É assim, com essa chamada altamente duvidosa, que a Revista Capricho, da Editora Abril – que no último mês fechou as portas de uma série de revistas, demitindo mais de 150 jornalistas -, traz as meninas para a conversa.
Ao título, segue-se um compêndio de machismo, preconceito e tudo mais que não se esperaria de quem produz conteúdo claramente direcionado a meninas, como é o caso dessa revista.
Escrito na voz de um garoto adolescente supostamente chamado Marcio Picolly, que cobra não sei quanto para estar em festinhas de 15 anos. Mas que eu duvido que tenha sido escrito por ele. Não porque um menino não tenha capacidade para escrever coisas como essas (muitos tem, sim… e a família apoia ou se orgulha…). Mas porque eu me recuso a crer que isso passaria por uma equipe composta por adultos críticos e pensantes e, ainda assim, fosse publicado. Para mim, foi escrito por um adulto. O texto, inclusive, nem vem assinado pelo guri. Vem como “Equipe Capricho”.
O texto começa pedindo às garotas que fiquem bem atentas para descobrir se, aos olhos deles, os meninos, elas são para ficar ou namorar. E afirma: “Não adianta o garoto negar: a gente faz, sim, distinção entre garotas que a gente namoraria e as que só queremos ficar e nada mais. O que vai determinar isso é a ação de vocês [as meninas] em vários fatores, então se liga nas dicas“.
Sim, muita gente faz, sim, distinção entre as mulheres. No linguajar machista “adulto”, seria o equivalente ao “é pra pegar ou pra casar?“, que ainda, muito infelizmente, muita gente fala – mulheres inclusive, o que é mais ultrajante e incompreensível… É essa mesma gente que faz distinção entre “mulher pra pegar e mulher pra casar” ou “menina pra ficar ou menina pra namorar” que bate em mulher, ofende mulher, chama mulher de gostosa na rua, acha que lugar de mulher é em casa, na beira do fogão e do tanque, oferece salários menores, as chama de vadias, entre uma série de outras coisas contra as quais a sociedade, em seu caminho de esclarecimento, vem lutando com cada vez mais força. Nós, que somos mães e pais, estamos lutando principalmente para que isso desapareça ainda na infância, ao educarmos com equidade e respeito, condenando os sexismos e oferecendo uma educação livre e respeitosa.
Mas a Revista Capricho não acha que se deva lutar contra isso.
O texto, que até o momento em que li já ostentava 6.000 likes, faz uma diferenciação minuciosa entre a garota que seria para namorar e a que seria só pra ficar.
A garota para namorar seria aquela que sempre apoia o garoto (mesmo esses, os machistinhas, estimulados por uma mídia vazia e superficial) e que, ainda que seja ofendida e ultrajada desta maneira, está sempre ao lado dele dando carinho e atenção. Porque, afinal, o garoto machista (a Capricho) acha que companheirismo é tudo!
A garota para namorar demonstraria o tempo todo que gosta dele de verdade, além de ser madura o suficiente para enfrentar os desafios do namoro. Sim, a garota para namorar vai ter que vencer muitos desafios: ser encarada como objeto desde sempre, ser comercializada midiaticamente, procurar outros tons de roupas que não sejam pink (ou cinza, em 50 tons…), lutar pelo reconhecimento profissional, poder ter seu filho com respeito sem ser aberta em 40 minutos por comodidade de terceiros, poder amamentar seu filho ainda que ouça que isso é a “ditadura da amamentação” (Ditadura? Em um país que não amamenta nem um terço das suas crianças? Cuja amamentação não dura nem 90 dias? Quando foi que o conceito de “ditadura” mudou, que não nos avisaram? De qualquer forma, ainda que ela não amamente, vai ouvir também porque, afinal, o que vale é legislar sobre o corpo feminino, tanto faz para que lado…), vai ter que lutar para não morrer se sofrer um aborto, vai ter até que sair às ruas em marchas, pelo respeito a ser quem se é, usando o próprio xingamento que lhes foi dado como lema. E, além de tudo isso, vai ter que vencer os desafios do namoro. Do namoro com alguém que pensa que ela precisa se enquadrar, se quiser ter a honra de ser sua namorada.
A garota pra namorar tem que ter atitude e opinião própria e não concordar com tudo que o cara falar, segundo a Capricho. Claro. Ela pode discordar e dizer não. Desde que não seja para reivindicar um mínimo de respeito, inclusive quando lê algo assim.
