E então a vida está uma loucura, com um trabalho pra terminar e deadline findando, Clara que ficou gripada na semana que passou, a visita da irmã dela aqui em casa, a organização do seminário da Laura Gutman, os preparativos para a festa de aniversário da filha, e tudo mais que todo mundo vive.
E então Clara está cheia – eu disse CHEIA – de novidades. Com seu 1 ano e 11 meses, está identificando as cores, contando 1, 2, 3, 8, 9, falando novíssimas palavras e – o que me pegou numa surpresa louca – perguntando QUIÉISSO? Tudo o que foge à rotina, ela quer saber o que é. Um som diferente, um cheiro novo, uma nova pessoa, tudo agora é QUIÉISSO? Foi surpresa porque, até onde eu sabia, isso só aconteceria mais pra frente. Mas como cada um se desenvolve de um jeito, em um tempo, de uma forma, taí: chegou a hora.
E então ontem, domingo, fomos almoçar na Lagoa pra dar uma desestressada, passeiozinho rápido pra filha e pro pai voltarem pra casa logo, já que estão convalescentes.
E então nós almoçamos e, ao nosso lado, um rapaz almoçava com a namorada, com um gorro escondendo o cabelo. Clara adora gorro, usa vários, eu estava com um, o pai dela com outro e ela estava curtindo esse negócio de dizer “Gorro!” e apontar pra todo mundo que estivesse usando um.
E então ela olhou pro rapaz, viu o gorro dele e disse: “Gorro!”.
E então o rapaz olhou de volta, simpático, e deu um sorriso.
E então terminamos de almoçar, ela pediu pra descer, eu a desci e lá foi ela correndo por tudo – e a mãe atrás enquanto o pai terminava o próprio almoço, na paz e na tranquilidade da ausência da perguntadora.
E então encontramos novamente o rapaz do gorro, que também já tinha terminado de almoçar.
E então ele tira o gorro na frente da Clara, dando espaço para a vasta e esvoaçante cabeleira cheia de dreadlocks caírem pelo ombro e indo até o meio das costas.
E então, Clara grita: “QUIÉISSÔÔÔ?!”, com a maior cara de susto do universo e os olhos arregalados.
E então eu sou flagrada em minha primeira saia justa, em meu primeiro momento-vexame, na primeira experiência de sorriso amarelo por algo que a cria disse.
Na mesma hora me lembrei do que havia postado no Facebook de manhã, sobre ensinar o respeito às diferenças (“Ensinar as crianças a abraçar e acolher o diferente é respeitar a vida em toda sua plenitude e aceitar as diferenças como fonte de toda riqueza humana”), junto com essa linda e emblemática imagem. Abaixei, olhei pra ela e disse: “Filha, isso é o cabelo do amigo, que é diferente do seu, da mamãe, do papai. É um cabelo diferente do seu”. Ele balançava os dreads perto dela e ela perguntando: “Bêlo? Bêlo, mãe?”. Sim, filha, cabelo. E ela conclui: “Ahhh, egaaal, mãe, egaaal…”. Beleza, mãe, legal, saquei.
E então eu me senti muito feliz por ter conseguido mostrar pra ela como aquela diferença era apenas uma diferença, diferente dos cabelos lisos que ela tem (mas não tão diferente dos meus originais, antes de serem como são atualmente, a verdade seja dita, que negar o passado não está entre meus defeitos).
E então ela deu tchau para o rapaz e seguimos andando.
E então, mais lá na frente, uma senhora bastante excêntrica, muito maquiada, cheia de acessórios, bem gordinha e toda vestida de branco, com vastos cabelos bem vermelhos, sai de uma loja, dá de cara com a Clara e diz, bem alto: “MEU DEUS, QUE MENINA LINDA!!”.
Clara para, arregala os olhos e sai correndo, gritando:
“QUIÉISSOOO?! CORRREEEEEE!!”
E então eu procurei um buraco, me joguei dentro e me cobri com terra.
Fim.

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