É preciso uma aldeia para educar uma criança“.
Com essa frase, Andréia encerra o relato da sua história, que está publicada abaixo.
Estou muito emocionada com a participação dela nessa seção do blog, por inúmeros motivos.
Andréia é uma querida amiga com quem tenho a honra de me relacionar há alguns anos – poucos, já que são poucos também os anos da minha experiência como mãe.
Meu relacionamento com ela, embora restrito ao mundo (nada) virtual – já que ela mora nos Estados Unidos e eu aqui no Brasil – começou ainda na minha gravidez e foi se estreitando.
Até que um dia eu recebi a visita de um amigo de longuíssima data, um dos meus “padrinhos” de faculdade, criador do apelido que me acompanha (felizmente) até hoje, que, em função da forma de maternar que me interessava e dos meus novos interesses, me disse: “Você precisa conhecer uma das minhas melhores amigas, que hoje mora fora do país, a Andréia”.
Mas eu já a conhecia…
Andréia e eu temos vários, vários, pontos em comum.
Mas acredito que um dos principais seja a crença na frase que transcrevi ali no início e no fato de que as crianças precisam de respeito e amparo, sempre.
Andréia é uma mulher admirável, que tenho a alegria de ter como amiga e que me ajudou incontáveis vezes com sua forma clara, objetiva, carinhosa e científica-intuitiva-afetuosa de se expressar.
Científica-intuitiva-afetuosa: essa é a minha aldeia.

Dra. Andreia Mortensen – uma cientista que virou mãe.

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Por Andréia C. K. (Fontana) Mortensen
Pois é, meu sobrenome real, que está no meu passaporte, é Mortensen, que adotei ao me casar com um cientista que virou pai;) Mas como hoje vamos falar também da cientista, coloquei entre parênteses meu sobrenome de solteira, Fontana, o qual uso nas publicações científicas e continuei usando após o casamento para padronização.
Por volta dos meus 15-16 anos, após um belo dilema se seguiria uma carreira artística (em música, especificamente piano, que estudei por 10 anos e me formei em curso técnico inclusive), ou biológica (minha paixão e fascinação escolar desde sempre), decidi pela segunda carreira.
Assim, fiz faculdade de Ciências Biológicas na Unesp em Rio Claro, e como o curso (bacharelado) exigia um estágio científico e monografia, no segundo ano fui procurar um laboratório para estagiar. Tinha em mente algo em genética, mas a professora que pedi estágio não pôde me aceitar pois seu laboratório estava lotado. Resolvi então procurar outro e me encantei pelo mundo dos venenos animais. Assim segui, caracterizando venenos de aranha e entendendo que essas misturas continham substâncias que não somente serviam como ferramentas para entender várias estruturas do Sistema nervoso Central de Mamíferos, mas também poderiam serviam como base para medicamentos de doenças/condições neurológicas.
E assim inicia-se minha carreira como neurocientista. Fiz mestrado e doutorado em Bioquímica (especificamente na área de Neuroquímica) na USP em Ribeirão Preto, continuando a estudar esses coquetéis químicos tão fascinantes e comecei a me interessar mais por transportadores de neurotransmissores, proteínas responsáveis por transportar os neurotransmissores (como glutamato, GABA, serotonina, dopamina, noradrelina e outros) para dentro das células, como meio de terminar sua ação, que é de transmitir mensagens para outras células nervosas. Esses anos foram muito trabalhosos e produtivos, estava sempre no lab, incluíndo finais de semana, sempre escrevendo manuscritos e trabalhos para congressos. 


Eu e colegas coletando térmitas no campus da USP para 
experimentos com veneno de aranha, 1997.


