Em função de algumas viagens que fiz a trabalho, estive em diferentes aeroportos
brasileiros no último mês. Estando neles, fiz várias visitinhas às suas livrarias. E andava me causando extremo desconforto o fato de procurar, procurar, procurar e apenas raras vezes encontrar um livro que me atraísse verdadeiramente.
Em minha penúltima viagem, decidi entender qual seria o critério de escolha dos títulos disponíveis em livrarias de aeroporto. Para isso, procurei a atendente e fiz a pergunta bem objetivamente: “Qual é o critério de escolha dos títulos que vocês têm aqui?“. E ela me respondeu: “Aqui só temos os mais vendidos“.
Que tristeza me deu.
Aborreceu-me saber o que é que está lendo quem tem dinheiro, no Brasil, para gastar em livro. Chateou-me saber que esse povo, que já lê pouco, muito menos do que deveria ler, está preocupado em ler coisas como “como ser o mais rico do seu micromundo”, “como satisfazer seu homem na cama sem estragar a unha”, “como parecer bem sucedido”, “como fazer uma mulher se arrastar no chão como lesma por você”, “como emagrecer duzentos quilos comendo carboidratos após as duas da manhã” (confesso que fiquei atraída por esse), “como tornar sua empresa a mais foderástica da internet”, entre muitos outros títulos afins, passando por romances onde a fêmea sempre rala muito pra conquistar o macho, etc, etc, etc. Os clássicos da literatura você só vai encontrar no canto esquerdo inferior, na última prateleira, onde a luz da luminária não alcança, e em versão pocket. É um festival de auto-ajuda no amor, auto-ajuda nas finanças, auto-ajuda gospel, auto-ajuda na cor do esmalte a escolher, e mais um tanto de coisas assim.
Nem me pergunte sobre os livros dedicados a mães. Não estou excluindo os pais da jogada. É que na área da criação de filhos, os mais vendidos são todos dedicados às mães mesmo. E são todos no estilo “mãezinha, eu te amo”, “para minha mãe, com amor, duzentos tipos de rosas impressas”, e coisas do gênero.
Fora das livrarias de aeroporto, nas mega livrarias, as publicações na área da maternidade também não mudam muito, não.
Os bons livros mesmo, pra valer, sobre crianças, infância, educação, você não vai encontrar na área sobre “Filhos”. Vai encontrar em pedagogia, educação, psicologia, filosofia, ciências sociais. Na de “Filhos” vai encontrar livrinho para guardar recordações, livrinho que te ensina a criar meninas diferente de meninos, e… livrinhos que ensinam técnicas divinas e milagrosas de treinamento.
Sobre esses: sou absolutamente contra. E sou absolutamente contra porque, ao invés de estimularem a compreensão, aceitação e reflexão sobre as emoções da dupla mãe-filho/filha ou pai-filho/filha, estão mais preocupados em ensinar técnicas de treinamento ou adestramento de crianças, no pior estilo “como domar o seu dragão“. Como se crianças fossem ratos de laboratório, cujo condicionamento pode levar a fazer o que queremos que elas façam – mesmo que aquilo não seja de fato importante para elas. Ou como se fossem máquinas, aptas a se comportarem de maneira idêntica, desconsiderando sua individualidade – que, afinal, é o que faz a minha Clara ser diferente da sua Julia, do seu Bruno, da sua Bia, do seu Mateus.
O resultado dessas técnicas todas: no lugar de roedores apertando a barra para receber ração, temos
crianças fazendo algo apenas para suprir os anseios e ansiedades de seus pais e mães. Pais e mães ansiosos para verem seus filhos fazendo aquilo que esperavam: dormir a noite inteira, comer toda a comida, dizer “obrigada, por favor, bom dia” aos 2 anos de idade, ter o melhor desempenho na escola, entre tantas expectativas (por vezes tiranas) que depositamos sobre eles.
Para além do condicionamento escancarado dos livros que ensinam técnicas e soluções milagrosas, há
ainda um outro lado tão ou mais nocivo.
Quem já viu pelo menos um episódio daqueles programas focados em uma suposta “expert em educação” (só que não), dessas que vai até a casa da família para “colocar as crianças na linha”, que chegam em roupa sisuda, austera, lembrando as governantas de outrora, rígidas e disciplinadoras, já deve ter percebido o que acontece por lá. Em absolutamente todos os casos, a família em questão consiste em adultos inseguros, que desconhecem a infância, que se sentem intimidados pelo fato de serem pais ou mães, que não sabem quais são seus papéis, e crianças perdidas, ansiosas, angustiadas, que veem nos gritos ou na violência uma forma eficaz de comunicação. E é mesmo, super eficaz. Só assim elas chamam a atenção de seus pais.
Aí a super adestradora, então, coloca as crianças na linha, ensina hábitos e determina tarefas. E vai-se embora. Deixando para trás uma família que, com quase 90% de certeza, entrará em ebulição novamente em pouquíssimos dias.
E por que?
Simples.
Porque receberam técnicas. Mas não receberam acolhimento. Não receberam amparo, apoio, fortalecimento. Os pais continuam sem compreender suas emoções, continuam inseguros, angustiados, sentindo-se incapazes e… projetando tudo isso nas crianças-espelho. Que, como espelhos, somente devolvem a imagem.
É também (mas não só) por isso que não gosto nada dessa coisa de treinar crianças e adestrar famílias.
Os pais e mães que se utilizam de técnicas para treinar o comportamento de suas crianças a fim de conseguirem o que querem que elas façam, com toda certeza pensam estar fazendo o melhor por elas.
