Resolvi escrever esse texto após ler muitas coisas sobre um método chamado “Método Estivill”, que é explicado no livro de mesmo título e cujo subtítulo é “Um guia rápido para os pais ensinarem os filhos a dormir”. Já começo dizendo o seguinte, sem muito medo de errar: com exceção do blog da Mariana, o Pequeno Guia Prático Para Mães Sem Prática, que é tudo de bom, tudo que começa com “guia rápido”, “método fácil” ou “sem esforço” deve ser lido sempre com uma sobrancelha meio levantada, quando diz respeito a modificação de hábitos e comportamentos… Coisas como “Guia rápido para enriquecer” ou o “Como perder 10 quilos em uma semana sem fazer esforço” são meio esquisitas, não?

Bem, todos somos animais. Animais que tiveram um maior desenvolvimento do córtex cerebral com o passar das gerações, mas animais. Hoje temos um neocórtex, mas somos animais.
Tá entendido isso?
Beleza.
Sendo animais, reagimos instintivamente como tais. Com a diferença de que conseguimos – ou deveríamos conseguir, pelo menos – ponderar sobre uma série de questões e compreender o que outros animais não compreendem. Mas o comportamento humano tem base justamente na animalidade de nossa condição.

Agora imagine a seguinte situação: você é uma mulher Neanderthal. Ou uma fêmea de uma espécie prévia ao Homo sapiens. Uma quase-macaca, digamos assim. Ou uma quase-humana, dependendo do ponto de vista… Bom, aí você ficou prenhe. E aí o filhote nasceu. Vocês vivem numa caverna. Mas você é uma quase-macaca e sabe que tem outras espécies de animais andando por aí que adorariam saborear seu filhote como se fosse um biscoitinho, afinal, até jeitinho de biscoitinho tem o filhotinho. Aí, depois de mamar nas suas tetas, seu filhote dormiu. Sim, porque você é uma quase-macaca, e naquela época as tetas ainda não tinham adquirido status de “peitos” ou “seios”, são tetas mesmo. O filhote dormiu e você o colocou pra dormir em cima de um monte de folhas, porque ao contrário dos filhotes dos outros macacos, os filhotes da quase-macaca não conseguem dormir agarrado nos pelos da mãe… Então ele ficou lá dormindo na caminha de folhas. E você aproveitou pra ir colher umas amoras selvagens, umas bananas da terra ou um tubérculo qualquer. Aí você tá lá colhendo alimento, enquanto o seu macho (nada de feminismo, pessoal, era macho mesmo, naquela época… ainda não tinham adquirido o status de homens) foi caçar uma carninha vermelha. E você tá lá colhendo, tranquila. De repente, seu ouvido supersônico capta: FILHOTE CHORANDO! Você, na sua condição de quase-macaca, corre para acudir: pode ser um animal daquelas outras espécies que adoram comer filhotes de quase-macacas! Corre! Corre! Chega lá, seu filhote está são e salvo e você, quase-macaca, fica muito mais tranquila. Garantiu a sobrevivência do seu filhote por mais um dia…

Aí você aprendeu que chorou, tem que acudir.
E esse aprendizado foi junto com seus genes na forma de conexões neuronais altamente elaboradas.
E deu tão certo que, como quase todas as quase-macacas acudiram seus filhotes, a raça das quase-macacas foi pra frente ao longo das gerações, e deu origem aos humanos sapiens (que às vezes são quase-sapiens ou nem-tão-sapiens-assim).

E aí tá explicado o porquê de nós, humanas, corrermos ao menor chorinho dos nossos bebês.

Aí um dia vem um quase-humano e diz assim pra você, humana sapiens:

“Deixa chorar cada dia um tempo maior. Não precisa sair correndo pra acudir. Você não é mais uma quase-macaca; você se tornou uma humana sapiens dotada de um neocórtex crítico e pensante e já sabe que não tem nenhum animal querendo se alimentar do seu bebezinho. Não precisa se comportar como uma quase-macaca”.

Faz sentido isso… Desse ponto de vista, faz sentido.
Se esse ser quase-humano que te disse isso usar um Doutor antes do nome, aí você se impressiona e fica pensando que, se ele é doutor e você não, então ele deve saber do que está falando… (Humpf, se você soubesse cada doutor que eu conheço…)

Mas agora pense de outra maneira.

