Desculpe te frustrar se você esperava um texto ou comentário sobre o programa matinal da Globo e a falácia da retratação que não aconteceu por lá.
Hoje vou falar de mim, só pra não deixar esquecer que isso também é um blog pessoal, autobiográfico, de alguém que além de mãe, cientista, ativista também é pessoa.
As pessoas se esquecem com muita facilidade do respeito e consideração que, por uma questão de coerência, precisam ter com o outro quando se intitulam “conscientes”. E, pela facilidade do esquecimento, se deixam levar por discursos estranhos, sentimentos confusos e caem na auto-armadilha do criticismo improdutivo #mimimi, aquele que todo mundo um dia já ouviu e que é facilmente identificável.
As pessoas se esquecem com facilidade de que as palavras produzem desgosto, amargura, tristeza, aquilo que pode ser resumido em uma única expressão: mágoa.
E há uma relação diretamente proporcional entre frustração e capacidade de produzir mágoas. O que significa dizer que a chance de ser magoado aumenta quanto mais frustradas estão as pessoas ao redor. Num mundo cheio de altas cobranças, de competição extremada, isso significa: CUidADO! a chance de você ser magoado é muito, muito grande.
Mas a gente que tem calos, talvez justamente por os ter, passa relativamente batido por esses ataques. Ouve, lê, processa, sente, entristece, deixa passar e se recupera.
Eu, particularmente, faço isso. Ouço, leio, processo, sinto, entristeço, deixo passar e me recupero.
Dá aquela dorzinha chata, mas daqui a pouco passa. Faz parte do aprendizado.
Claro que eu poderia ficar remoendo #mimimi, todo mundo pode. Mas, sinceramente? Prefiro trabalhar, prefiro brincar com minha filha, prefiro conversar com os amigos.
Passei uma fase da vida sentindo frustração, insatisfação com o que eu estava fazendo, incompletude, me achando cheia de potencial mal aproveitado, seguindo a manada, seguindo um fluxo cômodo de vida, mas dentro de um “conhecido” muito familiar. Fazia coisas bacanas, mas que não me traziam significado maior. Parei, reformulei, fui bem dentro de mim, me conheci, chorei sem saber pra onde ir, senti-me perdida, perguntei a mim mesma o que de verdade eu queria, passei algum tempo sem saber a resposta… mas um dia… eu a encontrei. Mobilizei força, coragem, dor de deixar o conhecido e sair da minha zona de conforto, tristeza por me despedir de um caminho que fez parte da minha vida por muito tempo, senti muito medo. Deixar um tipo de vida para trás não é tão difícil assim. Difícil mesmo é despedir-se de quem você já foi mas não é mais, mas que faz parte da sua constituição. É como perder um pedaço de si, ainda que se saiba que o novo que virá, virá mais forte.
O medo foi substituído por coragem. A tristeza por satisfação. A insatisfação por completude. Por felicidade. Por auto-conhecimento. Por aquela sensação que um dia eu realmente achei que não fosse sentir: essa sensação maravilhosa, essa sensação indescritível, que sinto todos os dias quando cuido da minha filha, quando escrevo, quando trabalho, quando pesquiso, quando entro no novo departamento, quando me reúno com meu orientador, quando discuto coisas lindas com meus professores, e quando me junto às ações que faço tanto aqui, olhando para a tela do meu querido computador, quanto aqui também, na vida física: eu me encontrei.
Quero que todos se encontrem.
Quero que todos tenham a experiência transformadora e profundamente libertária de encontrar aquela pessoa que desejam ser.
Mas enquanto isso não acontecer, é bom que se saiba – e faz parte do aprendizado humano consciente – que atacar aquele que se encontrou produz dor e tristeza.
Nietzsche diz que “há uma inocência na admiração: é a daquele a quem ainda não passou pela cabeça que também ele poderia um dia ser admirado”.
Eu admiro muitas pessoas, muitas. Aqueles que admiro e com quem convivo diariamente, seja física seja virtualmente, sabem que são por mim admirados, porque faço questão de dizer. Eu te admiro, você é inspiração pra mim, você me faz pensar, sua história me motiva. É da história de autoconhecimento das pessoas que também busco força pra continuar e reconstruir a minha própria.
