Você ensina sua menina a ter “modos de menina“?
Você ensina seu menino a brincar de “brincadeiras de menino” e a se “portar como um homenzinho“? 
Você acredita quer há brincadeiras de meninas e brincadeiras de meninos?
Você acha que às meninas estão reservadas as bonecas e panelinhas e, aos meninos, carrinhos e armas?
Você compra de empresas que valorizam o sexismo na infância?
Você acha que devemos educar meninas diferente da maneira como educamos meninos?
Você estimula a adultização e sexualização precoce das crianças?
O fato de seu filho preferir a She-Ha ao He-Man é, para você, motivo de preocupação?
Preocupa-se com o quão másculo é o comportamento de seu filho?
Faz questão de excluir do enxoval da sua filha a cor azul? Ou do seu filho a cor rosa? Porque, afinal, é desde cedo que se ensina a diferença entre meninas e meninos?
Você diz que está passando de consumidor para fornecedor quando sabe que será pai de uma menina?
Ou cria seu filho para ser um “pegador”? Ou faz piadinhas como “Esse vai pegar muito…”?
Ou impede que seu filho faça as tarefas domésticas enquanto exige isso de sua filha?
Você seria incapaz de matricular seu filho na aula de dança e sua filha no futebol, a fim de que aprendam suas diferenças “inatas”?

65% dos brasileiros acham que mulher que usa roupa que mostra o corpo merece ser atacada (essa foi a frase usada, nem mais, nem menos). Você deve ter lido isso na semana que passou. Faz parte dos resultados de uma pesquisa realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). 
Sobre isso, o relatório afirma:

“Por trás da afirmação, está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres, que os provocam, é que deveriam saber se comportar, e não os estupradores. A violência parece surgir, aqui, também, como uma correção. A mulher merece e deve ser estuprada para aprender a se comportar. O acesso dos homens aos corpos das mulheres é livre se elas não impuserem barreiras, como se comportar e se vestir “adequadamente”. 

Tão chocante quanto é saber que a maior parte das pessoas que pensam isso são… mulheres. Mulheres acham que mulheres merecem ser estupradas. Mulheres culpam a si próprias pelo estupro que sofrem ou podem vir a sofrer. São gerações de culpabilização e esmagamento da mulher por um sistema patriarcal violento, fazendo com que mulheres aceitem a violência sofrida e culpabilizem as próprias mulheres…
“Se as mulheres soubessem como se comportar haveria menos estupros”. Mais da metade dos entrevistados também acredita nisso.
“Casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família”. Mais de 60% concorda com essa frase, bem como quase 90% acha que “roupa suja deve ser lavada em casa” e mais de 80% acha que “em briga de marido e mulher não se mete a colher“.
Sim. A maioria da população brasileira também mantém a visão da família como sendo uma unidade patriarcal.
64% dos entrevistados concordam total ou parcialmente com a ideia de que “o homem deve ser a cabeça do lar
Quase 80% apresenta uma visão bastante estereotipada de mulher, concordando com a ideia de que “toda mulher sonha em se casar” – o que significa dizer que a mulher somente alcançaria a plenitude através de um homem. Católicos concordam 1,5 vez a mais com essa afirmação. Evangélicos concordam 1,8 vez a mais. 
Mais ainda.
60% concorda com a ideia de que “uma mulher só se sente realizada quando tem filhos“. Está no relatório do Ipea:

“O modelo é androcêntrico e heteronormativo: coloca o homem e o masculino como referência em todos os espaços sociais. O universal, o neutro é masculino; e o homem que deve deter o poder – de decisão, de mando, de recursos e sobre o corpo e a mente da mulher. A união entre pessoas do mesmo sexo aparece, portanto, como uma subversão em que homens ocupam lugares de mulheres. A adesão estrita ao modelo dá azo à homofobia, e assim, a rejeição à homossexualidade é esperada”.

41% concorda total ou parcialmente com a ideia de que “a mulher casada deve satisfazer o marido na cama, mesmo quando não tem vontade“. Também neste caso, a religião tem papel importante: evangélicos tem 1,3 vez mais chance de concordar com essa afirmação. 
Mais de 50% concorda, em maior ou menor grau, com a afirmação “tem mulher que é pra casar, tem mulher que é pra cama” – ideia machista cultivada na mais tenra infância
Isso tudo me chocou muito. Choca muito. Deve chocar. 
Choca, entristece, consterna e preocupa. Saber que milhares de pessoas aceitam e cultivam a ideia de que, sim, a mulher é um ser inferior, que deve se subjugar, ser subserviente, ser usada, ser violentada, ser secundária, é realmente consternador.
A você, que é mãe, pai, cuidador, que cria e educa crianças em meio a essa realidade, permeada por essas crenças, eu pergunto: qual a parte que te cabe nesse latifúndio? Qual a sua participação enquanto cidadão formador de novos cidadãos na manutenção – parcial ou total – de tais valores e crenças? Quanto a forma como você cria e educa contribui para que meninos e meninas cresçam achando que mulher que está de saia ou decote está “pedindo” para ser estuprada? Quanto a forma como você educa contribui para o respeito às lib
erdades individuais e à autonomia? Quanto de sexista há na sua forma de educar? 
Eu poderia incluir muitas outras perguntas às que abrem esse post. Mas aquelas me bastam para dizer que, se você respondeu “sim” (ou ficou em dúvida) a qualquer uma dessas questões, você faz parte, em maior ou menor grau, dessa grande parcela da população que acredita que a violência sofrida pela mulher é culpa dela.
Se achou que “ah, mas não é bem assim…” em algum dos casos, você também está nos 65%.
Basta que conheça os dados das pesquisas que mostram a relação entre sexismo, infância, machismo e violência contra a mulher. E que saiba que sexismo na infância é a porta de entrada para a aceitação e naturalização da violência contra a mulher na idade adulta.
Não há contemporização. Não há meio termo. Não há “vamos ser moderados“.
Não há.
É por achar que há, que chegamos a esse número alarmante de 65% considerarem mulheres merecedoras de uma das formas mais extremas de violência.
Ou você se posiciona contra a violência ou está a favor dela. 
E quando nos tornamos pais, mães e cuidadores, nosso papel na formação dessa consciência crítica (ou acrítica) se intensifica.
#NãoMerecemosSerEstupradas #EuNãoMereçoSerEstuprada #NinguémMerece
Eu faço parte dos 35% dos brasileiros que sabem que a causa de um estupro é uma só: um homem que decidiu estuprar. E pensar assim não representa, para mim, nenhum tipo de orgulho. É o mínimo que se pode esperar de alguém que reconhece o outro como detentor de direitos a serem respeitados. O mínimo!
E se você não está nesses 35%, preciso que você saiba: nós não estamos do mesmo lado. 
E é o seu lado que eu combato.

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