Em meio ao meu doutorado decidir fazer um estágio no exterior para ganhar experiência, aprender outras técnicas, e viver a vida um pouco diferente, por que não? Pedi para uma professora super famosa na área de transportadores, e pensei que ela iria me ignorar, afinal de contas, quem é essa menina brasileira que nunca ouvi falar? Para minha surpresa fui aceita imediatamente, pois achou muito interessante que eu iria trazer um veneno de uma aranha do Cerrado sul-americano para caracterizar em seus modelos. Então consegui uma bolsa e em 2001 segui para esse trabalho (e uma aventura ao mesmo tempo) nos EUA, especificamente em Portland, OR, na costa oeste. Fui com uma mentalidade muito aberta, pois não daria para ser diferente, ao encontrar gente de várias nacionalidades, culturas, outra língua, tudo.

Gostei muito da experiência no lab, fui bem recebida e trabalhei como nunca para dar conta de aprender tudo que tínhamos proposto em 6 meses. Após esse período, tinha que voltar ao Brasil com essa bagagem científica, defender minha tese e achar um emprego em alguma Universidade.
Mas esses planos foram por água abaixo quando conheci um moço dinamarquês que estava lá, nesse mesmo lab, fazendo pós-doutorado, e me apaixonei. Fui correspondida e então, surpreendemente, encontrei amor nessa viagem que deveria ser estritamente profissional.

Voltei ao Brasil no prazo combinado e passei alguns meses terminando minha tese, e sentindo muita tristeza e saudades do amor que tinha deixado para trás.
No entanto, Ole veio me ver na defesa e com um anel no bolso! 


Minha defesa de doutorado em agosto de 2001- Ele estava lá!


O resto da história vocês já sabem, voltei para os EUA, nos casamos no ano seguinte, e já fizemos nosso bebê, pois ambos nos sentíamos preparados e ansiosos para sermos pais.


E casam-se dois cientistas. Julho de 2002


E começa o processo de nascimento de uma mãe.
Estava fazendo pós-doutorado em Neurociências, e, como cientista, achei que deveria me informar de tudo que fosse possível. Infelizmente, na época ainda não existiam redes sociais, pelo menos não da maneira que funciona agora. Como primeira pessoa num grupo grande de amigos a me tornar mãe, morando no exterior, não tive muita troca de informações de mãe para mãe, algo que hoje compreendo totalmente ser importantíssimo na formação e apoio de uma nova mãe.
Mas enfim, li alguns livros sobre gestação, parto, amamentação, educação. Dentre eles destaco o ‘The baby book’, de William e Martha Sears, que ganhou destaque na mídia, quem diria, agora em 2012! (embora esse destaque não tenha sido totalmente positivo, fez sim muito sentido para mim na época e serviu de base para o tipo de criação que dou para meus filhos).

The Baby Book, William e Martha Sears, a fundação da criação com apego (vínculo)


Fiz um plano de parto, tive acompanhamento de um GO, não quis uma doula (pois achei que o marido era suficiente, ahaha, que bobinha) e assim, no primeiro de Maio de 2003, nasce nosso menino, nosso Lucas, a luz de nossas vidas. O parto foi normal hospitalar com algumas intervenções, o plano de parto não foi seguido completamente, mas foi um nascimento satisfatório dentro das informações que eu tinha na época, no contexto da pessoa que eu era em 2003.
Ele nasceu e veio direto ao meu colo e peito, nunca foi levado a berçário.
 Tive a imensa sorte de ter uma voluntária da ‘La Leche League’ (organização Internacional para apoio a amamentação, http://www.llli.org/) presente naquela ocasião. Como eu tinha feito uma mamoplastia (cirurgia de redução dos seios) alguns anos antes, não sabíamos se haveria comprometimento da produção de leite materno. Já no hospital aprendi a técnica de translactação (ou relactação) para oferecimento de fórmula com uma sonda que vai direto ao peito, e decidi usar esse artifício para garantir que Lucas estaria sendo alimentado, enquanto verificávamos se eu poderia mesmo produzir leite materno full time. Em alguns dias deu para ver que eu jorrava leite e abandonei o uso da relactação. Infelizmente não tenho fotos dessa época, mas escrevi um texto com um passo-a-passo que pode ser visualizado aqui.

