O que é sono?
Resposta 1: sono é um estado que me acompanha a partir do meio da tarde, todos os dias há 189 dias.
Resposta 2: É uma arte milenar que eu costumava praticar com gosto antes de ser mãe, a noite, mas que, há 189 noites, tornou-se picado em mil pedaços,  já que sou mãe de uma bebezinha delícia de 6 meses que acorda muitas vezes na madruga, ora pra mamar, ora pra ganhar um abracinho, ora porque quer bater um papinho. Não é segredo que vesti de corpo e alma a experiência da maternidade, vivencio ao máximo tudo o que ela proporciona, e amo cada coisinha. Exceto a privação de sono. Eu quero morrer com a privação de sono. Eu quero atear fogo em Roma por conta da privação de sono. Eu quero depor o governo, por causa da privação de sono. Quero bater a cabeça na parede, por causa da privação de sono. Fico louca mesmo. Mas na hora em que a filha acorda na madrugada querendo um cheirinho, sou o mais doce animal mamífero do mundo, a pego com carinho, coloco no colinho, dou o aconchego e volto a dormir. Mas durante o dia eu fico louca! Ok, explicado isso, vamos em frente.
Resposta 3: sono é um comportamento altamente complexo que a neurociência vem estudando há muito tempo, embora ainda haja muito a responder.  É composto por fases diferentes, como a fase REM (nome de banda) e a fase não-REM. REM vem de “movimento rápido dos olhos” e é, normalmente, a fase onírica, quando o cérebro sonha. A fase não-REM é a fase de repouso profundo. O sono é de fundamental importância porque tudo o que aprendemos e vivemos durante o dia é fixado em nosso cérebro durante o sono. Não só por isso: o cérebro se remodela e reorganiza. É por isso, também, que o pessoal diz: quer saber a resposta para um problema que está vivendo? Durma com a pergunta e acorde com a resposta. Porque, em geral, o cérebro trabalha bastante enquanto você dorme, para espanto de quem acreditava que ele ficava lá deitado em berço esplêndido. O Pedro Cardoso, o Agostinho de A Grande Família, numa apresentação, diz: “quando a mulé fala vou dormir, eu digo: vaaaai! Vai dormir! Quer dormir? Vaaaai dormir! E é por isso que quando a gente vai dormir, estão acordando no Japão, e o mundo funciona assim, um dorme, um acorda, um dorme, um acorda, porque se ficasse todo mundo acordado, seria a Guerra Mundial!”. Ele faz piada mas é a mais pura verdade: privação de sono deixa a pessoa louca. Claro que estou exagerando e falando sobre a privação TOTAL do sono. Mas a privação parcial do sono também faz um grande estrago. Bem, minha personalidade mudou muito desde que comecei a dormir picado. Ando muito menos tolerante ultimamente. Às vezes me culpo por isso, mas pô, eu mal durmo… Tem que ter um bocadinho de comiseração com a pobre da criatura. Claro que isso não justifica tudo, em caso de assassinato também não serve como álibi, por exemplo, mas explica muita coisa.

A privação de sono causa uma série de alterações no organismo. Tenho um monte de companheiras de experiência materna que me perguntam como eu consigo ainda produzir leite dormindo tão pouco, porque é sabido que a privação parcial de sono influi na liberação de prolactina e ocitocina. Não sei,  não faço a menor ideia, teremos que perguntar para meu hipotálamo, porque eu mesma não sei. Na verdade, cada dia que passa eu acredito mais fortemente que sou membro da dinastia MaCLeod, aquele personagem de Highlander, que não morre nem dando com um pau na cabeça. Enfim…

Os efeitos da privação de sono não são nada legais. O primeiro estudo sobre os efeitos da privação do sono em humanos foi feito em 1896, quando os caras privaram voluntários de sono por muitas horas e observaram uma série de prejuízos ligados à memória, aprendizagem, entre outros, mas também observaram que, após uma longa noite de descanso, se recuperaram de todos os prejuízos.
A pergunta é: mas e quando a pessoa não tem como repor isso?!
Olha… sei que não é nada legal.
Sei que a coisa é tão punk que já foi usado como instrumento de tortura na Coréia, vejam vocês…
Eu, na verdade, não sei nem qual foi a última vez que sonhei. Não lembro. E existe um artigo muito bom, em português, de um pessoal do Grupo do Sono do Departamento de Psicobiologia da UNIFESP, que eu tenho a felicidade de conhecer, que diz o seguinte:

O primeiro experimento de privação seletiva de sono foi realizadopor Dement(1960). O autor fez uma privação seletiva do sono REM edemonstrou que, a privação desta fase do sono, causava um aumentodo percentual do sono REM durante o período de recuperação emrelação ao seu basal, denominando esse fenômeno de efeito rebote.Além disso, observou que poderiam ocorrer distúrbios psicológicos,concluindo que a supressão dos sonhos poderia desencadear uma sériadisfunção da personalidade. A existência de um rebote de sono apósum período de privação demonstra que o sono não é um simplesperíodo de redução da atividade ou do alerta regulado pelo ritmocircadiano ou ultradiano.

Ou seja: quem dorme pouco, geralmente sonha pouco. Quem sonha pouco, muda de personalidade. E tende a sonhar mais quando consegue dormir pra recuperar.
Mas e quem não consegue recuperar? Vai ver começa a sonhar acordado…
Eu mesma acho que já comecei. Ando sonhando com o dia em que minha filha voltará a dormir uma noite, uma noitezinha, uma noitinha de nadica de nada só, inteira.
Em 1997 participei como voluntária da pesquisa de um grande amigo meu, que infelizmente e para minha grande tristeza não está mais aqui com a gente, sobre os efeitos da privação do sono sobre atividades cognitivas. Tive que ser substituída por outro voluntário, porque após míseras 26 horas, eu desmaiei. Bom, tô me oferecendo para estudos agora…

Outro dia uma amiga, também recém-mãe, disse: e pensar que a gente emendava uma balada na outra na graduação, e ainda fazia prova e assistia aula, sem nunca tomar pau, e hoje a gente apita ao menor aperto…
Minha amiga, presta bem atenção: EU NUNCA EMENDEI 189 BALADAS UMA NA OUTRA, DORMINDO SÓ 4 HORAS ENTRE ELAS.
Juro!

Essa é a primeira da série SONO. A próxima da série será: O SONO DOS FILHOS.
E se você quiser ler mais sobre o artigo que mencionei, é só clicar que ele tá aqui.

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