestes e minha avó amada, também é uma mulher destemida, que enfrentou a ditadura do estado novo e a ditadura militar, ao mesmo tempo em que formava uma grande família e até hoje defende os ideais libertários aos quais aderiu ainda na adolescência. Há 20 anos tenho uma militância política e social que não se restringe à pauta feminista, mas que a abarca e da qual ela é uma das essências. É fundamental valorizar a luta das mulheres. Sem igualdade não pode haver sociedade justa.
Por dois anos seguidos observei minha filha, Helena, atender aos chamados da professora, sempre próximos ao dia 8 de março, para fazer pesquisas escolares sobre o Dia Internacional da Mulher. Na época, Helena tinha entre sete e nove anos de idade. Chamou-me a atenção o fato dela ter enorme dificuldade para encontrar material explicativo sobre a data e que fosse de fácil compreensão para sua faixa etária.
Ao ajudá-la a resolver suas dúvidas sobre o surgimento da data, percebi que não havia material sobre o tema que fosse de fácil entendimento para ela e as/os colegas. Todos os materiais encontrados, impressos ou virtuais, usavam um vocabulário pouco familiar para as crianças. Para além do linguajar, havia também ausência da habitual sensibilidade nas descrições que fazemos dos fatos para as crianças. É sórdido, por exemplo, dizer para uma criança que, no século XIX, cerca de 100 mulheres foram trancadas em uma fábrica e queimadas vivas. Essa historia famosa, sobre as tecelãs queimadas em Nova Iorque, além de ser assustadora para uma criança, carece de evidências para sua comprovação. Pensei em um livro que mudasse não só os termos para tratar o tema com as crianças, mas que introduzisse outras histórias, como a das mulheres russas de Petrogrado que realizaram uma greve em 8 de março de 1917, às vésperas da revolução russa de outubro, e foram fundamentais para a construção desta data histórica.
Minha filha mais velha, portanto, foi meu laboratório de observação para a concepção de um livro infantil sobre o surgimento do 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. Como a vida é dinâmica, se aos 7 anos Helena teve dificuldade para fazer o trabalho sobre o 8 de março, no ano seguinte, ao cursar o quarto ano do ensino fundamental, ela teve mais facilidade por causa de nossas conversas, pesquisas e debates sobre a ideia do livro. Atualmente, em 2016, já no quinto ano, ela foi mais uma vez escolhida para falar do tema para as/os colegas da escola e fez as professoras se emocionarem ao recitar o poema que é a base do nosso livro: Mirela e o Dia Internacional da Mulher.
O Dia Internacional da Mulher tem uma história linda e merece ser conhecida pelas crianças. Infelizmente, assim como outras datas, o 8 de março caiu nas teias do esvaziamento de seu conteúdo político e passou a ser tratado de uma forma mercadológica. Isso ocorre porque o comércio quer lucrar com a data, o que é natural no sistema que vivemos, e também porque há uma forte pressão dos setores mais conservadores da sociedade para desvincular o significado da data histórica de tudo aquilo que signifique mais liberdade, autonomia, independência, desenvolvimento e emancipação para as mulheres. Por outro lado, no Brasil dos últimos anos, com a ascensão de uma mulher à Presidência da República e a consolidação de organizações da sociedade civil e movimentos sociais que tratam de temas afetos à condição feminina e dos direitos à igualdade, houve o fortalecimento de uma agenda feminista mais significativa e vinculada às verdadeiras aspirações do 8 de março. Há inclusive um verso do nosso livro que diz:
"O 8 de março nasceu
também para ser bonito
Mas não vamos deixar as flores
esconderem o conflito"
Com tudo isso em mente, pensei em uma personagem de livro infantil. Uma garota que, como a Helena, recebia a incumbência de trazer para a escola informações sobre o dia 8 de março e seu significado. Desta reflexão nasceu uma história. Mirela e o Dia Internacional da Mulher é um livro elaborado com muito amor, muitas risadas e choro também. Nos emocionamos em várias fases da construção. No percurso, encontramos pessoas fantásticas: Vanja Freitas, a ilustradora que deu vida à Mirela e causou frisson entre as minhas meninas pra ver com quem a personagem se parecia mais; e Flávia Portela, da Editora Lacre do Rio de Janeiro, a primeira pessoa para quem confidenciei o desejo de fazer o livro.
Agora queremos imprimir e publicar esse livro. Para que mais crianças, jovens e adultos conheçam a Mirela e ,através dela, possamos sair Brasil afora recitando os direitos das mulheres e as grandes conquistas feministas que ainda temos para alcançar. Com ele em mãos, vamos dialogar com meninas e meninos sobre esta data que, felizmente, está a cada ano mais relembrada e trabalhada nas escolas.
Neste momento, estamos em uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar o livro e, com o seu apoio, o projeto se tornará possível. Com os recursos arrecadados pela campanha no Catarse (www.catarse.me/mirela) vamos remunerar os profissionais responsáveis pela ilustração, design do livro, edição final, impressão e a distribuição pelo país. O esforço coletivo para financiar a publicação do Mirela e o Dia Internacional da Mulher vai fazer com que, desde sua concepção, o livro sirva para agregar pessoas e difundir informações que fazem ainda mais fortes as lutas emancipacionistas do nosso tempo.
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