Devo dizer também que acho uma grande pena que tantos profissionais da saúde indicam o uso de leite artificial (muitas vezes indicações errôneas) em mamadeira, que pode induzir desmame precoce por confusão de bicos. Muitos e muitos desmames precoces seriam evitados se a indicação fosse a de oferecer o leite artificial pela sonda de relactação, o que ainda favoreceria a auto-estima dessa nova mãe para produção de leite materno.
Bem, me lembro até hoje, na consulta de 6 semanas no GO, ele me questionou quanto tempo iria amamentar: ‘uns 3 meses, 4 meses?’- disse ele. E eu disse que achava que sim. Há!! Só que nesse ínterim algo mágico aconteceu – conforme nossa relação entre mãe e filho se desenvolvia, a amamentação fluía, eu comecei a entender cada vez mais a importância do vínculo que a amamentação proporcionava e que a amamentação não era somente dar leite – era, sim, uma relação que envolvia aspectos físicos, emocionais, e até espirituais. Fui me informando mais e mais. Passava dias sentada numa cadeira de balanço, amamentando e balançando Lucas para dormir, enquanto devorava livros e mais livros. Ole deixava um lanchinho e muita água numa mesinha do lado e ia trabalhar. E então aquela moça que vivia num ritmo louco, que era tão agitada que até recebeu o apelido de ‘220V’ pelos amigos, foi obrigada a acalmar, a se aquietar. A literalmente parar no tempo e viver aquele momento, uma mãe imersa num bebê que estava imersa numa mãe, numa simbiose que foi difícil e prazerosa ao mesmo tempo. 

Lucas com 3 meses, mamando exclusivamente e ganhando muito peso 

Lucas e seu papaizinho, com 4 meses

E vieram as dificuldades com o sono, e cansaço acumulado, e as muitas dúvidas de uma nova mãe sem uma rede de apoio. Um dia Ole chegou em casa com um livro sobre sono, entitulado ‘The no-cry sleep solution’. Tal era nossa cumplicidade que ele nem me perguntou se era a literatura que eu queria, ele simplesmente acreditou que sim e comprou, pois tinha certeza absoluta que métodos que envolviam treinamentos com choro sem consolo não serviam para nossa família. E ele estava certo.

 Soluções para noites sem choro (para bebês de 4 meses a 2 anos), de Elizabeth Pantley. Há também outro livro com o mesmo tema para crianças de 1-6 anos.


Devorei o livro, gostei da maneira que a autora testou suas hipóteses, cientificamente, num grupo de ‘pais teste’, e sempre incentivando esses a terem mentes abertas e não se apegarem a crenças culturais. Na verdade já se iniciava um processo de mudança de paradigmas que envolveu vários aspectos da maternidade e além, afinal aprendemos a ver a vida como um todo de forma diferente quando temos filhos, mais crítica por um lado e mais suave por outro.
Resolvi procurar na internet se havia algum grupo de apoio nesse sentido, e voilá! Achei um grupo do Yahoo (que funciona com trocas de e-mails) de mães que usavam esse livro (em inglês, então eram mães americanas, canadenses, britânicas, australianas, etc., e foi minha primeira experiência com grupos virtuais. Adorei a solidaridade entre as mães, que nunca tinham se visto pessoalmente na vida, mas não hesitavam em postar seus depoimentos e dar apoio para quem estava (como EU!) no olho do furacão de uma fase de muito cansaço e dúvidas. Logo em seguida veio o sucesso do Orkut
e chegaram as redes sociais em português na minha vida.

Comecei a participar de grupos e percebi que havia muita informação que poderia ser mais divulgada, e então decidi (por que não?) criar um grupo de apoio para mães que, como eu, não acreditavam em métodos de treinamento de bebês, e se identificavam mais com uma maternidade consciente, envolvendo vínculo. O grupo fez muito sucesso (ainda existe, no Orkut e Facebook), e são incontáveis as mães-que viraram amigas – e que participaram da minha própria formação com mãe e vice-versa.

