Ter uma personalidade naturalmente alegre e extrovertida te traz uma responsabilidade, e uma cobrança, por vezes insuportável: você adquire o dever social de estar sempre feliz, sorrindo, disposta a conversar. Mesmo quando está passando por problemas…
Estar grávida aumenta essa cobrança. As pessoas esquecem que você tem uma imensa variedade de sentimentos inerentes à condição humana dentro de si além da imensa alegria da maternidade. E você passa a ser vista como um robô que deve estar sempre sorrindo e agradecendo a maravilhosa oportunidade de estar grávida.
Agradeço a maravilhosa e indescritível experiência de estar grávida. Todos os dias. Do momento que acordo ao momento que vou dormir. Principalmente por ter lutado tanto no início da gravidez para segurar a minha filha. Mas me dou o direito de entrar em contato com minha parte humana não-gravídica e vivenciar os sentimentos que de mim brotam.
E hoje estou profundamente triste, com vontade de descer do mundo mesmo sem ele parar, cansada, exausta, e tendo que girar o motor com cada vez mais força e cada vez menos combustível. Tenho trabalhado horas, mesmo contra a baixa produtividade cerebral, para investir num futuro que parece que não chega… Tenho ido ao banheiro chorar de tempos em tempos porque não estou aguentando muito hoje. E se alguém me vê com os olhos marejados já pergunta: “Tás chorando, guria?! Mas por que? Você tá grávida, não pode ficar assim…“
Se realmente não pudéssemos, nossa fisiologia natural não nos predisporia ao choro fácil justamente no momento da gestação… E enquanto estamos grávidas, o mundo tá acontecendo, a conta tá vencendo, outras já venceram faz tempo, o mercado de trabalho está se atualizando, seus concorrentes não-grávidos estão se preparando, seu desemprego é gritante e a quantidade de trabalho não diminui na mesma proporção do seu saldo bancário. As pessoas te cobram bom humor, tranquilidade, estado de espírito sublime pela gravidez, berço comprado, chá de bebê organizado, projeto entregue, pontualidade, planejamento, compreensão para com os outros, delicadeza, tudo junto, e você não faz nem idéia de como vai resolver um problema inadiável na semana que vem que, até agora, três dias antes da semana que vem, está sem solução.
Tem que ter fé, esperança, ser positiva, ter calma, tranquilidade, dormir bem, comer bem, ser inteligente, prestativa, esperta, solidária, companheira, esquecer que, na sua área, “if you´re not good, you´re food”, quando tudo o que você quer é desaparecer… já que os problemas, ao contrário disso, só aumentam.
“Mas você está grávida e sua filha não pode sentir isso“. As outras pessoas nem precisam te dizer isso, como dizem, porque sua consciência te buzina isso toda hora. Então, além de tudo, vem a culpa.
Então hoje eu digo que estou sim grávida, mas estou, sim, triste. Tenho muitos motivos para estar, embora esteja grávida e feliz pela gravidez. Estou triste e quero ficar sozinha comigo mesma. Estou sem humor, sem paciência, exausta, com dor nas costas e na cabeça, com azia, com problemas acumulados, ansiosa, tendo que estudar sem conseguir muito, com medo dos concursos e do futuro, sem saber nem como vou até lá fazer as provas.
Então hoje, na minha porta, está: NÃO ESTOU. NÃO SEI QUANDO VOLTO.
… embora seja muito provável que eu volte amanhã mesmo, em função daquela característica de personalidade que mencionei lá em cima… Mas enquanto isso, não adianta tocar a campainha. Eu não estou. E a paciência saiu também, junto comigo.
(eu fico pensando o que será que estava vivendo e sentindo o Augusto dos Anjos quando escreveu “Poema Negro”… Ele começa o poema com a frase “Para iludir minha desgraça, estudo“. Você vai lendo e se sentindo mal, pensando que o cara é um exagerado, um dramático, um doente mental das catacumbas do lado negro da força. Aí vai lendo… até que chega na última estrofe, em que ele diz “Ao terminar este sentido poema / Onde vazei a minha dor suprema / Tenho os olhos em lágrimas imersos… / Rola-me na cabeça o cérebro oco. / Por ventura, meu Deus, estarei louco?! / Daqui por diante não farei mais versos.” e percebe que ele devia estar, SÓ, muito triste e sem esperança naquele dia…)