Vez ou outra, aparece em minha caixa de e-mails relatos daqueles que você começa a ler em leitura flutuante, mas decide parar. Parar, pegar uma caneca de café quentinho, esticar bem as pernas, colocar-se confortável na cadeira e ler. Ler até o fim. E se emocionar, e suspirar e sentir que tudo vale a pena.
Foi o que aconteceu com o relato de nascimento que posto aqui hoje. Não de um nascimento. Mas de muitos. Da mãe, do pai, dos filhos todos, da família, da fé na vida, da esperança. Escrito por um pai que sentiu uma imensa necessidade de compartilhar suas emoções a respeito do nascimento de sua última filha. Mas que não se restringem ao nascimento da filha.
Um relato de amor. De reconstrução. De reafirmação de vida.
O relato que vem agora descreve o nascimento de uma menininha com nome de pintora: Tarsila. Que, na verdade, começou bem antes, no nascimento de seu irmão mais velho, Gustavo, e de sua irmãzinha do meio, Betina. Pois sem ambos, talvez seu nascimento não tivesse o significado redentor que teve.

Sem mais delongas:

 O Parto de Tarsila: um (re)nascimento coletivo.
Por seu pai: Luiz Franco.

Olá Lígia


Você não me conhece, mas minha esposa “conhece” você. Ela lê o seu blog e acho que foi umas das coisas que mais a ajudou nos últimos meses.
Antes de mais nada, obrigado.

Eu precisava repartir com alguém o que vivi nesse último nascimento de minha filha. 
Antes de mais nada, sou poeta. Na verdade não é isso que diz o meu registro profissional, ou quando preencho fichas em hotéis viajando pelo trabalho. Faço minhas poesias e minha compreensão do mundo e da vida é obviamente guiada pelas minhas sensações, interpretações através de uma visão calcada nos sentimentos, nos símbolos, nas metáforas. 

Será que eu posso partilhar com você a minha visão do parto em quem minha filha Tarsila nasceu? 
Eu preciso.
Amina, minha esposa falou muito de você e lia seu blog, mas não tanto quanto ela.
Vou começar e foi de bate pronto, com o coração.
Recomeço

Quando descobrimos a gravidez de Amina, primeiramente tivemos um susto. Não houve planejamento. Na verdade, todas as grandes manifestações de amor entre mim e Amina não foram planejadas. Nosso casamento em 2004, nossa reafirmação do casamento em 2008, a gestação de Betina e de Tarsila. Nada disso foi algo planejado, definido, programado. Amina tem muito mais capacidade em relação a isso do que eu. Sigo meus instintos, até mesmo no trabalho.

Desde o primeiro segundo que soubemos da gravidez tivemos noção do quanto nossas vidas seriam mudadas a partir daquele ponto. Eu estava prestes a pedir demissão para poder começar um empreendimento próprio, planejávamos uma mudança de casa, Amina tinha em mente voltar aos estudos. Em parte mudamos nossos planos. Saí da empresa em que estava e comecei meu próprio negócio assim mesmo. Amina decidiu que após o nascimento de Tarsila iria parar de vez com suas atividades na clínica de podologia da mãe. Mudar de casa ficou sendo um plano para o pós-parto.

Obviamente não tínhamos um plano do que fazer, quem procurar. Amina não queria voltar ao mesmo médico que fez a cesárea do nascimento de Betina mas, num primeiro momento e acho que para lavar a alma, Amina foi até ele para obter uma guia para o ultrassom. Fizemos o primeiro em Santa Catarina, numa viagem que misturou férias com trabalho, o meu primeiro trabalho nesse novo empreendimento e também nas minhas últimas férias pela empresa em que ainda estava contratado.

O irmão de Amina e sua esposa moram em São José (SC), a sogra de meu cunhado trabalha em uma maternidade pública. Amina se informou muito se era possível ter o parto normal naquela maternidade. As primeiras respostas foram positivas e animadoras. Voltamos para São Paulo como um certeza: caso não encontrássemos alguém para acompanhar Amina em um parto normal, retornaríamos a Santa Catarina antes das 40 semanas.

