Esse é o texto onde conto como soube que seria mãe…
É um texto grande. Não poderia deixar de ser.
 

Na semana passada, eu e meu namorado resolvemos alugar uma casa para irmos morar juntos. Eu saí numa quarta-feira com muita paciência, porque alugar casa em Florianópolis no final do ano, início de alta temporada, não é tarefa das mais fáceis… Fui pra Lagoa. Gostei da terceira casa que vi. Amarela. Linda. Liguei pra proprietária, ela veio em meia hora, olhei a casa, apaixonei, liguei pro namorado, ele viu a casa, apaixonou, fechamos negócio. Assim, bem simples… Olhamos, gostamos.
Isso quarta-feira, 18 de novembro.

Sábado, 21 de novembro.

Ficamos trabalhando até três e pouco da madrugada. Ele fazendo ilustrações (ele é jornalista, ilustrador e chargista) e eu corrigindo provas, umas oitenta (sou bióloga, doutora em Farmacologia e professora de Fisiologia). Com toda essa energia e agitação que me é peculiar, levantei rápido demais e quase caí. O mundo rodou e eu quase desmaiei. Isso não acontece nunca…
Ele me olhou com uma cara de "Humm, sei…". E eu comecei a achar estranho… Não tenho pitis facilmente (os físicos, pelo menos).

Segunda, 23 de novembro.

Faz um mês que sou doutora. Coisas que só a vida explica… Médico logo cedo. "Tô com alguma coisa. Não tô normal. Será que tô doente?" O médico (excelente médico) perguntou os sintomas e eu: "Tontura. Mas como tenho labirintite, pode ser isso". E o médico: "Olha, cansei de ver médico tratar mulher da labirintite e a labirintite nascer dali a 9 meses. Algum outro sintoma, como enjôo, mal estar, dor nos seios?" Eu: "Nada. Só essa tonturinha que deu no fim de semana. Mais nada". Médico: "Bom, então vamos pedir alguns exames pra saber a causa da sua tontura. TSH (hormônio estimulante da tireóide), hemograma pra ver anemia, glicemia pra ver hipo ou hiperglicemia e o HCG, pra ver a possibilidade de gravidez".
Ali mesmo coletei sangue.
Resultados liberados pela internet após as 17 horas.
Ok.
Comecei a suar frio. Anota aí.

Segunda, 23 de novembro.

14 horas. Tô eu colada no computador tentando ver o resultado. E claro que ele ainda não estava lá, né? F5 a cada minuto e meio, vai imaginando… A louca. 15 horas. Sai o da glicemia. Glicose sob controle. Eu rezando pra que fosse uma diabetes descontrolada (mentira…). 16 horas. TSH e HCG constam como "prontos". Taquicardia e sudorese… Abre a página. TSH, tudo normal. Ai meu cacete, tá dando tudo normal… Falta um só, falta apenas um. Ai JesusMariaJosé, ai Santo Antonio. Ai São Judas Tadeu. Ai Iemanjá, Iansã, Ogum, ai todo o sincretismo religioso do universo. Dosagem de HCG: dosagem inferior a 5 mUI/ml significa negativo. Acima, significa positivo (foram essas informações que eu li primeiro).
Resultado: 658,8 – POSITIVO.


Agora imagine uma pessoa paralisada. Catatônica. Imóvel na frente do computador, com cara de que entrou numa história de novela. Sem entender absolutamente nada e achando que era pegadinha. Levanto da cadeira em pânico. PÂ-NI-CO. Começo a andar pela sala de um lado pro outro, tremedendo, chorando.
Desespero. Sozinha em casa, tendo que administrar uma notícia dessa, meu Deus… Quero fumar. Não posso mais fumar! E aí vem o choro… Uma avalanche dele. Começo a tremer de uma maneira como nunca tremi antes. Senti a maior solidão que já senti. E então lembrei que não estava mais sozinha… Para sempre, eu não estaria mais sozinha… 
Peguei o telefone e liguei para Van, minha querida amiga. Van atende. E eu chorando. E a Van: "Amiga? Que foi?! Calma, não tô entendendo. Calma, respira. O que foi, pelamordedeus?!". E eu chorando. Um choro sentido. Um choro fundo. Aquele choro que finaliza uma vida e te prepara para outra que vai começar. Um choro de limpeza de alma. Um choro CHORO mesmo. "Tá grávida?! É isso?!". E eu quase me matando de chorar…
"Ahhhh, minha amiga. Tenha calma… Parabéns! Que notícia linda! Calma… vai dar tudo certo" – e do resto da conversa eu não me lembro mais.
Desliguei o telefone. Peguei no telefone de novo: minha irmã, preciso falar com ela. Lenita, minha irmã caçula: "Oi irmã!". E eu chorando. "Ai meu Deus! Deu positivo?!". E eu descabelando de chorar. Não sei se você assistiu àquele filme "Alguém tem que ceder", mas eu era a própria protagonista do filme quando toma um pé na bunda e escreve chorando. Chorando bem dramática, tipo "vou morreeeeeer". Vexame. "EU VOU SER TIA! EU VOU SER TIA!" – sai minha irmã gritando de alegria, contando pra quem estava perto, largando a mim no telefone, comemorando. E do resto da conversa eu também não me lembro mais.

