Quando minha filha nasceu, eu era a Louca da Febre. Tem o louco de palestra, o louco de hospital, o louco de supermercado,o louco de laboratório de análises clínicas, o louco de trânsito, o louco de bar, o louco de dieta. Eu era a louca da febre.
Quando criança, tive alguns episódios de delírio associado a febre alta. Achava que minha avó tinha virado bruxa e queria me espetar com a agulha, via rolo compressor vindo em minha direção no deserto, enxergava minha mãe com 8 braços e, certa vez, fui perseguida pelo Scooby Doo, o que me causou um grande pânico… E como a gente traz pra vida adulta certas neuroses da infância, tinha medo que isso acontecesse com a Clara.
Então, ao menor sinal de febre, eu dava plantão ao lado dela de termômetro em punho. Checava frequência cardíaca e colocava a mão sobre o peito pra checar respiração (quem nunca?).
Mas essa paranoia desvairada durou pouco, felizmente.
Logo comecei a perceber que aqueles episódios inexplicáveis de febre, que vinham do nada e também do nada partiam, precediam grandes saltos de desenvolvimento, mesmo aqueles que ocorriam fora dos períodos tradicionalmente conhecidos como tais. Após uma febrícula, sempre surgia uma grande novidade no repertório comportamental dela, novidades incríveis.
Então entendi a naturalidade da situação, recuperei a sanidade e desenvolvi aquela habilidade recessiva do cromossomo X, que só acontece em homozigose e se manifesta após a maternidade: a incorporação somática do termômetro. Hoje, não uso mais o termômetro instrumental, aquele digital ou o que tem mercúrio (que é bem perigoso). Meu termômetro é aquele tradicional, antigo e não falha: minha bochecha. Sei exatamente se ela está ou não com febre e de quanto, mais ou menos, ela é. Mais uma para o rol do “bem que minha mãe me avisou que isso iria acontecer…”.
Hoje, não surto mais quando o assunto é febre – pelo menos não tanto. Aprendi a valorizar meu dom de cientista também nessas situações: a observação atenta do comportamento e dos sinais. Quando não há qualquer sintoma associado à febre e ela não é assim tão alta, observo, espero passar e, dias depois, – batata! – lá vem a novidade. Obviamente, quando ela não passa, então vamos para uma nova hipótese em busca de uma solução.
Então ontem, o filho da comadre teve a tal febre sem sintoma.
Compartilhei com ela um texto bem bacana que me ajudou na melhor compreensão disso.
E porque é bem interessante – e ajuda a acalmar o coração valente das mães – compartilho aqui também.
É o texto Quem tem medo da febre?, que está disponível no site da Sociedade Antroposófica do Brasil. Uma entrevista com Samir Rahme, médico antroposófico com muitos anos de experiência, publicada na revista Arte Médica, ano III, n.3, novembro de 2002.
Em tempo, um comentário para os loucos de medicamento (aqueles que acham que tudo que não é terapia medicamentosa é radical, imoral ou engorda): é bom saber que, muitas vezes, o tratamento com antitérmico, que geralmente é enfiado goela abaixo aos 5 minutos do primeiro tempo, pode piorar a situação, ao invés de ajudar. A febre é um mecanismo natural de defesa, muitos agentes patogênicos não sobrevivem em temperatura maior que a natural do organismo. Combatê-la assim, sem mais nem menos, é impedir a defesa natural do corpo.

A febre é um dos sintomas mais freqüentes na infância e uma das maiores causas de visitas ao consultório pediátrico. Muitos pais e mães ficam apavorados quando o termômetro começa a subir… Será que é algo grave? Será que esta febre vai causar convulsão? Quem nos responde estas perguntas é Samir Rahme, presidente da SBMA e médico antroposófico com mais de quinze anos de experiência – muitos deles dedicados à compreensão do papel da febre no equilíbrio de nossos processos vitais.

AM. Como você encara a febre hoje? Ela pode ser benéfica e ter uma função específica para o ser humano?

Samir. A febre, em princípio, é sempre boa. Ela tem um papel fundamental na dinâmica do nosso sistema imunológico, ativando a liberação de anticorpos e de outras substâncias de defesa que vão permitir ao organismo lidar com possíveis “invasores”. Hoje sabe-se que é esse mesmo calor que inibe o crescimento de bactérias e aniquila os vírus, ou seja, o calor põe tudo no lugar, renova o organismo. Isso já foi amplamente reconhecido pela comunidade científica tradicional. A cultura do medo da febre e a tendência de combatê-la rapidamente instalaram-se em nossa sociedade nos últimos 50 anos em virtude de uma grande estratégia de marketing da indústria farmacêutica. Considero esta tendência muito nociva para a nossa saúde. Em minha opinião, a febre é um fenômeno relacionado ao desenvolvimento da nossa individualidade. Essa é a grande tarefa da febre na nossa vida. E não é à toa que a maioria dos episódios febris ocorre do nascimento até os 7 anos.