Amina foi ao mesmo médico, com os exames nas mãos, avisou que queria um parto normal. Finalmente ele foi honesto e disse que não havia a menor chance dela ter um parto normal, ao menos com ele.

Ficamos sem ninguém e isso nos retornava ao planos de irmos para Santa Catarina. Quase aceitei uma proposta de emprego, abandonando assim meu plano de ter meu próprio negócio para trabalhar em São José e, assim, poder dar condição para que Tarsila nascesse em Santa Catarina com um pouco mais de apoio.

Amina, então, começou a procurar mais informações sobre como e quem poderia acompanhá-la para um parto normal. Quanto mais pesquisava, mais encontrava dificuldades. Conversou com uma médica que cobrou 13 mil reais para acompanhar o parto. Isto significaria consumir todas as nossas reservas. Coloquei para Amina que, se fosse necessário, venderia o meu carro, um dos poucos bens materiais que sempre tive desejo possuir, mas compreendi quando ela me disse que as pessoas gastam tanto para um festa de noivado, casamento, debutante ou formatura mas que ninguém se preocupa em dar o melhor nascimento para um filho ou filha.


Os 13 mil reais pareceram caros demais, Amina foi a outro médico que apresentou um “preço” mais camarada: 6 mil, e novamente enfrentávamos um problema, o hospital. Nenhum dos médicos que aceitavam o parto normal de Amina sinalizavam que isso poderia ser possível num dos poucos hospitais aos quais nosso resquício de convênio nos oferecia.
Memórias que nos acompanham

Faço uma pausa aqui para apontar um constatação. Sempre procurei acompanhar Amina em sua vida, em ser seu parceiro. A vida de Amina mudou radicalmente na gestação de Gustavo. Abandonada e traída pelo namorado, seguiu sozinha sem o claro apoio dos pais e familiares. Não foram poucos os que a julgaram, uma menina de 16 anos, grávida, que sonhava em ter a sua própria família pois quem sabe assim poderia ser feliz. Não pensem alguns parentes que eu não sei de suas sugestões de aborto ou de suas frases animadoras como “Você é uma vergonha para a sua mãe.” Acho estranho que estas pessoas ainda beijem o Gustavo sem pedir ao menos desculpa para a Amina ou para ele.

Quando ela ficou grávida da Betina, eu estava desempregado, começando minha careira nas Artes Gráficas. Em meu primeiro estágio, o dono da empresa, na frente de meu pai e de quem era amigo, me chamou de inconsequente e disse que eu deveria amarrar meu pinto para não colocar mais gente no mundo. Meu pai, como muitas vezes, não se manifestou, pois de certa forma partilhava da mesma ideia.

Sinto que na gestação de Betina, Amina sentia-se com vergonha novamente, como se fosse culpada por eu ser demitido um mês antes da Betina nascer, ou que por conta disso eu não pudesse crescer profissionalmente ou fazer o que eu gostaria de fazer. Se dessa vez ela não estava sozinha, como esteve na gravidez de Gustavo, ainda estava insegura e, por falta de orientação, aceitou as recomendações de um médico mais preocupado com a sua agenda do que com o que realmente Amina sentia em seu coração.
Juíza e juízos. Quem sabe o julgo que cada um carrega? Quem pode julgar?

Voltando para a gestação de Tarsila, Amina descobriu os grupos de apoio, como o da Commadre. Ao mesmo tempo, estava em cartaz o filme “O Renascimento do Parto”. Amina já vinha lendo cada vez mais sobre o parto normal, por sentir em seu coração que era o que ela sempre desejou mas que lhe fora roubado duas vezes. Na primeira gestação, ouviu de quem lhe deveria acolher: “Não grite, não chore, não reclame.  O que quer que os médicos ou enfermeiras lhe falarem, obedeça sem reclamar.” Ficou sozinha por 24 horas num hospital, sem familiares, nas mãos de plantonistas das quais nunca soube os nomes, que nunca manifestaram um relação de afeto.