Só me lembro de pensar em como seria a melhor forma de dar essa notícia pro namorado-pai. Eu simplesmente não sabia como dar a notícia… Muito menos como seria a reação. Pânico de novo. Acho que o maior medo que senti na vida. Daquela reação, muita coisa poderia acontecer em três vidas. Eu podia seguir sozinha com o bebê. Ou eu poderia voltar a ser só eu. Ou podíamos ser três construindo juntos. Meio que sem pensar, entrei no MSN e o vi online. Não ia dar uma notícia dessa por ali, né? Mas precisava chamá-lo em casa. "Tô passando mal, me socorre?". E ele: "Calma que eu tô indo". 10 minutos. Ele chega. Abro a porta com cara de que não tô passando mal coisa nenhuma, mas com os olhos arregalados de quem tomou um choque, e vermelhos de chorar.
Ele pergunta: "Que foi?!"
…silêncio…
"Que foi amor?". Faz uma pausa. ………… E dispara: "TÁ GRÁVIDA!"
Aí começou a choradeira de novo…
Ele faz aquela cara de assustado mas, em menos de um segundo, abre os braços na porta do apartamento, sorri e diz: "PARABÉNS MEU AMOR, ME DÁ UM ABRAÇO!".


Ééééé…
Mesmo sendo um momento altamente inesperado, foi melhor do que eu sempre imaginei que fosse… Todo mundo que me ama recebeu a notícia com amor, afeto, carinho, me acolhendo. Reagiram melhor que eu mesma.
E só sei que foi assim.
Foi assim que descobri, em 23 de novembro, que… EU ESTOU GRÁVIDA!

Eu, GRÁVIDA. Estou.
E desde segunda-feira tenho estado num redemoinho confuso de sentimentos. Muito medo, mas muito medo mesmo. De muita coisa. Em três áreas diferentes: como será agora sendo mãe? Como será agora profissionalmente? Como será agora com meu namorado? É uma puta notícia boa. Poxa… Tenho 31 anos e vou ter um filho. Mas tô em pânico. Muito confusa. Se uma gravidez planejada já deixa uma mulher meio atrapalhada, imagina uma gravidez não planejada fruto de um namoro recém-começado?!

Na própria segunda-feira a noite, após sabermos que seríamos pais, após eu chorar durante umas 4 horas consecutivas, parecendo uma insana, chorando e rindo, rindo e chorando, fomos até a Praia da Joaquina. Lavamos os pés na água do mar e pedimos todas as bênçãos que Iemanjá e todos os santos e orixás poderiam nos dar, a nós dois e ao bebê, esse minúsculo montinho de células que estava se multiplicando em velocidade intensa. Que loucura…
Desde então, tenho alternado momentos de desespero com momentos de alegria. Momentos de sentimento de que vai dar tudo certo, com momentos de pensamentos catastróficos. Acho que é natural. Muita mudança e muita surpresa. Estou muito atrapalhada. Muitos tipos de medo: medinhos fúteis e medões pra valer mesmo, coisas como o medo de que o bebê não nasça com saúde. Medo de que ele sinta o medo que eu tô sentindo… Medo de não dar conta.
Medo de ser mãe.
Mas quando penso que vai dar tudo certo – porque é o que eu realmente acho, bem no fundo da alma – e que eu vou ter um filho ou uma filha, fica tudo bem e o medo passa. Suspeito que terei que me adaptar a sentir medo: agora, sou dois em um.
Daqui a pouco o medo volta, mas a alegria volta junto. E no duelo de forças, a alegria sempre vence. Porque na minha vida, ela sempre venceu.

Quinta-feira, 26 de novembro.