Ah sim! A garota para namorar tem que ser ciumenta, mas no limite. Não pode sufocar. Porque se sufocar, tchau cats (“cats” é expressão utilizada pelo menino), o garoto vai te dar um pé na bunda e passar para a próxima em sua lista Bieber de garotas para ficar (ou seria namorar?). Mas não tem problema, porque você, cat, que tomou ou irá tomar um pé na bunda do garotão másculo, porém sem ainda nenhum pelo no corpo, vai encontrar dicas excelentes sobre como curar sua dor de cotovelo (enquanto mantém sua forma) onde mesmo? Rá! Aqui! Na Revista Capricho! A mesma que está buscando uma nova diva para a música teen. Mas uma diva pra namorar, que fique claro. Porque de divas vadias o mundo já está cheio, não é mesmo pessoal?
Agora, se a garota for daquelas que só quer curtir a noite, ficar com muitos garotos, não aceitar o garoto como ele é (mesmo que ele seja assim, machistinha), não tiver um papo legal, não falar de Manu Gavassi (que não faço a menor ideia de quem seja, mas que está sendo promovida pela revista), não tiver mandado seu vídeo para o concurso Street & Glam, nem se envolver em polêmica fashion, ah não, aí não dá, né? Aí é bad, cats… Não vai rolar namoro. Aí o mini boy magia tá out.
Também não vai rolar (e isso nunca, jamé, no way) se ela for vulgar demais. Aí não dá nem pra ficar, né? Porque, afinal, meninos assim querem moça de família (se usa isso ainda?!). Ele não está querendo dizer, com isso, que é uma questão de roupa, pelo contrário! Ele acha que quando a mulher (ops, errou o público, é pra meninas que ele estava falando, escapou…) tem um corpão, tem que usar roupa curta mesmo. Ele está falando é de atitude, pô. Vai dizer que não entendeu? Tipassim, cat: se você achar esse texto um absurdo misógino, ofensivo, machista, antiquado, e ainda mais tudo isso quando lembra que é direcionado para meninas adolescentes e deixar escapar, lá nos comentários, algo como “Vai cagar regra pra cima de meninas de 12 a 15 anos agora, Revista?!”, aí não, aí você é vulgar e, sorry baby, não vai rolar nem uma bitoca (se fala bitoca hoje ainda?).
Então, o suposto garoto se despede e vai embora, deixando um “Até o próximo post, my cats!“, deixando-nos em torcida e contagem regressiva pelo fim dessa revista. Porque, afinal, se os portais/revistas M de Mulher, Contigo e Claudia já estão pela hora da morte (e já estão indo tarde), não faz sentido algum a Capricho ficar.
Nem pra casar nem pra ficar. Pra ser respeitada. E revista nenhuma tem o direito de estimular a misoginia na infância e adolescência. |
Gostaria, po
r fim, de falar sobre uma imagem que sempre vem à minha mente. A primeira vez que vi
Luana Piovani foi em um ensaio justamente para a Revista Capricho, quando eu era bem novinha, em que ela aparecia no papel de diferentes princesas. Dali, ela foi para a Globo, representar uma adolescente que era modelo fotográfico, não me lembro muito bem do enredo, mas sei que tinha algo com o diabo também, uma coisa muito louca. Lembrei-me daquele ensaio quando, recentemente, saiu o resultado do julgamento sobre o processo que ela abriu contra Dado Dolabella por ter sido vítima de violência doméstica. Parecer desfavorável a ela, a agredida, e favorável a ele, o agressor, com o frágil (e absurdo) argumento de que ela estaria supostamente sob o efeito de drogas quando apanhou. Como se a violência contra a mulher estivesse liberada em certos casos e esse fosse um.
Em outras palavras, esse parecer diz que Luana, lançada como princesa pela Capricho, pode apanhar que tá tudo bem. Afinal, ela tinha usado drogas.
Vai ver que o que Dado fez (e quem sabe esse garotinho, se realmente existir, venha a fazer também um dia, se continuar sendo apoiado como é por essa mídia estúpida e irresponsável) foi apenas oferecer um corretivo a ela.
Afinal, vai ver ela não era pra casar mesmo…
Revista Capricho: apenas pare. Definitivamente.
Marcha das Vadias DF – publicada em Feminismo na Rede (sem autor) |