Imagem: Silvia Falqueto

Quando eu sugeri, no início do mês de junho, a postagem coletiva “Para o bebê, o melhor leite é o da mãe“, foi para que, no Dia Internacional do Leite (24 de junho) – que, com toda a certeza do mundo, não foi criado para enaltecer os benefícios do leite materno – diferentes pessoas pudessem parar, refletir e falar a outras pessoas como é importante a prática do aleitamento materno.


Para preparar o meu texto, fui ler alguns artigos sobre leite materno, amamentação e substitutos ao leite materno. E encontrei um especialmente importante neste contexto, intitulado “Substitutos do leite materno: passado e presente“, de Marina Ferreira Rea – que agora está na aba de leituras sugeridas em “Amamentação”. A despeito de ser um texto relativamente antigo, de 1990, é absolutamente atemporal. Traça todo o histórico da criação e propagação comercial e social dos substitutos do leite materno. E é um daqueles artigos que, durante a leitura, vai te dando vergonha de fazer parte da espécie humana, que muitas vezes é Homo nada sapiens. A história dos substitutos do leite materno é uma história mais ligada ao comércio que à saúde, sinto lhes dizer… E é uma história muito feia.
Nesse artigo, há uma diversidade de informações essenciais, daquelas que todo mundo precisaria ter acesso.
Por exemplo:
  • historicamente, quando um bebê não era amamentado por sua mãe – o que por si só já era um evento raro – era o leite do peito de outra mãe que o alimentava. Eu, particularmente, gostaria de estar vivendo num mundo em que as amas-de-leite não fossem mais artigos raros. Talvez tenha sido por isso, também, que fiz questão de doar muitos e muitos litros de leite para o hospital infantil da cidade, quando a minha produção ainda não havia se regularizado;
  • o primeiro a recomendar o uso do leite da vaca como alternativa ao humano foi um médico chamado Underwood. Sabe quando? Em 1784. O interessante é notar o contexto histórico da época: as mulheres burguesas e as que tinham melhores condições financeiras recusavam-se a amamentar seus filhos, vejam só que coisa…
  • foi um outro médico, chamado William Cadogan, que, embora defensor do aleitamento natural, instituiu a regularidade das mamadas, ou seja, que os bebês fossem alimentados em horários fixos, a cada 4 horas. Foi ele também que “proibiu” as mamadas noturnas. E você sabe por quê tantas regras? Porque ele, pessoalmente, acreditava que alimentar um bebê era um momento de lhe passar uma infecção. Meio problemático esse doutor, não? Isso no século 18, tá? Então, minha querida, se você é daquelas que colocou horário para a mamada porque sua doutora disse que era pra fazer assim, sinto lhe dizer: você não é nada moderninha, você é antiquada pacas. Ouso até dizer que você é demodê, baby, datada mesmo. Sai dessa, fofa. Vem pra modernidade. Seu bebê não é relógio. Ele é um bichinho. E, como tal, tem fome a qualquer hora;
  • essa parafernalha toda de fórmulas, complementação e tal começou com o leite condensado – que não era propriamente o leite condensado que a gente conhece hoje. Mas foi difundido comercialmente por uma empresa cujo nomezinho você conhece até hoje: Nestlé. E só foi difundido assim tanto porque coincidiu com o momento da revolução industrial, quando as mulheres passaram a trabalhar grandes cargas horárias, mesmo na época da amamentação. O seguinte trecho, inclusive, está nesse excelente artigo:

Page, um americano que formara na Suíça a Anglo-Swiss Condensed Milk Co., supôs corretamente que o leite condensado produzido podia ser estocado e utilizado pela população em crescimento da Inglaterra no período da industrialização”. 

Ou seja: o substituto do leite materno não foi feito “com carinho, com amor, para mães alimentarem, também com amor, seus filhos”. Foi feito pra população cair de boca no trabalho. Foi feito pensando no crescimento da industrialização, do capitalismo selvagem. Quando certas indústrias, portanto, usam o slogan “Faz bem”, não está mentindo. A questão é: faz bem pra quem, neném?
  • o artigo também chama a atenção para a relação digamos, “íntima”, que existe entre os fabricantes de substitutos ao leite materno e os médicos. A autora cita, inclusive, uma outra referência para dizer que

“os fabricantes vendem, mas os médicos controlam: uma relação mútua vantajosa entre médicos e companhia de alimentos infantis está estabelecida”. E afirma que essa mesma referência utilizada sugere que os médicos estão desejosos de cooperar porque vêem na alimentação artificial um meio de controlar os pacientes “porque estes passariam a procurá-los mais”.

