Muitas pessoas acreditam que um tapa – a tal da palmadinha – ensina a criança a não fazer mais o que está sendo punido.
Mas não ensina isso. Ensina outra coisa.
Ensina apenas que se ela fizer aquilo e um adulto souber, apanhará e sentirá dor.
Por essa lógica, bastaria, então, fazer aquilo somente quando o adulto não estiver, ou esconder o que foi feito.
Por esse prisma, palmada ensina mesmo, ensina sim, ensina muitas coisas.
– Ensina que somos passíveis de violência.
– Ensina que a violência é justificável quando nós achamos que é.
– Ensina que amor e violência podem andar juntos.
– Ensina que para escapar da violência, basta fazer escondido.
– Ensina a mentir.
Se é isso o que você pretende para a educação do seu filho ou sua filha, então palmada é, mesmo, uma opção para você. E é por isso – e para isso – que você a defende. Mesmo quando lança mão de uma série de argumentos frágeis e incoerentes, os quais podem ser desconstruídos sem muito esforço.
Mas se o que você deseja é ensinar as crianças a serem responsáveis, colaborativas, compreensivas, solidárias e coerentes, então palmada deixa automaticamente de ser uma opção.
Se o que você deseja é orientar e ensinar limites através do amor e do acolhimento, se o que você quer é ensiná-las pelo bom exemplo, ensiná-las a tomarem boas decisões e a fazerem boas escolhas, então você sabe que a palmada, ou qualquer outro tipo de violência, não é uma opção. Não para isso.
Quando você bate em uma criança porque ela saiu correndo para a rua e o carro quase a atropelou, você está ensinando que ela não pode fazer isso PORQUE irá apanhar. Essa é a relação causa-consequência que você ensina. E é muito fácil perceber o risco disso. Na sua ausência, por não ter entendido a verdadeira relação de perigo embutida, ela sairá correndo porque, afinal, o elemento de perigo – apanhar da mãe ou do pai – está ausente. Você transfere o risco para si e não para o que de fato pode comprometer a integridade da criança.
Palmada produz, além de tudo de ruim que sempre discutimos, esse tipo de relação equivocada: a transferência da relação causal para quem agride, e não para o foco de perigo.
Mas talvez essa não seja a pior inversão produzida pela violência. A mais deletéria e prejudicial talvez seja ensinar às crianças – os adultos do futuro – que AMOR E VIOLÊNCIA podem andar juntos, são parceiros, se reforçam.
E é isso o que tantos pais e mães fazem quando dizem: "Eu bato por amor. Bato para ensinar porque amo meu filho ou minha filha".
Isso ensina uma coisa extremamente perigosa: o amor tem aval para agredir. O amor é motivo para violentar. E violência pode ser aceita nesses casos.
Imagine uma criança que passa a vida inteira sendo agredida e ouvindo essa justificativa. Sem que perceba, sem que passe pelo crivo da consciência, embutido lá nos recônditos de sua essência, está sendo construída a noção de que amor e violência caminham juntos. E quem assim aprende a pensar torna-se vítima fácil. Ou agressor. E tudo em nome do amor.
Também por essas questões – que fogem à análise quando falamos apenas superficialmente da questão da educação violenta e que é deixada para trás quando pais e mães que batem tentam justificar seus atos – é que hoje centenas de famílias buscam ativamente formas de educar que excluem a violência como ferramenta. E que são baseadas na empatia, na cooperação, no entendimento de que crianças, como todas as outras pessoas, não são passíveis de agressão.
Sim, não é tarefa fácil.
Sim, exigirá de você o entendimento e a aceitação de suas próprias limitações e entraves.
Sim, exigirá de você, muitas vezes, a aceitação e reconstrução de seu próprio passado, principalmente se você também foi uma vítima da violência quando criança.
Mas criar filhos não deve ser algo encarado do ponto de vista da facilidade. Estamos falando de seres humanos, de novos cidadãos, de um futuro que pode ser diferente. Facilidade não deve ser a meta neste caso (talvez em nenhum caso, mas nesse ainda menos). Em sendo, estamos fadados a perder uma das maiores oportunidades de mudança e transformação social e coletiva: a mudança pelas pessoas, pela educação, pela empatia e não violência.
Foi também por isso que um dia, com base em tantas discussões positivas e textos escritos, eu e minha querida amiga Andreia Mortensen decidimos organizar algumas ideias sobre educação não violenta e a possibilidade concreta, prática, real de criar filhos excluindo qualquer tipo de violência – emocional, verbal, física, e que foram reunidas no livro "Educar sem violência – criando filhos sem palmadas".
Se esse é um assunto que te interessa de alguma maneira – e para isso não é preciso ser mãe, ou pai, ou cuidador, basta ser um adulto em busca da mudança das relações – a entrevista em áudio que segue abaixo poderá ser bastante útil, a você ou a quem julgar que precise ouvir.
Esse trabalho que fazemos em busca de uma infância respeitada e respeitosa é feita com o mais genuíno sentimento de que pessoas podem mudar. De que pessoas podem reformular seus atos. Podem fazer a autocrítica e sair em busca da melhoria de suas relações.
Desculpe se doer, se te vulnerabilizar emocionalmente, não é esse nosso intuito. Mas pode acontecer. E se acontecer, saiba: você estará, também, em transformação. E o fruto de sua transformação, para além de educar e amar seu filho com todo o respeito e sem violência, será a própria aceitação de sua infância e de sua história.
Seja bem vinda e bem vindo a essa conversa. Não desista. É possível sair do senso comum, que incentiva a violência, para fazer diferente.