Se você, de alguma forma, admira o que eu faço, qualquer que seja o motivo, mesmo que ele seja ilusório – porque eu tenho um corpo escultural (só que não), porque eu tenho uma conta bancária farta (só que não), porque eu aparento ser incansável (só que não), porque eu consegui me encontrar (isso sim), porque consigo dar conta de muitas coisas (isso sim), porque toco ações importantes no mundo virtual e no mundo real (sim, toco), porque estou sempre procurando manter minha casa um mínimo aconchegante e organizada (sim, ou não, depende do dia e da demanda de trabalho), porque tenho uma filha bacana, divertida, saudável (tenho mesmo), porque aparento ser forte (sou, relativamente falando); porque consegui ressignificar a experiência de nascimento da minha filha (sim, consegui, e sigo ressignificando), porque rolou um desmame bacana aqui em casa (ainda que eu não acreditasse de todo coração que isso pudesse mesmo acontecer), enfim, seja lá o que você imagine sobre mim, ao invés de me atacar, me dê um abraço. Me mande um recado legal. É muito melhor, mais bonito e positivo do que ficar atacando injustamente, destilando veneno. E é mais leal com você mesmo, porque admiração é “o nosso reconhecimento cortês de que a outra pessoa se assemelha a nós” (Ambrose Bierce, escritor norteamericano). Ou seja: se você admira o que eu faço é porque vê nisso uma parte de você também. Então, se não por solidariedade, por narcisismo mesmo. Até isso é melhor do que ataque desnecessário. E injusto…
As coisas que tenho feito não são pra esfregar nada na cara de ninguém – como poderiam ser?
É apenas parte do caminho que eu resolvi seguir. Um caminho que é solidário, que sempre inclui, que sempre traz mais gente. Se te acalma saber, passo muitas noites me questionando sobre como posso fazer melhor, sobre como posso otimizar as coisas, sobre como posso aprender mais e mais.
Então, olhe, estamos no mesmo barco. O meu caminho não é solitário. As minhas causas não são egoístas. Não luto por nada que seja meu, meu, my precious, my little precious ring. Apenas gosto de lutar, isso está em mim, no meu sangue, na minha genética, no meu sobrenome, trouxe do meu avô, que passou para minha mãe, que foi distribuído entre três.
Então, veja, use sua energia para algo mais produtivo. Coloque um plano em ação, vá atrás de um sonho, construa algo legal, mesmo que seja somente para si. Vai lá, faça, seja quem você quer ser, não fique aí atacando quem está fazendo.
Mesmo porquê, embora eu me magoe, embora eu me chateie, isso passa e sigo em frente. E continuo a minha vida cheia de significado.
Que tem alegria e trabalho duro, companheiro. Porque pra estar com minha filha rolando pelo chão como fizemos ontem, imitando onças, ou improvisando balanços com o sling que não usamos mais porque ela cresceu num piscar de olhos, pra começar a ajudá-la no desfralde, a reformular o quartinho dela porque ela já dá sinais que quer dormir sozinha, pra concluir um artigo sobre medicalização que vou publicar em uma revista em breve, pra ajudar a concluir o artigo sobre violência obstétrica que iremos publicar coletivamente, pra terminar meu plano de trabalho do estágio doutoral que está super atrasado, pra terminar enfim o questionário de entrevistas para as centenas de mulheres que se dispuseram a falar sobre suas feridas físicas e emocionais, pra continuar a escrever meus textos no blog, pra orientar um novo blogueiro na tarefa de escrever textos sobre paternidade consciente, pra orientar informalmente uma aluna de medicina em um trabalho sobre cesáreas eletivas, pra fazer tudo isso, é preciso mesmo mais do que trabalhar duro: é preciso de uma d
ose extra de alegria.
Então, olha, ou ouço, leio, processo, sinto, me entristeço, me magoo.
Mas deixo passar e continuo.
Porque eu só preciso de pés livres, de mãos dadas, e de olhos bem abertos (Guimarães Rosa).