Na gestação de Betina, tinha apenas meu apoio, e confesso minha falha em confiar demasiadamente num médico… Quando Betina tinha apenas 38 semanas na barriga da mãe, o “doutor” anuncia uma situação de urgência para salvar o bebê, e qualquer ideia de um parto normal prometido por tal doutor se esvaiu. Sei que hoje, com o conhecimento que Amina adquiriu, isso não teria acontecido. Cinco anos fazem muita diferença e acredito que Amina se orientou, na época, em muito por uma consulta às fontes “tradicionais”, ou seja, os médicos.

Visitamos a Commadre e conhecemos o grupo que se reúne todas as quartas. Primeiramente dissemos que queríamos muito um parto normal, hospitalar. Marcamos mais um dia e conversamos com a Karina, que nos recebeu em sua cadeira de balanço, com muito carinho, atenção e respeito, algo que nunca tivemos no distanciamento sempre frio dos médicos.

Karina nos indicou 3 opções de médicas. A primeira que visitamos era na Vila Mariana, próxima de nossa casa na Aclimação. Um casinha de vila aparentemente aconchegante, uma médica com um nome bem familiar aos nossos ouvidos, de pés descalços. Parecia que seríamos finalmente acolhidos.

Foi a experiência mais traumática em toda a gestação. Nunca choramos tanto ao sair de um consultório. Frases do tipo: “Você está querendo entrar numa moda”, “Com essas duas cesáreas anteriores seu parto normal é de alto risco, eu não faço isso”, “Você tem que me convencer que é isso que você quer, eu estarei muito ocupada em janeiro e fevereiro, e nessa época terei já um parto de duas cesáreas anteriores num sítio de
uma paciente
”.

Quantas vezes uma médica dita humanizada, de pés descalços precisa perguntar para uma mãe que teve dois partos roubados que ela precisa convencê-la? Quantas vezes uma médica precisa dizer que as cesáreas anteriores dessa mãe são de alto risco, mas que da paciente dela de longa data ela atenderia no sítio? Quantas vezes ela precisa falar que essa mãe está querendo entrar na moda? Basta uma vez para incomodar, só uma. Toda uma história de vida, de humilhações, de abusos, de violências contra a condição de mãe, de mulher que minha esposa viveu foram rememoradas por esta médica de nome familiar. Choramos muito, e com toda a nossa educação não saímos da sala e a deixamos falando sozinha. Não houve aconchego, não houve carinho.

Por que uma mulher nega a outra a possibilidade de ser mulher? Por que?
Por que uma mulher se transveste de humanizada e questiona o desejo de outra mulher, um desejo de 17 anos, um desejo de uma vida inteira? Por que fazer isso?
Por que uma mulher se nega a ouvir o que outra mulher já sofreu? Será que a nossa simplicidade honesta, será que a falta de uma casa no campo não a convenceu? Por que essa médica não me olhou nos olhos, não me fez ser parte daquele momento? 
Compreendo a sua agenda lotada, mas me diga isso, não me diga que minha esposa não pode tentar exercer seu direito feminino de ter um filho ou filha de modo normal. Entendo a falta de tempo, não entendo a falta de amor, compreensão, carinho. Popularizar o que é certo é moda? Então, pela concepção dessa médica, quem pode ter um filho ou filha da forma normal sem ser considerada como “modista”? Algo mais me assombra: profissionais de saúde não deveriam lutar para que as “modas” que são em prol da saúde sejam cada vez mais difundidas? Cada vez mais me lembro de “A Revolução dos Bichos” onde todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.
Choramos muito naquele dia e voltamos para a Commadre, conversamos com Karina. O afeto nos acolheu. Caiu a ficha. O parto é nosso. Ficou claro que estávamos na contramão, estávamos indo atrás de gente que mantém um sistema, sendo que queríamos ser contra o sistema.
Memórias voltam, estão nas ruas, estão em tudo.

Lembrando do passado novamente, Amina era uma punk que usava corrente no pescoço, defendia o feminismo e distribuía fanzines na adolescência. Na minha adolescência eu escrevia poesias e participava de grupos em defesa do meio-ambiente. Sempre tivemos um pé fora do padrão.
O médico que acompanhou Amina em sua primeira gestação mora no mesmo condomínio em que hoje moramos. Ele não esteve no nascimento de Gustavo, e nem estaria no de Tarsila. O hospital em que Gustavo nasceu é na mesma rua em que hoje moramos, e não seria lá que Tarsila nasceria.
Eu, você, nós e mais ninguém já é muita gente.