Mas voltando ao Lucas bebê (aquele que seria amamentado até os 3-4 meses!), esse menino foi crescendo e me ensinando a ser mãe. Dormíamos na mesma cama, e claro que aproveitei para pesquisar tudo que podia sobre cama compartilhada – uma prática até hoje não bem aceita por nossa sociedade ocidental, mas que apresenta benefícios em termos físicos e emocionais para a criança e que antropologicamente falando é a norma mundial.

E assim fui crescendo como mãe, quebrando preconceitos e aprendendo a reconhecer que a maternidade é uma experiência profunda que envolve aspectos físicos, emocionais e espirituais também.

Por muita sorte, a minha mentora foi convidada a ser a chefe do departamento da Neurobiologia do outro lado dos EUA – em Pittsburgh, estado da Pensilvânia. E então convidou a todos membros do lab para seguirem com ela. Alguns foram (como eu e Ole, que estávamos no início dos nossos pós-doutorados e realmente não fazia sentido mudar de área na época), outros ficaram. Por causa da mudança do lab, minha licença maternidade (que é ridícula nos EUA) se extendeu, e eu tive o privilégio de ficar com ele em casa por 1 ano.

O retorno ao trabalho foi dificílimo (para meu segundo pós-doutorado, dessa vez em Neurobiologia), meu instinto materno não queria me deixar voltar a parte cientista. Mas como a vida não é sempre como a gente gostaria, gradualmente fomos nos adaptando à nova situação e ele foi a uma escolinha muito boa, com professoras carinhosas que tinham plena consciência de que suas funções não eram somente de cuidadoras físicas, mas também – e mais importante ainda- emocionais. Quero então destacar agora uma outra leitura que tem tudo a ver comigo, ‘The science of parenting’, que discute vários aspectos de criação à luz da ciência, em que uma das passagens fala especificamente sobre o papel dos cuidadores (sejam professoras de escolinha, creche, babá, parente ou outro) no desenvolvimento daquela criança.  Outro livro que tenho absolutamente que recomendar, e que é meu livro favorito de todos os tempos, é ‘Our babies, ourselves’, de Meredith Small. Um tratado antropológico interessantíssimo entre vários tipos de culturas e criações. Lindíssimo e tão emocionante que várias lágrimas rolaram ao ler várias passagens do livro, ao descobrir que tantas práticas de puericultura são feitas simplesmente por cultura, tradição, e sem evidência científica alguma de seus benefícios, pelo contrário. Um abre-olhos incrível!


Dois livros incríveis que fizeram diferença 
para a maternagem dessa cientista que virou mãe


Os anos se passaram, e nosso pequeno ‘cientista’ (filho de mãe e pai cientistas, né?) viajou conosco a congressos, onde revezávamos nossas apresentações e participações.

Lucas e mamãe em San Diego, CA, por ocasião de 
um congresso de Neurociências, em Outubro de 2004
(1 ano e 5 meses)


Por outro lado, eu, como mãe, me envolvi em vários projetos nas redes sociais de mães, seja moderando comunidades sobre sono e amamentação e criação em geral, ou escrevendo artigos (inclusive virei colunista do Guia do bebê), e até participei de um livro, ‘Pediatria Radical’, onde elaborei dois capítulos, um sobre sono e outro sobre cama compartilhada.
Lucas mamou até os 3 anos e 9 meses, quando desmamou naturalmente num processo gradual e respeitoso.


Lucas, 2 anos e 7 meses, mamando na praia


Um dia, fui numa reunião da La Leche League da cidade e, após uma conversa informal muito gostosa, me convidaram para ser uma líder! Achei a idéia genial e estava disposta a me credenciar, porém nossa vida sofreu algumas mudanças e isso não foi possível. Nesse meio tempo também me tornei ativista de amamentação e tenho consciência de que ajudei muitas mulheres com dificuldades na amamentação, e estou aberta até hoje para tal.

