Eu quero mudar o mundo.
Não, não estou sob efeito de psicotrópicos. Tô careta mesmo.
Mas é que eu ando assim, nos últimos tempos.
Passo por isso de tempos em tempos…
Da última vez que me deu isso, terminei o mestrado, saí da academia por alguns anos e fui por aí formando gente, aplicando a pedagogia paulofreireana, falando sobre educação ambiental e valores humanos, tentando colocar coisas novas nas cabeças ainda-não-velhas. Deu certo, formei um tanto de gente bacana. Se estão por aí fazendo o que juntos propusemos, não sei. Talvez não. A vida, a rotina, às vezes se encarregam de colocar todo mundo pra dentro da caixa de novo. C’est la vie… Tem que ter raça pra resistir.
Aí dei de cara com pessoas imbecis desviando merenda de criança e coisas do gênero, me frustrei e sosseguei.
E agora voltou, depois que a Clara nasceu.
Acho que é porque quando a gente tem filho, ficamos mais atentos às coisas que realmente valem a pena. Quer dizer, nem todos. Tem gente que bota filho no mundo como se eles tivessem prazo de validade: até tal idade vai bem, depois tchau meu bem. Tem gente de todo tipo no mundo. Mas isso é bom, porque se der um cataclisma, pelo menos temos variabilidade genética suficiente pra garantir a sobrevivência da espécie.

Às vezes me pego pensando em como será que me tornei essa pessoa indignada com a condição do mundo, com vontade de ajudar a mudar, sempre fazendo militância pacífica, sempre me voluntariando a ser massa trabalhadora em causas importantes.
Cheguei à conclusão de que, finalmente, Freud teve razão: a culpa é da mãe.
Pegue a minha genética Moreiras passada por minha mãe, junte a coisas que vi quando criança e mais a minha constituição psíquica e dá pra entender.
Acho que uma das coisas mais fortes que vivi e que contribuíram para querer ajudar a mudar o mundo desde pequena foi uma mobilização feita por minha mãe numa enchente terrível que aconteceu no Rio, acho que em 88. Muita gente perdeu tudo, como sempre acontece. Aí ela organizou uma coleta de donativos no meu bairro que virou uma coisa monstruosa. Eu me lembro de ver o quintal, a sala, um dos quartos, o quintalzinho lá de trás cheios de donativos, de tudo o que se pode imaginar, roupa, calçados, remédio, tudo. Ela passava horas e horas e horas organizando tudo. Vinha gente ajudar e ela ficava ali horas a fio. Como se fosse pras filhas dela. Lembro disso como se fosse hoje. Acho que a partir daí me toquei que todo mundo tem o dever cívico de ajudar, à sua maneira, a melhorar as coisas. Depois disso, resolvi que de tempos em tempos eu, como presidente da rua que era, iria juntar meus amiguinhos e pediríamos comida pros pobres. Íamos de casa em casa pedindo. E UM MONTE DE GENTE DAVA! Tinham uns até que davam caixa de gelatina. E levavam, de brinde, um discurso de uma mini-militante falando que “onde é que já se viu dar pro pobre uma caixa de gelatina?! Que o pobre nem tinha gás pra esquentar a água pra fazer a gelatina! Que era pra ele ficar com a gelatina que o pobre não queria aquilo”… É brincadeira?!
Mas é isso aí mesmo, as pessoas pensam que só porque estão doando podem doar qualquer coisa. Doam roupa suja, furada, ou aquilo que é considerado entulho. Não, pessoal, isso não é donativo. Isso aí é você querendo se livrar do que não te serve mais – e nem a mais ninguém, também – e ainda querendo pagar de bacaninha. Donativo é aquilo que você ainda usaria mas, porque não há mais necessidade, não usa mais. Roupinha do seu bebê que cresceu, que está em ótimo estado e que são lindas (porque esses piticos crescem mais que grão de feijão no algodão) é algo que pode ser doado; brinquedos em excesso; roupas suas que estão ótimas, lindas e formosas mas que vc não usa mais porque mudou de estilo – ou de circunferência bundística – também. Coisas que você usaria sim, mas que não quer mais usar. Isso sim é doação.

Como podemos ajudar a mudar o mundo?
Ao contrário do que se pensa, não é necessário muita coisa. Às vezes, dá até pra fazer disso um hobby. Quer tentar? Então vai lá:

1 – Pense numa coisa que você goste muito, uma causa, uma ideia, um valor. Sério mesmo. Pense aí. Que causa, justa e do bem, te motivaria a se mobilizar? Vale tudo. E nem vem com essa de que “não tenho mais causas pelas quais lutar porque estou chateadinho com o mundo”, quisso aí é preguiça, você faz parte do mundo, então se está chateadinho é bom fazer as pazes logo, antes que o mundo também fique chateadinho com você e te elimine da face do planeta – o mundo é bem mais poderoso que vc, pode acreditar…

2 – Agora pense em quais são suas habilidades, o que você sabe fazer bem que poderia te ajudar nessa mobilização. Vale tudo também.

