Quem amamenta sabe que amamentar envolve doação, entrega, dedicação, presença atenta, solicitude. Envolve você se doar para isso, para alimentar seu filho e aumentar cada dia, a cada mamada, mais um pouquinho do vínculo.
Envolve o querer do filho e o querer da mãe.
Quem diz que mamar até mais de 1 ano é manha, não faz a menor ideia do que está falando. Na maioria das vezes, está apenas usando o senso comum como referência bibliográfica, já que tem preguiça, preconceito ou desinteresse por leituras realmente relevantes. Substituir a amamentação pela mamadeira quando se pode amamentar é uma coisa que me entristece, embora eu não me meta nas vidas alheias, porque é substituir o acalento da mãe, seu colo e seu calor por uma mamadeira que, muitas vezes, é dada na mão da criança para que ela tome sozinha, sem a presença física da mãe, com frases como “Olha, que bonitinha! Tomando mamadeira so-zi-nha! Que menina grande, tá virando uma mocinha”. Uma criança que poderia estar no colo da mãe, recebendo carinho, calor, leite e tudo o que vai junto. Fazer isso há 20, 30 anos atrás, quando a informação não estava a um clique de distância de você e, sim, reunida em grossos e desatualizados volumes da Barsa, ainda vá lá. Mas hoje? Na era da informação? Quando com um simples clique você descobre nome, sobrenome e data de nascimento de todos os filhos do casal Jolie-Pitty? Vai me desculpar, mas ao invés de ligar pedindo a eliminação no Big Brother, poderia destinar uns 10 minutos pra se informar melhor. É claro que cada pessoa vive uma história, mas o que se vê, na real mesmo, é um grande desinteresse na busca ativa de informações e uma maior tendência à aceitação do que “se diz por aí”.

Alguns dizem que desmamar estimula a independência da criança. Quem foi que disse que uma criança de 1 ano, 1 ano e meio, 2 anos, precisa aprender a ser independente? Querer a independência de uma criança dessa idade é uma forma um pouco esquisita de delegar à vida algo que seria de responsabilidade da mãe e do pai. E as pessoas ainda comentam, com certo grau de estranhamento, sobre como os indivíduos andam tão individualistas pela vida, como tem havido pouco vínculo no mundo, como as pessoas têm estimulado o individual em detrimento do coletivo, o isolamento ao invés da ligação. Não me parece estranho, me parece coerente. Ligação, coletividade, reciprocidade, vínculo não é algo que se cria quando adulto, é algo que se constrói juntamente com a construção das personalidades.

Eu amamento minha filha desde a hora em que ela nasceu e nos vimos pela primeira vez. Tive o grande privilégio biológico de produzir muito leite nos meses iniciais, que foram suficientes para doar semanalmente ao hospital infantil da cidade cerca de 1 litro e meio. Com o tempo, a produção se adequou às necessidades diárias dela, foi se adaptando às fases que nós vivíamos.