Receberam dicas de outras pessoas que também pensam estar fazendo o melhor, e na ânsia de acertar, estão errando na mão, ou pegando atalhos cujos prejuízos somente observarão lá na frente, quando, talvez, já for um pouco tarde.
Mas o fato é: achar que se está fazendo o melhor não evita que estejamos despejando sobre as crianças nossas frustrações, ansiedades e expectativas, a ponto de aceitarmos técnicas que, de fato, quando aplicadas, conseguem obter o que propõem. Mas, muitas vezes, às custas da integridade emocional e mental das crianças… Só que isso, os efeitos nocivos das estratégias de condicionamento, não estão contemplados nos livrinhos de livraria de aeroporto. Eles dizem para você que a técnica A ou B funcionam – e você verá que funciona mesmo! Mas não dizem os prejuízos associados. Claro que não dizem, né?
Falei detidamente sobre o assunto na postagem: “Por que deixar chorar até que se durma realmente funciona? Ou CÉUS, PARI O DARTH VADER!”, que recomendo a leitura e que é um dos textos mais acessados na história deste bloguinho.
Se eu critico esses livros, o que r
ecomendo então?
Recomendo leituras que fortaleçam os pais e mães.
Que os empoderem. Que os façam refletir sobre o que de fato estão fazendo em suas vidas, por si e por seus filhos, ao assumirem esse papel social tão complexo que é ser pai e ser mãe. Que estimulem sua autonomia. Que os inquietem. Que os provoquem. Que os ajudem a transcender. Que os apoiem em suas transformações, de meros criadores para educadores e cuidadores de fato.
Muitas dessas leituras não são simples e nos colocam à prova.
E isso é muito bom, porque ao final dela, eis ali uma outra pessoa, ou a mesma pessoa de antes, agora em busca do que virá a ser.
E dessas reflexões e mudanças surgem pais e mães mais preparados para lidar com suas emoções e, por tabela, com as emoções de seus filhos.
As crianças precisam de pais e mães fortalecidos.
Elas precisam de atenção, cuidado e afeto. Mas só pode dar atenção, cuidado e afeto quem tem isso por si também.
E é por isso que a máxima “cuidar do cuidador” é tão importante quando esses cuidadores são pais, mães e educadores.
E, olha, digo com a mais tranquila sinceridade: sei disso porque essa é uma busca que faço cotidianamente em minha própria vida. Cansei de observar isso comigo mesma e com minha filha. Nos meus dias de angústia, percebo que estou angustiada vendo espelhada a angústia dela. Nos meus dias de irritação, vejo espelhada a irritação que ela demonstra. Da mesma forma, meus dias de tranquilidade e aceitação das minhas emoções são acompanhadas de criança sorrindo, feliz e tranquila, brincando calmamente pelo jardim ou inventando parafernálias nunca antes vistas na história deste país.
Esse fortalecimento eu busco na minha intuição, na reflexão sobre minha prática, na problematização dos meus erros, na aceitação da minha imensa limitação. Essas, acredito eu, são nossas melhores e mais eficazes ferramentas de conhecimento. Mas os livros são meus poderosíssimos aliados. Muitas crises que me levaram ao crescimento vieram de frases lidas em livros fundamentais. Muitas ideias se clarearam após a leitura de alguns deles. E da mesma forma que amo quando meus amigos me sugerem leituras bacanas, quero sugeri-las a vocês também.
Foi somente por isso que comecei a ter livros à venda aqui no blog. O objetivo inicial era apenas (e apenas mesmo) facilitar o acesso a obras que me ajudam todos os dias em minha tarefa como pessoa, por coincidência uma pessoa que cuida de outra pessoa. Hoje, é um objetivo duplo: continuar facilitando o acesso a essas obras e gerar renda que mantém o blog. Para manter um blog que tem o alcance que tem esse (que não está entre os top blogs mas alcança pelo menos 3 mil pessoas por dia) é preciso tempo, dedicação e comprometimento. Deixo de fazer muitas coisas para escrever aqui as minhas impressões em meu caminho como mãe e como pesquisadora da violência no parto, com a esperança de, assim, também ajudar outras pessoas. É justo que isso me traga algum retorno, você não acha? E como eu não vendo meu espaço às grandes corporações e você nunca verá ali ao lado, por OPS!, descuido, um banner do lado maquiavélico da força, é por isso que hoje mantenho (mantemos) a loja do blog.
E mantê-lo envolve uma coisa que adoro fazer: garimpar.
Especialmente títulos de livros. Que possam ir no sentido que mencionei neste texto: o fortalecimento dos pais e mães como pessoas, na facilitação da compreensão de suas emoções, estimulando a reflexão e promovendo o crescimento.
É só por isso que hoje apresento SEIS novos títulos que agora também estarão na mini-livraria do blog. Seis títulos fantásticos, incríveis, que eu recomendo profundamente. São eles: A criança terceirizada (José Martins Filho); O passarinho engaiolado (Rubem Alves – infantil); Cuidado, afeto e limites (Ivan Capelatto e José Martins Filho); Escola sem sala de aula (Gilberto Dimenstein, Ricardo Semler e Antonio Carlos Gomes da Costa); Ética para meus pais (Yves de La Taille) e Quem cuidará das crianças? (José Martins Filho). Clicando em cada um dos títulos, você irá direto para sua descrição e link de compra.
Espero, sinceramente, poder contribuir para o crescimento dos leitores e leitoras deste blog, como pessoas e, depois, como pais e mães.
Fortalecendo-os e promovendo a reflexão.
Assim como espero poder continuar a manter o blog da forma que acredito.
E, claro, que possamos juntos mudar a lista dos títulos mais vendidos no Brasil.
Para o bem de todos nós, adultos e crianças.
E, claro, para o bem das livrarias de aeroporto…