Agora são 2 e 15 da madrugada do dia 22 pro dia 23 de novembro. Estou acordada porque estava trabalhando até agora a pouco. E às 2 da manhã, mais ou menos, Clara faz o seu tradicional lanchinho da madruga. Fui dar o mamazinho da minha filha e, enquanto ela mamava, eu fiquei olhando encantada pra ela, como sempre faço. Mas hoje não sei o que me deu que fiquei muito emocionada. Olhei aquela bebezinha dormindo enquanto mamava, vestidinha de lilás, entregue a mim como se eu fosse o mundo dela, como se o mundo se resumisse, naquele momento, àquela mamadinha. Ela esticou o bracinho esquerdo e colocou no meu rosto. Olhinhos fechados, mamando. Eu senti um amor tão profundo, um carinho tão forte, uma coisa tão envolvente que, quando vi, estava toda emocionada. Dizendo mentalmente a ela o quanto eu a amava, o quanto ela havia me modificado pra melhor, a importância que ela tem na minha vida, o quanto quero ser uma pessoa melhor pra ser digna de sua educação, para ajudá-la e orientá-la nesse mundo tão esquisito e cheio de contradições. Mentalmente, lembrava de como minha vida estava antes de saber da chegada dela. Não estava ruim não… Mas eu sentia falta de alguma coisa para a qual eu pudesse me doar completamente, uma situação em que eu pudesse dar o meu melhor e descobrir coisas que me engrandecessem como ser humano, conhecer valores mais profundos e o amor em toda a sua potencialidade. E aí eu olhei pra Clara e vi ali isso tudo. Por ela eu quero ser cada dia melhor; por ela quero descobrir em mim um lado mais sereno, mais tranquilo, pra poder confiar no fluxo natural da vida. Quero dar a ela uma vida calma, embora eu seja tão agitada. Quero que ela se sinta sempre amada, querida, compreendida e amparada. Ali, naquela hora, com ela no meu colo, lembrei-me dos dias em que sangrei, durante a gravidez, e nos quais pedi encarecidamente a Deus que não me tirasse a oportunidade de ser mãe daquele bebê. Dizia à minha barriga que era pra ela confiar em mim, que eu seria uma ótima mãe, que eu aprenderia o que fosse necessário pra cuidar dela. Que aqui tinha sol, tinha chuva, tinha um monte de coisas bonitas que eu queria mostrar pra ela. Pedi pra ela não desistir de vir, porque eu a queria muito. Lembrei da médica que me disse, insensivelmente, que era pra eu me preparar, pois a primeira gravidez era mesmo difícil de segurar, e eu já estava sangrando… Lembro da alegria que senti quando saí da fase de risco, da alegria de cada ultrassom, de saber que era menina, que era grande, que tinha um narizinho parecido com o meu. Ela mamando e eu ali viajando. Fiquei tentando entender porque aquela emoção toda àquela hora da madrugada. Ela terminou de mamar, eu a levantei um pouquinho, como de praxe e, automaticamente, ela capotou sobre o meu ombro esquerdo, colocando o bracinho em torno do meu pescoço, num abraço involuntário em que me deixei ficar por muito tempo. Ficamos ali um tempão abraçadas, ela com aquele ronquinho meu novo-velho-conhecido. Naquela hora, agradeci a Deus pelo dia de hoje, porque choveu muito o dia inteiro e, da sacada do quarto, pude mostrar pra ela o que eu havia prometido naqueles dias ruins: olha, filha, a chuva. Olha que chuva linda. E chovia a cântaros, e ela olhava aquela água toda com o bico que ela faz quando alguma coisa é surpreendente no novo mundo dela. Me deixei ali naquele abraço, me sentindo feliz por estar com ela. E foi quando eu entendi o porquê daquele momento tão especial…
No dia em que ela nasceu, por ter um perímetro cefálico grande, ela não desceu o suficiente para que eu pudesse recebê-la no parto domiciliar planejado para o qual eu havia me preparado. Após 25 horas de trabalho de parto intenso, precisei ir pra maternidade. Lá, tentei mais 4 horas o parto normal, estimulada pela médica que estava de plantão e que me recebeu tão carinhosamente. Após esse tempo, e vendo que a bebê não descia, eu e ela decidimos, juntas, fazer a cesárea. Após o nascimento da Clara, eu já suturada e ela se preparando pra finalizar tudo, olhei pra médica e perguntei algo que havia guardado para o final. Perguntei se ela não se lembrava de mim. Ela disse que tinha a impressão de me conhecer de algum lugar, mas não sabia de onde. Expliquei de onde.
“Eu precisei passar por uma consulta de emergência há 7 meses atrás, por conta de um sangramento. Você estava de plantão e me atendeu. E pediu pra que eu me preparasse porque toda primeira gravidez era difícil de segurar, e eu já estava sangrando. Que era provável que eu perdesse o bebê… Viu? Eu não a perdi.”
Ela ficou me olhando com uma cara de tristeza e disse: “puxa, eu disse isso? Me desculpa, por favor… nem sei o que te dizer”.
Tudo deu certo.
Ela está aqui comigo hoje e eu posso fazer tudo aquilo que quero: ser uma pessoa melhor, ajudá-la, orientá-la, amá-la. A amo mais do que pensei que pudesse amar alguém um dia e isso é uma coisa incrível.
Enquanto eu estava ali abraçada com ela, me toquei que hoje, madrugada, já é dia 23 de novembro. Faz 1 ano hoje que eu descobri que seria mãe e que meu mundo nunca mais seria aquele que eu conhecia.
Ainda bem.