E enfim, a segunda gravidez aconteceu e dessa vez muita coisa era diferente. Minha gana por pesquisar e pesquisar sobre tudo que envolvia gravidez e parto estava mais atiçada do que nunca. Além de ler livros que fizeram uma baita diferença (como os da Ina May Gaskin e Pam England), as amigas virtuais-reais também me influenciaram (positivamente) como nunca. Me interessei por um parto domiciliar, comecei a pesquisar sobre sua possibilidade, segurança, possíveis intercorrências, transferências, tudo. Li inúmeros artigos científicos sobre tudo que poderia acontecer e como poderia lidar com isso. Afinal, estava eu sendo louca, irresponsável, de fazer uma escolha dessas, ou estava fazendo uma escolha consciente e responsável dentro das evidências científicas?

Com apoio do meu sempre companheiro, seguimos em frente com esse plano, com assistência de uma parteira e uma doula (pois é, aí sim eu já tinha entendido e lido artigos científicos que mostravam o valor dessa profissional no parto), e Isabella nasceu em 10 de outubro de 2007, em casa, na água. Um parto rápido (5 horas de TP), intenso, muito intenso, muito empoderador, onde senti muito que quem comanda é o bebê. Me movimentei conforme o bebê pediu, e a passagem foi se fazendo, e a natureza agiu como deveria, e um parto natural aconteceu.


Parto domiciliar da Isabella, 10 de outubro de 2007. 
Lucas está do lado de fora do quarto e entra assim que ela nasce.


Nasce essa mãe pela segunda vez. E a cientista se re-inventa pela segunda vez. Dessa vez, sem translactação (afinal de contas quase 4 anos de amamentação provaram que a produção de leite materno estava mais do que OK!). Dessa vez usei os 5 passos da teoria de exterogestação (Dr. Karp) que não conhecia quando Lucas nasceu e fez toda diferença. Dessa vez, tinha uma rede imensa de amigas virtuais- reais (não posso citar nomes aqui pois são muitos, mas vocês sabem quem são!) para dar apoio.

 Isabella recém nascida dormindo enroladinha no cueiro, um dos passos da exterogestação


 Isabella, 7 meses, mamando num parque na Dinamarca.


Isabella, 1 ano e 10 meses, mamando e mergulhando no mar de Maragogi. 


E assim seguimos, quando com 1 ano chegou a hora de retornar ao trabalho novamente (dessa vez não tive a mamata da primeira, usamos economias e ajuda dos avós para poder ficar em casa esse tempo). Muito difícil novamente essa separação, mas confortante saber que ela estava em boas mãos (as mesmas cuidadoras do Lucas quando era bebê).
E seguimos a vida de mãe e pai cientistas, dessa vez com duas crianças em congressos e ouvindo papos chatos (ou não!) de ciência na hora do jantar.

Aqui num poster apresentado no Congresso de Neurociências
 em Novembro de 2011, em Washington DC. 
Pena que a menininha não estava a fim de tirar fotos nesse dia. 


Já que estávamos em DC, onde tem tantos museus, demos uma passeada. 
Aqui na sessão dos dinossauros no National Museum of Natural History.


Bella também continuou mamando até seus quase 4 anos e praticamos cama compartilhada por um bom tempo.

Nunca utilizamos chupetas nem mamadeiras, que têm muitos prejuízos para saúde oral, além de poder induzir desmame precoce, conhecimentos que fui adquirindo e confirmando ao longo do tempo. Também fizemos um esquema alternativo de vacinações, baseado em ciência (que ainda caminha quando se trata de várias vacinas), bom senso e parceria com o pediatra.

Agora moramos na Filadélfia e minha vida científica está mais ativa do que nunca, já que tenho uma posição no Departamento de Farmacologia da Universidade de Medicina da Drexel. A mudança trouxe estresse na nossa família, com entrada em nova e
scola (e um episódio de preconceito contra amamentação continuada que foi resolvido graças a uma conversa franca, com apresentação de evidências científicas e uma mente aberta!), e algumas inseguranças, mas fomos contornando o que vinha usando de empatia e respeito, que nos é tão importante na criação das crianças.