AM. Então os médicos antroposóficos valorizam a febre um pouco mais do que o fazem seus colegas da alopatia, certo?

Samir. Certo! Para nós, ela representa a chance de desenvolvimento da verdadeira individualidade e liberdade em relação aos condicionamentos genéticos. Quando as crianças contraem as doenças denominadas exantemáticas, ou seja, que se manifestam por meio da pele, como o sarampo, a rubéola e outras – e que sempre são acompanhadas por febre –, é uma grande oportunidade para o organismo infantil “quebrar” e eliminar as proteínas herdadas, criando novas estruturas a partir de si mesmo. Na Europa, muitas mães ainda cultivam a antiga tradição de levarem os filhos para visitar as outras crianças com doenças exantemáticas com o objetivo de proporcionar uma imunização natural. Mas, hoje em dia, fica cada vez mais difícil para esse pequeno ser usufruir os benefícios que estas doenças “naturais” podem lhe proporcionar. De um lado, temos as vacinas e de outro os antitérmicos…

AM. O calor vivenciado através da febre tem uma função para nós?

Samir. Segundo a Antroposofia, nós, seres humanos, temos um organismo com quatro componentes básicos, que didaticamente chamamos de “corpos”: um corpo físico (terra), um corpo vital (água), um corpo astral ou alma (ar) e um corpo espiritual ou individualidade (fogo). Quando se dá o aumento da temperatura, o que está acontecendo num nível mais sutil, não mensurável por aparelhos, é que a individualidade (o corpo espiritual ou “Eu”) está em seu caminho de conquistar o corpo, está at
uando mais de perto, por meio do calor, que é seu elemento natural. O significado do calor ainda é pouco explorado na Medicina, mas já estamos avançando: os mais avançados tratamentos de tumores são feitos com hipertermia.

AM. Como lidar com a ansiedade dos pais?

Samir. O melhor remédio é paciência e conversa. Os médicos devem tentar esta abordagem com os pais, resistindo à pressão. Hoje em dia, tanto na medicina quanto em outras áreas predomina o conceito de FAST(rápido, em inglês), ou sejam, tudo deve ser e ocorrer de maneira rápida, o que não proporciona um desfrutar das situações. Quando lidamos com o ser humano, quanto mais SLOW melhor o resultado e, no caso de afecções do organismo, estamos sempre lidando com a eternidade. Muitas vezes, somos procurados porque os pais já não agüentam mais dar tanto remédio químico para seus filhos, e a reclamação é sempre a mesma: não ficam bons nunca.

AM. E medo da convulsão?

Samir. Poucos pais sabem que as convulsões causadas pela febre ocorrem em apenas 2% das crianças e não dependem da temperatura que a febre alcança, mas da velocidade com que ela sobe. Assim, as crianças propensas a ter convulsões febris poderão ter crises mesmo com febres baixas. Nesta situação, o uso antitérmico está mais que justificado, mas sem nos esquecermos de que estamos lidando com uma minoria.

AM. E como você orienta o tratamento da febre?

Samir. A primeira preocupação do médico é diagnosticar e tratar a doença que provoca a febre, que é apenas um sintoma. Na medicina Antroposófica existem medicamentos naturais, à base de plantas, animais e minerais, que podem ser usados no tratamento das causas da febre. A compressa de limão na panturrilha costuma baixar a temperatura de 1 a 2 graus, sem comprometer o processo como um todo. (Ver receitas abaixo.)

AM. Quais seriam suas considerações finais sobre a febre?

Samir. Vale alertar que numa criança bem nutrida os efeitos de uma febre serão mais bem tolerados do que numa criança desnutrida. Repito que a febre é o remédio mais potente e sábio que existe, devendo ser encarada como uma grande aliada do médico e do paciente. Acho fundamental iniciarmos uma contracultura da febre!


Compressa com rodelas de limão Corta-se um limão em rodelas. Depois, elas são colocadas entre as dobras de um pano e batidas para se extrair o suco. Em seguida, a compressa com as rodelas de limão batidas é aplicada morna na panturrilha e firmemente enrolada com um xale de lã.A compressa de limão pode ser aplicada morna na panturrilha. Um limão é colocado numa vasilha com água suficiente para cobri-lo. É depois cortado e espremido debaixo d’água, fazendo-se diversos cortes na casca para se obter bastante óleo etérico (sumo). Dobra-se um pano de algodão ou linho (pode ser um lenço) de modo que cubra o panturrilha. Molha-se o pano na água com limão, espremendo-o depois com força. Ele é aplicado, sem pregas, ao redor da perna, preso com um pano maior e, em seguida, com um pano de lã firmemente enrolado.

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