Hoje, ela se alimenta muitíssimo bem, e continua mamando.
Houve um período em que pensei que ela estava começando, por si só, um desmame. Reduziu muito o número diário de mamadas, passou alguns dias sem mamar nenhuma vez durante o dia, mamava apenas a noite.
Mas de um tempo pra cá, a coisa mudou…
Ela tem mamado inúmeras vezes, dia ou noite e, embora eu continue achando o momento de amamentar uma coisa incrível, de puro amor, tenho estado bastante cansada…
Então o meu cansaço conflituou bastante com tudo o que penso, que esbocei nas primeiras linhas desse texto. Porque uma coisa que envolve tanto amor e doação é pra ser legal, é pra ser prazerosa, não é pra ser penosa ou cansativa. Com certeza havia algo que eu poderia mudar…
Então eu, quietinha no meu canto, andei atrás de leituras sobre o assunto. Li coisas muito bacanas, escritas por gente do bem. Seria muito mais fácil, em teoria, aceitar o cansaço e decretar o desmame. Mas eu já entendi faz tempo que facilidades aparentes guardam muito de perigoso e potencialmente nocivo. Então eu fui atrás de salvar a amamentação. 
Foi quando, então, duas amigas, em diferentes momentos, resolveram também falar sobre o assunto, uma querendo suscitar o debate entre mulheres esclarecidas e a outra, com filha quase da mesma idade que a minha, abrindo quase literalmente o peito e contando que também estava vivendo uma espécie de crisezinha envolvendo a amamentação.
Consegui externalizar a questão, para benefício meu e da Clara, identificar o ponto problemático e, mais uma vez, aprender. 
Nós aprendemos muito com os filhos, ainda que eles não tenham vindo para nos ensinar. Mas podemos aprender muito também com a companhia de mulheres que se dedicam a estudar a maternagem, que não se contentam com os padrões comuns, que vão fundo em seu próprio fundo. 
Conversamos sobre o uso da amamentação como presença afetuosa, como consolo, como amparo. Sobre a importância da entrega, da doação, do gesto. Do que significa o “mamar” para a criança, de como a amamentação tem fases mesmo, que é preciso conhecê-las para procurar mudá-las. Falamos sobre desmame, sobre cansaço, sobre nos cuidar mais, dar atenção a nós mesmas, fazer coisas que gostamos, porque muitas vezes um cansaço com algum aspecto do maternar reflete, apenas, uma insatisfação com outros lados da vida, ou falta de atenção que é dada a si mesma. É importante identificar isso e, de posse dessa reflexão, mudar o que precisa ser mudado, sem permitir mudanças negativas em outros lados que nada tem a ver com o problema original. Considerando a criança, e também a mãe.
Num maternar ativo, não é só a mãe que tenta compreender a criança, para diminuir suas angústias e ansiedades. A criança que é criada com afeto, presença e conexão também faz isso com sua mãe.
E em meio às conversas e debates sobre o assunto, Clara me mostrou algo daquelas coisas incríveis que só acontecem entre duas pessoas que se entendem e apoiam. 
Estávamos na praia quando uma criança quase da idade dela começou a chorar próximo a nós. Clara tem um sentimento de classe de dar orgulho a Karl Marx, não pode ver criança chorando que se identifica, na forma de um choro de camaradagem impressionante. Enquanto ela não sente que está realmente tudo bem com o outro, não para de chorar. Bem, mas nesse momento, aconteceu uma coisa diferente. Ela foi até a criança em passos cambaleantes de areia, colocou a mãozinha no ombro dela, baixou a cabecinha como para olhar em seus olhinhos – já que a pequena chorava de cabeça baixa – e disse: Oi. Mamá? Como quem diz: calma, parceira, vai ficar tudo bem. Quer um mamazinho pra se acalmar? 
Então fui lá, conversei rapidinho com a mãe da criança, que me contou o motivo do choro (estavam indo embora da praia) e voltei com minha filha. Naquele momento, minha filha de 1 ano e meio me disse, com todas as letras, o que é, pra ela, o “mamar”. 
É apoio. É parceria. É comunhão. Identificação. Ternura. Amparo. Companhia. É “obrigada, mãe, porque você me entende, você está aqui, você está comigo, então vai ficar tudo bem”.
É muito mais que alimento.
É afeto.
Todo mundo passa por momentos de dúvidas, de incertezas, de crises, sobre as mais diferentes situações.
O que vale mesmo é o que fazemos com elas. Se elas nos destroem ou se ajudam a nos construir.
E, de tudo o que eu li nesses dias, foi um trecho escrito por uma companheira que eu vou guardar no coração enquanto durar essa minha fase de nutriz e produtora d
e afeto líquido.

“Quando as pessoas me vêem amamentando, algumas me perguntam até quando vou amamentar. E eu acho aquela pergunta tão sem sentido, que minha resposta, às vezes, é a risada. Só penso: essa pessoa não está entendendo nada do que eu sinto. Perguntar sobre a data-final da amamentação é como perguntar a um casal que vive bons dias de relação, até quando ficarão bem…”

Como eu escrevi isso na madrugada, não pude consultá-la sobre se poderia ou não citá-la aqui. Para não expô-la, deixo sem a autoria e depois mudo, se for o caso.
A maternidade trouxe pra mim infinitas oportunidades de crescimento pelo (nada)simples fato de estar criando uma criança. Mas também me trouxe ao convívio pessoas incríveis que, de outra forma, talvez eu não tivesse encontrado pelo caminho…
Eu ainda não penso efetivamente no desmame. Pode ser que eu venha a pensar mais pra frente porque, como eu disse, é um processo de mão dupla, tem a ver com o filho e tem a ver com a mãe. Mas, por enquanto, tá tudo muito bem assim.

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