Continuo estudando os transportadores de neurotransmissores, publicando, indo a congressos, orientando alunos, e pesquisando tudo que posso sobre maternidade ativa ao mesmo tempo. Infelizmente, não pesquiso temas diretamente relacionados a maternidade, o que seria uma grande felicidade para mim. Por exemplo, adoraria conduzir um estudo sobre efeitos a longo prazo do cortisol (hormônio do estresse) no desenvolvimento cerebral humano, ou estudar mamoplastia e efeitos na amamentação. Mas enquanto isso não é possível, pois minha área de pesquisa é um tanto diferente, uso de meu acesso a periódicos científicos e do aprendizado de interpretá-los para minha maternidade e divulgação quando apropriado. Os dois anos de licença-maternidade que desfrutei do lado dos meus bebês resultaram numa produção científica um pouco reduzida (em comparação a outros profissionais de minha área que não tem filhos ou não tiraram licença-maternidade), e isso dificulta um pouco a obtenção de financiamento para as pesquisas. Mas não me arrependo em momento algum, pois esse tempo foi fundamental para estabelecimento e continuação da amamentação, para nossa relação, e a longo prazo para meu papel como cientista.

Meus filhos estão aí com quase 5 e 9 anos, e que, apesar de diferença de idade e gênero, são irmãos cúmplices  que se divertem juntos, e se respeitam. Claro que não são anjinhos, têm comportamentos absolutamente normais da primeira infância e que devem ser entendidos, respeitados, tratados com empatia, o que tentamos fazer. Então não posso deixar de dizer – a ciência prova- criação com apego (vínculo) traz bons frutos! Claro que dúvidas sempre existiram e continuarão existindo, mas as informações estão aí para serem pesquisadas e questionadas.


 A família em nossas férias de verão, julho de 2012


Uma postura que foi se desenvolvendo ao longo da jornada da cientista que virou mãe – quando pensamos em doenças ou condições, estamos considerando somente o tratamento, e no caso, a primeira coisa que vem a cabeça é o tratamento farmacológico, ou o não farmacológico também? Estamos pensando em primeiro lugar em prevenção? E finalmente, se algo não pode ser refeito (afinal não há máquinas do tempo) há formas de reparação?

Ainda, algo que veio com a cientista que virou mãe, foi a ciência de que nem tudo é ciência 😉 Sim, há muito de intuição que pode e deve ser colocado em prática na maternidade. A amamentação, por exemplo, dificilmente se tem uma relação feliz de amamentação com o bebê se não há uma entrega, uma disponibilidade emocional incrível. É preciso se despir completamente da realidade caótica que vivemos, na amamentação é fundamental o contato corporal, a conexão emocional, a intimidade, sensibilidade, sensações. Nada pode ser calculado milimetricamente, não é somente dar alimento – mas é uma relação, uma troca (como na verdade na maternagem como um todo).

Para terminar, quero deixar uma mensagem para todos leitores: nesses anos todos também aprendi que TODO pai e mãe pode (deve?) ser um/a cientista, mesmo que não tenha formação acadêmica propriamente dita. Cientista no sentido de se interessar, pesquisar, trocar informações, procurar a confiabilidade de informações que lhe são passadas, inclusive por profissionais da saúde. Não basta ser profissional da saúde, tem que ser baseado em evidências científicas mais recentes possíveis. É tão importante ter senso crítico e procurar pesar benefícios e riscos de qualquer prática, e não somente usar do que é tradição/senso comum. Por exemplo, a mídia é por vezes sensacionalista e divulga informações com tom científico, quando na verdade se tratam de falácias, de pseudo-ciência, de continuar caracterizando o status quo. Mais uma vez o senso crítico é necessário. E isso não é característica de cientista que virou mãe, isso deveria ser algo que toda mãe faz.

E finalmente, a importância das redes de apoio é fundamental, seja real (na forma de grupos de apoio ao parto, amamentação, encontro de slings e outros) ou virtual, que nos dias de hoje se mistura muito com o real. Afinal de contas, ‘It takes a village to raise a child’*, não é mesmo?
*É preciso uma aldeia para criar uma criança.


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