Hoje em dia, as pessoas em geral não entendem muito bem o que é o Dia Internacional das Mulheres. Virou uma mistura caricata de Dia dos Namorados com Dia das Mães. Os homens nos parabenizam, nossos filhos também, algumas de nós ganham presentes, flores, bombons e afins. Nada contra, pelo contrário. Também gosto de tudo isso. Mas quero mais.
Proponho, rapidamente, um momento de reflexão sobre qual sua real importância, com a ajuda de uma breve – e muito interessante – historinha da data…
Você sabe como começou esse negócio de se comemorar internacionalmente o dia da mulher?
Errou se respondeu que foi “para homenagear as mulheres que morreram queimadas em uma indústria têxtil nos EUA”.
Não foi, não. Isso é o que se diz pra encurtar e história.
O incêndio foi em 1911. E já se comemorava o dia internacional da mulher antes disso. Foi proposto em 1910, por uma mulher de nome Clara. Clara Zetkin. Uma grande mulher de quem hoje se fala muito pouco, ao contrário de seus companheiros de luta Engels, Lênin e Stalin, que muito a admiravam. Amiga de Rosa Luxemburgo, desafiou o nazismo, a polícia e os costumes de sua época, e tudo isso dentro de longos vestidos e debaixo de chamativos chapéus. Ela propôs, em 1910, na I Conferência Internacional de Mulheres, que houvesse uma data internacional para discussão da condição de vida das mulheres. Em 1911, então, passou-se a comemorar o Dia Internacional da Mulher. Mas não em 08 de março. Em 19 de março.
Bom, aí vem a história do incêndio. Seis dias depois da data, em 25 de março de 1911, a fábrica têxtil Triangle Shirtwaist pegou fogo e 146 mulheres, a grande maioria costureiras, morreram queimadas. O incêndio foi considerado o pior de Nova York até o 11 de setembro.
Então, em 08 de março de 1917, seis anos depois, as operárias russas se rebelaram contra as péssimas condições de vida das mulheres, contra a exploração feminina, contra a entrada de seu país na I Guerra Mundial, foram às ruas e constituíram uma das maiores manifestações já vistas na Rússia e que foi, justamente, o marco inicial da Revolução Russa de 1917.
E hoje comemoramos, em 08 de março, o Dia Internacional da Mulher. Então quando se diz que é uma data de luta, não é papo de ativista não. É, mesmo, uma data de luta.
Uma data criada por socialistas e comunistas e que hoje, nós, as capitalistas selvagens, usamos para muitas outras coisas que não comemorar as nossas próprias conquistas como mulheres.
A data foi esquecida por muito tempo e recuperada pelo movimento feminista da década de 60. Ou seja: feminismo, luta em prol de melhores condições de vida, socialismo, comunismo, ativismo e engajamento. Se você acha o dia internacional da mulher importante, não pode negar todos esses movimentos, nem desdenhar deles, porque eles são a causa da sua vida relativamente livre.
Foi por conta disso tudo, desse percurso histórico que engloba muito mais coisas do que apontei aqui, que hoje a violência contra a mulher é criminalizada. Que não se pode espancar uma mulher, fazê-la de escrava, ridicularizá-la, humilhá-la, sem que se pague por isso. Seria ótimo que todos tivessem bom senso. Mas para os que não o tem, hoje temos leis.
A Lei 10.778 de 24/11/2003 orienta que se notifique compulsoriamente, em todo o território nacional, casos de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos e privados. Ou seja: o profissional da saúde que atender uma mulher com sinais de violência é obrigado a notificar. Juntamente com essa lei, temos a Lei Maria da Penha, que contempla a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Mas temos um grande problema aí.
A Lei 10.778 obriga os profissionais da saúde a notificar casos de violência contra a mulher, quando atenderem mulheres agredidas.
E como é que fica quando são esses profissionais os agressores?
Como fica quando mulheres são agredidas e desrespeitadas dentro de instituições de saúde e, especificamente, no momento de seus partos? Como fica no caso de violência obstétrica?
Muita gente não sabe que isso existe. Outros, consideram que práticas abusivas observadas em situações de parto e nascimento não constituem violência, porque são de praxe. Confundem o que é comum com o que é normal. Outros, ainda, fecham os olhos para a situação, frente à complexidade do problema.
Não dá mais pra fechar os olhos a isso quando centenas de mulheres são desrespeitadas todos os dias em seus partos. E esse é um caminho sem volta. Uma vez que se vê, não dá mais pra fingir que não acontece.