Faz de conta, agora, que você é o filhote da quase-macaca.
Você acordou, se viu sozinho na caverna, seus genes sabem que você é alimento de outros bichos, você não vê sua mãe quase-macaca. Você começa a chorar instintivamente, porque está com medo, e o medo salva a sua pele! Desde que você chore pra sua mãe ouvir e correr pra te acudir, e dar a sorte dela chegar antes do devorador. E isso deu certo. Deu tão certo que você chorou de medo, sua mãe quase-macaca te ouviu e chegou antes dos devoradores.
Aí as gerações se passaram e você, como filhote de quase-macaca, evoluiu para um filhote de humana sapiens, e agora recebe o nome de “bebê”. Aí você, bebê agora, acordou e se viu sozinho. O que você vai sentir?
Vai se sentir seguro, porque afinal você já é um bebê de humana sapiens e sabe que não tem mais nenhum devorador? Não! Você não sabe disso! Porque embora você seja um bebê com neocórtex, quem ainda manda é a parte cerebral que comanda seu comportamento defensivo instintivo. Ou seja, embora você tenha menos pêlos, seja mais cheiroso e até use um macacãozinho lindo cor-de-rosa, no que diz respeito ao seu padrão comportamental,  você tá mais pra filhote de quase-macaca do que pra bebê de humana sapiens, meu querido…

Ou seja: você vai acordar com medo ao se ver sozinho.
Você não sabe que sua mãe está ali no quarto ao lado.
Você não sabe nada sobre nada, só lembra – geneticamente – que sua sobrevivência está em risco.
Se você é filho daquela mãe humana sapiens que ouviu aquele doutor quase-humano dizendo pra ela parar de se comportar como uma quase-macaca, você se ferrou, bebezão: vai ficar ali chorando apavorado sem saber o que está acontecendo e onde está a mamãe.

Portanto, a questão não é saber que nós, hoje, podemos usar estratégias comportamentais diferentes do que as quase-macacas usavam porque, afinal de contas, somos humanas sapiens… É saber se eles, os filhotes, também mudaram do ponto de vista comportamental.
E te digo: não mudaram! O arcabouço biológico continua o mesmo, gente boa…
Um bebê de humana sapiens continua a ser o mesmo filhote de quase-macaca.

Ou seja: não adianta dizer para um bebê, quando ele estiver chorando sozinho no berço: “Meu amor, mamãe e papai te amam muito. E é por isso que a gente vai te ensinar a dormir sozinho e não vai pegar você no colo. Mesmo que você grite. Fica aí um pouquinho que aí também é gostoso, olha a sua bonequinha, que linda… É por amor, querida, pra você não ser uma pessoa birrenta e ser corajosa…
Não adianta dizer isso porque o neocórtex do bebê ainda não fez conexões neuronais que permitam a compreensão do mundo, minha gente.

Tá entendido isso?

E se algum Dr. Estivill vier te dizer isso, do alto de sua forma
ção médica e de seu DR. antes do nome, manda ele pentear quase-macacos.
Que enquanto ele penteia quase-macacos, a gente vai embalando nossos filhotes no colo para que durmam…
Que nós somos quase-macacas tentando ser mais humanas do que mais sapiens.
Mesmo que algumas tenham, até, doutorado na área de neurociência.
Por isso, eu digo: mais vale uma quase-macaca do que uma quase-humana…
Com todo o respeito.

Esse é um manifesto pessoal contra a política do “vamos deixar chorando no berço, que é pra ensinar esse povo pequeno a dormir sozinho“.
Se você quer criar seres humanos inseguros e frágeis, esse é o melhor caminho mesmo, vai fundo. Fazendo uma pesquisa sobre esse método do Dr. Estivill, fiquei chocada com o número de mães que adoraram esse livro e esse método e dizem orgulhosas: minha vida mudou depois que meu bebê chorou 3 horas seguidas, deu uma vomitadinha de tanto chorar, mas aprendeu a dormir sozinho.
E ainda dizem que a espécie evoluiu…

Sou uma doutora quase-macaca, muito prazer.
E aqui em casa, nós não deixamos chorar.
E tá todo mundo bem feliz com isso. Né, Clara?

(foto de quando ela estava com 1 mês e meio, dormindo em cima do papai)

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