Assumimos naquele dia que o melhor seria o parto em casa, só assim poderíamos dar para a Amina a chance de se sentir uma mulher plenamente satisfeita. Tentar era o nosso objetivo principal. Sabíamos desde o princípio que o mais importante era dar uma chance para a Amina, se tivéssemos de correr a um hospital para uma cesárea, faríamos, mas conscientes de que era uma escolha por não termos mais chance pelo parto normal.

Assumimos assim o parto humanizado domiciliar. Karina e Nathalie as enfermeiras/parteiras, Josi a doula. Fomos na Camila, a médica para backup. Um atendimento diferente, carinhoso, que me pôs junto do que estava acontecendo. Médicos e médicas até então me tratavam como um inseminador que não poderia ver a sua mulher ser examinada, dar a mão a ela ou algo do tipo.

Equipe fechada, bico fechado. Não conversamos ou contamos a mais ninguém de nossas intenções do parto em casa. Sabíamos que a família seria contra. Somente nosso filho mais velho, Gustavo, ficou sabendo. Para Betina apenas sugestionávamos com um “já pensou se a Tarsila nascer em casa?” e ela se animava toda.
Passei a propagar para os amigos e amigas, conhecidos e conhecidas. Defendam o direito da mulher em ser mãe, de escolher o parto que lhe bem entender. Ajudem as mulheres a compreenderem a diferença de um parto natural de uma cesárea.
Caminhamos nessa jornada por semanas.

Perto das 30 semanas, Amina começou a sentir algumas dores. Descobrimos que, pela posição em que ela trabalhava, deveria descansar mais, tomar mais água. Passei a compra
r semanalmente muito coco nos caminhões próximos ao mercado municipal. Estocava mais de 30 cocos e abria-os diariamente, sempre deixando uma jarra de 2 litros para Amina. No final de dezembro ela saiu do emprego.

Viajei para Porto Alegre com Gustavo, uma semana fora, coração preocupado.
Voltei. Passadas as 37 semanas, Tarsila não seria mais considerada prematura.
Ao completar 39 semanas, os alertas ligados, minha empresa fecha um contrato importantíssimo com uma multinacional no interior de São Paulo. Meu sócio, parceiro, amigo e quase irmão Ricardo assume a bronca e me dá toda a oportunidade para estar com minha esposa 24 horas por dia a partir daquele momento.
5 noites, 4 mulheres, 3 horas, 2 irmãos, 1 parto. Memórias não se apagam mas carinhos se eternizam.

No dia 01 de fevereiro, numa noite de sábado, Amina começa a sentir fortes contrações. A cada 10 minutos, a cada 20, a cada hora. Algo sem ritmo, pródromos. Começou o parto do parto.
Amanda, doula que conhecemos na Commadre, foi a primeira a nos visitar no domingo, dia 02. Josi nos visitou na segunda-feira, dia 03, e ficou com Amina o dia inteiro. Dia 04, fomos ao parque, andamos muito. Karina esteve conosco. 
Da noite do dia 01 em diante, Amina não dormia mais, sono inconstante, dores, seu corpo começava a exigir dela muita força, muito energia. A cama passou a ser dela somente, dormia com Betina um pouco e eu colocava minha filha em sua cama. Pra mim restava a rede, o sofá da sala.
Na quarta-feira, dia 05, desconfiados de que a bolsa pudesse ter rompido, e orientados por Karina e Camila, fomos fazer um ultrassom e um cardiotoco no Hospital Santa Joana. Novamente a delicadeza dos médicos, me mandando afastar da minha esposa durante o exame, como se a vagina dela não pudesse ser vista por mim. Algumas vezes acho que os ginecologistas fazem estágio com puristas religiosos que consideram sexo um pecado. Dei um passo para trás e dois passos pra frente quando ele me virou as costas. Dei a mão para Amina. Não largaria dela um minuto.
Cardio perfeito, ultrassom perfeito. Uma leve suspeita de mecônio não confirmada naquele momento. O médico exige internação de Amina. Camila, a médica que acompanhou Amina o tempo todo, informa ao “doutor” que pode liberá-la. Ele não aceita. Tomamos a decisão racional e fugimos do hospital. Perdíamos assim o hospital de backup.
Na mesma quarta-feira, conversamos e achamos que eu poderia voltar ao trabalho na quinta-feira. Não deu certo, Amina me ligou reclamando de muitas dores, voltei correndo. Josi veio até nós, e amparou, tratou, cuidou de Amina. Betina ficou com minha mãe, brincando, indo na piscina. Karina veio e à noite percebemos que tudo estava mais calmo. Decidimos manter Betina na casa da avó, Gustavo ficaria tocando sua guitarra enquanto Amina dormiria na cama dele. Eu voltava para minha rede, para ver a lua.