Acordei doida. Enlouquecida.
"Não tô grávida! Deu errado esse exame. Imagine! Só é considerado positivo mesmo acima de 1000 e eu tô com 600 e pouco. Deve ter alguma coisa errada. Vou fazer esse exame de novo…"
Ele rindo de mim: "Tá, amor. Vamos fazer outro. Mas vai dar positivo de novo". "Não tem problema. Vou fazer de novo". Eu disse que tinha acordado doida…
Tirei sangue de novo.
E no fim da tarde, positivo de novo. Grávida mesmo.
E o conflito só aumentando: "Mas e agora? O que eu sou agora? Eu sou uma mãe ou sou uma doutora? Eu monto um quarto de bebê ou monto um escritório? Eu leio a minha tese que eu preciso terminar de corrigir ou leio um livro sobre gestação? Eu faço as unhas ou passo creme e óleo e tudo-o-que-for-possível-na-face-dessa-terra na barriga enquanto leio sobre gravidez?"
… e assim tem sido os meus dias…
Junta o conflito natural de uma pessoa com a avalanche, o tsunami, o dilúvio hormonal e tenha uma visão aproximada do apocalipse. Eu estava pronta pra quase tudo. Mas não estava pronta para uma gravidez. Mas, também, isso não diz nada sobre coisa alguma, porque afinal de contas, ninguém está realmente pronto para uma gravidez. Eu não sei, mas desconfio que isso seja algo que se aprende fazendo…

Semana que vem temos a primeira consulta pré-natal e o primeiro ultrassom. Dizem que dá pra ouvir o coraçãozinho já, mas eu só vou acreditar quando ouvir. Estou muito ansiosa por esse dia. Talvez consiga me sentir realmente mãe depois disso. Outro coração dentro de mim… É até meio brega, mas é assim, não é?

Na quinta-feira eu fui na livraria e comprei o melhor livro que tinha sobre gravidez – na opinião de quem me vendeu. Tô devorando o pobre. Pobre mesmo, porque é uma droga. Pelas contas da médica que consultei de emergência na quarta-feira, estou grávida de 5 semanas. Pelo livro, com 5 semanas o bebê tem cerca de 1,25 mm. Eu compro um livro sobre gestação, esperando que ele me ajude a diminuir o medo-pânico-susto-vouterumxilique, que me diga palavras positivas de incentivo, que me diga o que é mais importante de tudo numa gravidez, o que eu preciso realmente valorizar, o que posso fazer para me conectar ao meu bebê, a ser uma grávida bacana pra ele e tals, e o bosta me vem com "massa redonda de células". Coisa grotesca… Mas ainda assim, tô lendo. Tô lendo pra passar a angústia, pra entender o que está acontecendo, pra me convencer, eu acho… Logo descubro outros…

Bom, também pelo livro, existe uma tabela com a data aproximada do parto. Essa tabela calcula a data provável do parto com base no DUM, data de início da sua última menstruação. E aí veio mais uma surpresa: pela data de início da minha última menstruação, a data provável do parto é dia 27 DE JULHO DE 2010! 27 de julho… MEU ANIVERSÁRIO. Pááá, tá lá no chão até agora a minha cara. Que loucura… Que certeira… Que pontaria. Mesmo que meu bebê não nasça nesse dia, já sei que será leãozinho como a mãe dele.
Estou chorando emocionada…
Sabe… Antigamente, brincando, eu sempre dizia que queria ter um filho leonino. Mas coitado desse pai… Nessa casa serão dois leões e um sobrevivente. Fato.

Nós passamos a semana falando de nomes possíveis. Sim, já. Eu sei, ridículo. Com tanta coisa pra pensar. Mas é que é inevitável pensar nisso. Já temos algumas opções, que ainda serão discutidas. Mesmo porque tem uns 7 meses ainda pela frente… Mas o sobrenome dele já está decidido: os dois sobrenomes de cada um de nós – ninguém abre mão de nenhum deles. Queremos que nosso bebê saiba sempre suas origens: pai, mãe, avós.

No começo da semana, logo que ele soube da notícia, escreveu uma cartinha pro bebê-filhote, a coisa mais linda… Então agora é minha vez. Porque agora eu vou até o fim no meu direito de ser brega, quero tudo.