3 – Agora pense de que maneira essa coisa, essa causa, quando colocada em prática, pode ajudar a melhorar a vida de algumas poucas pessoas – porque tem essa: quando a gente fala em ajudar a mudar o mundo, não precisa ser o mundo tipassim os 3 bilhões de pessoas do planeta. Pode ser melhorar o mundo de 10 pessoas, por exemplo. Porque essas 10 pessoas tem outros 10 amigos e assim vai.

4 – Tá. Identificada a ideia que te sensibiliza, que te emociona, pense em algo simples que você poderia fazer, usando suas habilidades. E assim você pode transformar o que antes era apenas uma ideia em algo factível…

5 – Agora faça esse algo simples. Faça um planinho e coloque na geladeira. Dedique uns minutos do dia a isso, que sejam 20 minutos. Ao final de uma semana você terá dedicado 140 minutos a isso (2 horas e 20 minutos). Ao final de um mês, terão sido 10 horas.

Bem, foi assim que eu comecei a me envolver nessas coisas de humanização de parto. Primeiro, porque eu senti na pele os benefícios de ter mais esclarecimentos sobre gestação, parto, puerpério, amamentação e tal. Depois, porque eu comecei a colher os frutos da aplicação desses esclarecimentos na vida diária: filha saudável que nunca ficou doente, calma, tranquila, simpática; amamentação que vai de vento em popa há 8 meses e meio; e esse sentimento de, apesar de ser mãe de primeira viagem, não me sentir mãe de primeira viagem. Clara é minha primeira filha, mas não tenho muitas das paranoias comuns de mães de primeira viagem. Ao que devo iss
o? Aos conhecimentos que fui tendo acesso, às orientações sobre maternidade ativa e consciente, ao conceito de humanização não só do parto, mas da criação de filhos. Aí eu fico olhando tanta mãe de primeira viagem, como eu, por aí meio perdida, com dificuldade pra amamentar, com filho que fica doentinho quase toda semana, diminuindo contato físico e afeto com a justificativa de “não mimar e não mal acostumar” ou gestantes que vão pra mesa de cirurgia receber o filho como quem vai ao dentista arrancar um dente, às vezes por não saber que existe uma alternativa – como eu não sabia – ou por achar que “o que o médico falou tem que ser respeitado sempre”. Fico vendo essas coisas e pensando que tanta coisa futura poderia ser evitada desde o início do relacionamento mãe-filho. Tanta coisa poderia ser melhor apenas por mais colo, mais peito, mais carregar-junto, mais dormir-pertinho, mais palavras de incentivo, menos tapa, menos crítica não construtiva, mais “sair da caixa” e fazer diferente. E são essas coisas, no fim, que me motivam a ajudar outras mães e seguir adiante na tarefa de ajudar a mudar as coisas.

Sendo realista mesmo, sei que não vou conseguir mudar nada. Sou uma. E sou cheia de problemas e de questões internas mal resolvidas. Mas pelo menos contribuirei para que mais mães e mais filhos estejam mais vinculados um ao outro. Que se amem sem amarras e que tenham sempre a certeza de que são queridos um pelo outro, amados, que se importam um com o outro.
Tem muita gente que diz que mudar o mundo começa a partir de dentro de casa. Eu, por exemplo, preciso mesmo ajudar a mudar o mundo dentro da minha casa sim – isso é uma autocrítica. Não posso suprir a parte dos outros na melhoria do mundo caseiro, mas preciso fazer a minha. A gente deve ajudar a mudar o mundo de casa quando ainda acredita nele. Quando deixar de acreditar no seu mundo de dentro de casa, aí é só mudar de mundo e começar de novo, que sempre é tempo. Aí tem gente que diz que não consegue nem resolver seu próprio mundo, que dirá o mundo coletivo. Pára com esse papinho comodista que te serve como desculpa pra não fazer nada de coletivo, saia da sua concha e vai ajudar a mudar o mundo fora também, quiébão.

Pra você, que tá aí meio desmotivado, mas pensando em começar uma revolução a partir da sua cama, deixo aí esse musicão que eu adoro. Oasis, Don’t Look Back in Anger.
Pra você, que taí motivadão, cheio de vontade e sabendo que pode fazer a diferença, arregace as mangas e vai. Não precisa muito. E a compensação é imensa.
Boa semana pra todo mundo!

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