Aos 30 minutos do dia 07, Amina me acorda com um grito forte, eu a abraço e a partir daquele momento não saí do lado dela. Contrações de 3 e 3 minutos. Uma mulher sem dormir, cansada. Mais 30 minutos e à 1 da manhã liguei para Karina e Josi. 
1:30 da manhã, Josi entra em casa e a bolsa estourou. Antes das 2, Karina e Nathalie estavam conosco. Gustavo enchia a piscina e, após isso, voltou ao seu quarto.
Gustavo tinha medo de que algo acontecesse com a mãe e pediu para que, quando chegasse a hora, não estivesse em casa. Deixou de ser adolescente e virou homem, ficando o tempo todo conosco em seu quarto, esperando a irmã nascer.
Começava a fase de contrações sem folga. Amina cansada. Às 5:30, ainda com 9 cm de dilatação. Nathalie ajudou e Amina conseguiu os 10 cm.
Começa o expulsivo. Amina cansada, andando pela casa toda, tenta de todas as posições, mas falta um pouco.

Não é um único parto, são 3. 

Tarsila tem que trazer Gustavo, tem que trazer um parto em silêncio, um parto tido como vergonha para a mãe (segundo uma tia) e um parto que deveria ser um aborto, (segundo um tio). Tarsila tinha que trazer um parto de 17 anos atrás onde um médico inexperiente precisou picar 17 vezes a coluna de Amina para aplicar uma anestesia. Tarsila não sabe quem fez o parto de Amina, ninguém sabe. O anonimato dos plantonistas não nos permite isso.

Tarsila tinha que trazer ainda Betina. Que não teve a chance de chegar nas 40 semanas… Betina teve que nascer antes do dias dos pais, pois o médico que acompanhava Amina também era pai, e ele não poderia correr o risco de perder seu almoço em família. Tarsila tinha que trazer a irmã mais velha, que significou uma segunda cesárea que colocaria fim  a qualquer possibilidade de um parto normal, segundo o senso comum dos médicos. 

Tarsila tinha que trazer Betina e Gustavo. Tin
ha que trazer Amina. Não deve ser fácil para um bebê trazer tanta gente assim.
Amina nasceu de cesárea. Quando sua mãe estava grávida, por medo, optou por uma cesárea. Medo não do parto, medo do marido.
Tarsila tinha que ter muita coragem, ela estava com a mãe, mas precisava de ajuda, uma ajuda de carinho, de afeto.
Karina sabia disso.

3 horas depois, às 8:25 da manhã, Tarsila nasceu. 

O ser humano é um ser social. Um parto não pode ser solitário, ele pode ser social também.
Sociedade é viver junto, ajudar o próximo.
Nada é mais humano que 4 mulheres num trabalho em conjunto para um parto, 4 mulheres usando de todas as suas energias, forças, carinhos. Isso é humanidade, isso é sim humanização.
Quando eu era criança escutei que alguns índios choravam na hora do parto, junto com as mulheres, como se sentissem as dores de suas parceiras. Mais natural, humano, que isso não há.
O nascimento de Tarsila precisava disso.