"Oi bebê, que não sei se é filho ou filha…
A mamãe está muito feliz.
Mas você deve estar percebendo que estou com medo. Acostume-se. Eu, sua mãe, sou muito medrosa. Faço-me de forte pra esconder o medo, mas choro com facilidade – como você tem sentido – e tenho medo de muitas coisas. Mas olha, bebê, a mamãe não paralisa diante do medo. Eu vou pra cima, vou pra frente. Estou com medo porque quero te dar tudo e mais um pouco e quero as condições pra isso. Estou  muito feliz com sua chegada. E já estou preparando tudo. Primeiro, estou preparando as coisas aí dentro pra você: comendo direitinho, cuidando muito da minha alimentação, o que, considerando de quem estou falando, já é uma dádiva e uma prova de amor… Parei de tomar café e qualquer coisa estimulante. E parei de fumar, tá? Parei. Quero parar pra sempre – mal fiquei grávida e já me toquei que filho muda mesmo a vida da pessoa. Não vou te colocar em risco, bebê. Te quero forte e saudável.
Sabe… eu já te amo. É, foi instantâneo. Pá, pronto, amei. Muito.
Não vou mais tomar nem um golinho de cerveja, nada nada nada – mais uma prova de amor, porque sua mãe é cervejeira. Mesmo que esteja verãozão aqui em Floripa, que esteja todo mundo na praia e que os amigos da mamãe e do papai sejam todos cervejeiros. Vou resistir sempre, porque só quero o melhor pra você, que vai ser uma pessoinha bem bacana.
Você tem pais muito bacanas. Somos divertidos, bem-humorados e gostamos de coisas legais. O papai toca violão e vai tocar muito pra você… Bom, eu no momento não toco nada, mas sou cheia de ideias, vamos aprontar muito juntos. Ou juntas. Sinto que temos boas coisas nos esperando…
Já estamos fazendo tudo e mudando tudo para que sua estada aqui na minha barriga seja tranquila e saudável e para que sua chegada seja alegre, amorosa, pacífica.
Você nem nasceu e já mudou tudo. Leãozinho, acostume-se…
Olha, bebÇe, fique bem aí, tá? Não tenha pressa. Aproveite o tempo que tem pra se desenvolver bem e vir forte. O mundo aqui fora é meio estranho, você vai ver. Mas você vai ser sempre cercado de amor por todos os lados.
Prometo estar sempre do seu lado e lutar por você em todas as situações. Serei uma mãe atenta, parceira e muito amorosa. Não te desrespeitarei, não te machucarei. Prometo. Tornar-me-ei muito melhor do que sou para ser uma mãe legal. E usarei verbos nesse tempo verbal estranhíssimo…
Estamos todos felizes com a sua chegada. O vovô Lau já até desistiu de ir pra longe pra ficar perto de você (ele disse que tem umas músicas que ele quer te mostrar, para que você goste do bom e velho rock and roll como a mamãe gosta). O vovô Celso e a Tia Ane ainda não sabem que você está vindo, o papai vai contar pra eles essa semana. A Tia Lenita está muito feliz pela sua chegada, porque desse lado da família você será o primeiro bebê (a gente vem de uma sequência de perdas, mas agora você está chegando e isso compensa tudo). A vovó Célia já sabe também que você está vindo, aliás, ela deve estar com você agora, te preparando. A Bisa Alice ficou desesperada quando soube da sua chegada, porque ela acha que a mamãe é meio maluca. Você vai ver que a mamãe é meio maluca mesmo, mas é isso que me faz legal. E irei SEMPRE cuidar muito bem de você. O Biso Cesário com certeza também já sabe. Ele deve estar aí do seu ladinho também. Agarra muito ele pra mim, bebê, antes de você chegar nesse mundo. Pede umas dicas, porque ele sabe muito sobre tudo. O Tio Mano e a Tia Mara também devem estar te ajudando na preparação: aproveita! Você tem aí do lado gente que a gente daria tudo pra que estivesse aqui do nosso. Eles são incríves, bebê, e nos fazem muita falta… A vovó Fátima… Bem… Ela eu ainda não sei realmente o que está pensando… Mas meu coração diz que ela está feliz. Depois de um tempo muito longo, você foi o motivo de termos nos falado novamente. Você já trouxe amor. O meu amor por ela e o dela por mim.

Bom, é isso. Vou te escrever sempre, vê se olha sua caixa de e-mails. Qualquer dúvida, é só mandar a pergunta que a mamãe sente e rápido te responde.
Agora, papo muito sério, meu amor.
Obrigada por estar vindo… Obrigada por ter me escolhido como sua mãe.
Essa foi a maior prova de amor que já recebi de alguém: ser escolhida para cuidar de alguém por toda minha vida. Você acreditou em mim mais do que qualquer outra pessoa jamais acreditou. Acreditou que posso ser uma boa mãe, que posso estar ao seu lado e te criar com amor e afeto. Você está me ensinando – a mim, que sou bióloga – que a vida é mesmo linda. 

Eu ainda não sei nada sobre como será tudo. Mas prometo que vou aprender. Afinal, eu gosto disso.
Aprender.
Obrigada por ter vindo.
Foi de surpresa.
Mas que surpresa tão especial…
A partir de agora, eu prometo: em todas as minhas decisões, é em você que pensarei primeiro.

Quando pensei em te escrever, me veio à mente uma única imagem, que vi em uma animação da Disney. Eu sou leonina e você será também. Sou guerreira como uma leoa. E te defenderei sempre mais do que a mim mesma. Estou feliz e orgulhosa porque agora somos parceiros para sempre. Conte comigo. Sou sua mãe.
Eu te amo. Um amor que eu não sabia que existia… Pode vir, bebê, que agora estou te esperando. 
Agora sou uma mãe.
E pra sempre serei. Uma boa mãe. Embora eu ainda não saiba o que é isso…

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