Se, nesse momento, você está achando tudo isso muito exagerado, vou te contar uma coisa. Eu perdi as contas do número de mulheres que já me contaram terem saído da maternidade com uma prescrição de NAN. Sabe? NAN? Aquele complemento que é dado quando a mulher não consegue produzir leite suficiente, ou quando não é bem orientada, ou quando simplesmente não quer amamentar? Tem muito médico por aí sim senhora prescrevendo NAN como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Mais natural do mundo? Peraí, senhor doutor. Alto lá. O mais natural do mundo é amamentar. Dar complemento não é natural. Complementação deveria ser utilizada APENAS e SOMENTE quando a mãe, por diferentes motivos, não está conseguindo produzir leite em quantidade suficiente. E concomitante a tantas técnicas e compostos lactogogos (que induzem a lactação) que existem. Eu, qu
e sou doutora mas não sou médica, conheço vários, imaginem vocês que estudaram para isso – ou que deveriam ter estudado, pelo menos…
Dar receita de complementação para uma mulher que tem total condição de amamentar é ir contra o “a ninguém darei por comprazer nem remédio nem um conselho que induza a perda“, do juramento de Hipócrates. Ou, ainda, é agir contrariamente à Declaração de Genebra, quando esta diz “não usarei meu conhecimento médico em princípios contrários às leis da natureza“.
Não se engane você, distinta e consciente mãe que utiliza complementação por não ter podido amamentar – a despeito de querer muito -, pensando que foram feitos para você e seu filho. Não, não foram. Os substitutos ao leite materno foram desenvolvidos pensando naquelas mães que OPTARAM por não amamentar. Porque aquelas que, por razões diferentes, não conseguiram amamentar, tinham seus filhos alimentados por outras mulheres, por mães-de-leite, por amas-de -leite. As fórmulas e complementações tiveram sua origem visando especificamente um público: as mães que NÃO QUISERAM amamentar.
Uma mulher que não quer amamentar está negando ao seu filho o direito básico da melhor saúde que poderia ter desde o nascimento. E não, essa não é a minha opinião, essa é uma constatação. E é pra você, ó nobre senhora, que toda essa parafernalha midiática é feita.

A complementação, os substitutos ao leite materno, salvam muitas vidas e, quando bem administrados, mostram incontáveis benefícios. E é para isso que deveriam ser utilizados. No entanto, existem muitos estudos mostrando que a quantidade de bebês que realmente necessita dos substitutos ao leite materno é muito pequena. A autora do artigo que menciono neste texto, inclusive, faz o seguinte comentário:

“os lucros das companhias, entretanto, não teriam sido auferidos se só este mercado [os dos bebês que realmente precisam de complementação] fosse atingido. Daí a tarefa de criar nas mães (e nos médicos) a “necessidade” de tais produtos formulados ter sido dever bem cumprido através das técnicas de “marketing” por todos esstes últimos cem anos. A imagem do produto perfeito, que leva a bebês robustos e facilita a vida da mulher, é vendida com toda a sofisticação e invade os vilarejos mais distantes”. 

Eu não precisei oferecer complementação à minha filha, com a graça da Deusa das Divinas

Tetas, a quem agradeço todos os dias com toda devoção. Se precisasse ter oferecido por não ter podido amamentar, faria com a consciência tranquila de estar fazendo o que é melhor pra ela, depois de tentar tudo o que fosse possível para amamentar. Mas não me deixo ser pescada por outros produtos dessas mesmas indústrias. E é por isso, também, que eu não ofereço à minha filha nenhum tipo de alimentação pronta de indústrias como essas. Nenhum potinho. Porque acho que já tem mulher demais sendo pescada pelas promessas de aparente facilidade e saúde “enfrascada”.


Muitas mulheres entraram na Postagem Coletiva “Para o bebê, o melhor leite é o da mãe”. Aqui estão algumas delas (se você participou e não está, me avise que terei prazer em acrescentar), com links para os blogs ou páginas pessoais:


Dedico esse texto a algumas mães que eu conheço que fizeram de tudo para melhorar a própria produção de leite, que usaram todos os métodos possíveis e imagináveis para que seus filhos pudessem ser amamentados e que, ainda assim, não conseguiram. Vocês, mães conscientes da importância da amamentação, que passaram pela angústia de querer amamentar sem conseguir, são mulheres fortes e têm todo o meu respeito. O complemento que tiveram que dar aos seus filhos é, na minha opinião, leite vindo também de dentro. Não do peito, mas do coração… que é onde mora a alma de uma mãe.

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