Quando dizemos que a violência obstétrica é uma realidade, estamos partindo de dados confiáveis, científicos, obtidos por meio de pesquisas sérias. O padrão que se vê na assistência ao parto no Brasil é violento. Essa é a realidade. Quem foge disso é exceção. É violência: a ofensa verbal, o descaso, o tratamento rude, as piadinhas, os gritos, a proibição da manifestação das emoções, as violências físicas de todos os tipos, a obrigatoriedade de uma determinada posição, os apelidinhos, a contenção dos movimentos – como divulgado com cada vez mais frequência entre as mulheres detentas, que precisam parir algemadas -,a humilhação intencional e todo tipo de atitude torpe que, sim, acontece. E com muita frequência. Aqui mesmo, no blog, existe uma página sobre violência no parto, com alguns artigos já publicados que mostram um pouco dessa realidade. O prof. Dr. Gustavo Venturi coordenou a pesquisa Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, que mostrou que 1 a cada 4 mulheres brasileiras diz ter vivido situações de violência em seu parto. Pense que, apenas no período de 2008 a 2010, aconteceram quase 6 milhões de partos,
apenas nas instituições públicas de saúde, de acordo com o DATASUS. Calcule, então, quantas mulheres podem ter sido maltratadas e desrespeitadas.
Não dá mais pra dizer que isso não ocorre.
Não dá mais pra fingir que não se vê.
É importante que o governo disponibilize um canal oficial de denúncia. É importante que, nesse cenário político favorável à problematização das condições de vida feminina, com uma Secretaria de Políticas para as Mulheres que promete ser atuante, a sociedade civil se organize e mostre sua intenção. É fundamental que cobremos legislação sobre isso, que se possa punir legalmente o agressor.
Se nós comemoramos o Dia Internacional da Mulher, nós também estamos dizendo que queremos que as mulheres tenham melhores condições de vida. Que possam ser respeitadas e valorizadas. Sempre. Em quaisquer situações.
Muitas mulheres precisam ser ouvidas e suas histórias precisam ser conhecidas.
Nós queremos sensibilizar a comunidade para a triste realidade da violência obstétrica, mostrar que está acontecendo muito mais do que se imagina, mobilizar pessoas.
A violência no parto deixa marcas profundas, das quais muitas mulheres não conseguem se recuperar. Mexe com a forma como a mulher se vê no mundo, com sua auto-estima e auto-confiança.
Não podemos aceitar flores e bombons enquanto nos mandam calar a boca e nos ofendem. Uma mulher que passa por isso é uma mulher mudada para sempre.
Então hoje, 08 de março, nós, dos blogs Cientista Que Virou Mãe, Parto no Brasil e Mamíferas, estamos divulgando, com a ajuda e apoio de dezenas de pessoas, o Teste da Violência Obstétrica.
Um levantamento informal que tem como objetivo levantar dados sobre o tema, mobilizar as pessoas, problematizar a questão e levar esses resultados a uma instância que ajude a incluir, nos serviços oficiais de denúncia, a violência obstétrica como forma de violência contra a mulher.
Para participar, é simples. É só preencher o questionário que vai abaixo e, ao final, clicar em SUBMIT. Não é necessária a identificação.
Ao final, fica o convite à denúncia, no e-mail disponibilizado pela Parto do Princípio, e o convite à participação em uma pesquisa, essa sim formal e de caráter científico, que visa conhecer como a mulher que foi maltratada e violentada em seu parto vê a ocorrência disso, o que ela sentiu, quais foram as consequências dessas terríveis práticas à sua vida. Não é uma pesquisa sobre números. É uma pesquisa sobre sentimentos, valores, emoções, representações, simbolismos. Faz parte do meu trabalho de doutorado em Saúde Coletiva.
Agradeço às dezenas de blogueiros que se envolveram nessa ação (e peço que me enviem os links de suas postagens sobre o assunto, para que eu divulgue). Agradeço às dezenas de pessoas que se disponibilizaram a ajudar ainda que não tenham blogs. Agradeço às companheiras Ana Carolina Franzon e Fernanda Andrade Café pela mobilização comprometida e envolvimento verdadeiro nessa iniciativa. Gente doce e engajada, que sabe que é preciso não perder a ternura jamais.
Abaixo, segue o teste. Caso não consiga visualizá-lo adequadamente, acesse-o por aqui.
Se você é mulher: parabéns por esse dia! Não se esqueça nunca de quem é e da força que tem.
Queira ser sempre bem tratada, bem amada, respeitada, ouvida e considerada.
Olhe-se no espelho e veja que ali tem uma história que não é de anos. É de séculos. De força e de luta na defesa do reconhecimento de que somos seres humanos merecedores de respeito.