Amina estava na porta de casa, posicionando sua filha para que nascesse para dentro de casa, para que pudesse ver os quartos, a sala. Amina finalmente trouxe a família para dentro de casa. Tarsila nasceu da porta pra dentro. Tarsila trouxe o que Amina sonhava, uma família sua. Tarsila nasceu fechando um ciclo de dor, de frustrações. Tarsila nasceu com a luz do sol de um dos dias mais quentes da história de São Paulo. Tarsila trouxe o calor da família para dentro de casa.
Tarsila nasceu com a ajuda de quem estendeu as mãos para uma desconhecida. Amina era uma desconhecida de Karina até 20 ou 30 semanas antes.

Tarsila nasceu, com a ajuda de mulheres. 

Gustavo saiu de seu quarto, pode beijar sua irmã, que estava no colo da mãe. Gustavo nasceu ali também, vi o nascimento de meu filho mais velho, vi nascer o homem Gustavo. Vi Gustavo ir fazer um suco de manga para a mãe, que ninava seus três filhos no colo.
Tarsila não foi picada, Tarsila não ficou longe da mãe, do irmão, da irmã e do pai. Doutor Jairo veio, de novo no mesmo dia, brincou com ela. Karina veio e pode abraça-la. Josi veio e pode vê-la.
Tarsila estava lá, provando que humanizar é ter pessoas boas ao teu lado. Humanizar é ser solidário. Humanizar é viver junto.
Humanos se reconhecem por nomes

Nomes importantes devem ser ditos, nomes tem significados.
Gustavo, em germânico é bastão de combate.
Betina, é uma derivação de uma palavra hebraica que significa proteção, abrigo.
Tarsila é teutônico, significa corajosa.
Meu nome é Luiz, significa guerreiro.
Amina, é árabe, mulher de fé.
Minha mulher nunca perdeu a fé. Nunca desistiu de sua luta por ser mãe de 3 filhos. De querer ter um parto normal, natural ou seja lá como falam. Minha mulher tinha fé que sua filha ia nascer como devem nascer as crianças.

Minha mulher perguntou como eu descreveria o parto. Assim eu respondo:
Seu parto foi lindo. Foram 3 partos de uma vez só. Nasceu Gustavo, Betina e Tarsila.
Seu parto foi humanizado, pois houve carinho, amor, compreensão, com a ajuda de gente que sabe ajudar, por pessoas que a respeitaram, que foram atenciosas, carinhosas.
Amina provou pra quem quisesse que não estava nessa por moda, e sim por amor. Provou pro médico que não queria correr riscos de perder seu final de semana que partos normais poder acontecer depois de 2 cesáreas.

Amina está cada dia mais linda, sou cada dia mais apaixonado por esta mulher.

Tarsila está forte, mamando, indo no colo do irmão, da irmã. 
Tarsila levou a sua primeira, e única, picada somente no dia 13 de fevereiro, num exame do pezinho. Não chorou, estava mamando na mãe.

Seu parto significa que há sim como fugir das mãos truculentas dos médicos de hospitais

que praticam um fórceps quase que com um prazer orgástico. Seu parto serve para mostrar que desconforto respiratório existe, mas pode ser tratado de forma humanizada. Seu parto serve para mostrar que sim, estudar, se conhecer, se preparar ainda é a melhor arma contra a estupidez daqueles que se julgam acima do bem e do mal. Seu parto não foi uma violência contra a mulher, seu parto foi longo, seu parto foi feito pelas mãos de pessoas que te respeitaram, te amaram. Seu parto foi único, foi de três crianças, de uma mãe que ficou silenciada aos 16 anos. Seu parto deve ser contado para que outras mulheres não esperem passar por 2 cesáreas desnecessárias para descobrir o que é um parto vaginal.

Se me perguntam, respondo. Sim, o nascimento de Tarsila foi um parto em casa, com muito amor, com muito respeito, com muita força, com muita coragem. Não sei se foi normal, natural ou humanizado. Foi vaginal, foi redentor. E pouco me importa se há quem acha que isso não é o que deve ser. Tarsila não liga, ela dorme no grande berço de meu quarto, onde dormimos os cinco, na mesma cama compartilhada. 

Confesso que às vezes eu volto pra rede, pra ver a lua, as estrelas, pra agradecer…



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