Elas nasceram juntas. Cresceram por nove meses do meu lado de dentro, agarradas uma à outra, respirando na mesma cadência e ajeitando suas pequenas partes às pequenas partes da outra da melhor maneira possível. Nasceram com 14 minutos de intervalo. Não sei se combinaram uma com a outra a hora de nascer, da mesma maneira que tantas vezes se comunicam até hoje, sem palavras e de um jeito que só elas mesmas são capazes de compreender. Ana Luz veio primeiro, curiosa, de olhinhos abertos e sem chorar. Estrela veio depois, agitando os bracinhos freneticamente, aos berros, gritando a plenos pulmões.
Tão diferentes, desde o primeiro minuto de vida. Minhas duas filhas mais velhas, gêmeas, ensinaram-me desde o primeiro dia sobre individualidade e respeito à diferença. Ainda bebês, tinham ritmos diferentes. Uma teve um aleitamento liso, fácil, que engrenou de primeira, enquanto a outra levou quase os dois primeiros meses de vida acertando pega, ritmo, engorda. Uma chorava bastante e nos ganhava no grito, enquanto a outra tinha sempre um sorriso pendurado no rosto e parecia comer o mundo com os olhos. Uma andou primeiro, a outra disse antes as primeiras palavras. Cada uma deu à outra o apelido que as acompanha até hoje. Nunca souberam o que era ser sozinha – já vieram ao mundo de mãos dadas, e assim seguiram, e assim continuam.
Elas foram crescendo, e eu junto com elas. Aprendendo a ser mãe ao mesmo tempo, para duas filhas tão diferentes. A estar presente, a bater bola o tempo todo, a não me agarrar a pequenas certezas, a estar sempre disposta a reavaliar, tentar diferente, experimentar. Olhar nos olhos e dialogar. A não esperar que o que funcionava com uma funcionasse com a outra. A ser criativa, a ter jogo de cintura. A não cansar de procurar caminhos, cada hora de um jeito, agora por aqui, depois por ali. A não querer passar a régua, igualar para “facilitar o trabalho” – porque o “mais fácil” pra mim não era necessariamente o melhor para elas.
Com as duas a tiracolo, eu ouvia sempre as fatídicas perguntas que toda mãe de gêmeos certamente conhece bem:
Qual é mais agitada?
Qual é mais sapeca?
Essa daqui é mais atirada, né?
Puxa, essa é mais calada!
O que no começo me intrigava e quase me fazia parar para compará-las, inadvertidamente, esquecendo por um minuto que cada uma trazia consigo sua régua particular, impossível de ser equalizada com a da irmã, com o tempo passou a apenas me fazer sorrir disfarçadamente, e responder, encerrando o assunto:
“Não sei, depende, elas mudam todos os dias”.
Ser mãe de gêmeas significa, sem sombra de dúvida, ter o trabalho dobrado. E as alegrias também. E as gracinhas. E as acordadas noturnas. E as mamadas. E os primeiros passinhos, primeiras palavras, primeiros dias na escola e toda a infinidade de começos e primeiras vezes que inundam os dias de quem acompanha de camarote o crescimento de uma pequena pessoa. Diferente de quem tem dois filhos separados na linha do tempo, parir gêmeos é viver tudo ao mesmo tempo agora, todos os dias. É precisar de mais braços, pernas e horas no dia do que de fato se tem. É se descobrir capaz de mais, muito mais, do que se achava que podia fazer.
Mas fora isso, bem, são duas crianças. E é preciso olhar para cada uma delas com todo cuidado e atenção, resistindo à tentação de igualar, comparar, colocar lado a lado. Minhas meninas caminham juntas e têm uma ligação entre elas que vai além de qualquer explicação racional mas, de resto, são duas pessoas diferentes que vieram ao mundo juntas. Simples assim.
Hoje, doze anos depois daquela madrugada fria de maio em que recebemos neste mundo uma e depois a outra, sou mãe de duas pré-adolescentes gêmeas, e a cada dia que experimentamos juntas percebo mais e mais a importância de reconhecê-las separadamente, cada uma a seu modo. Não tenho a mesma relação com as duas – e percebam, não se trata absolutamente de amar mais ou amar menos, trata-se apenas de se relacionar de maneira particular, única, especial, com cada uma delas. Como, aliás, faço com todas as pessoas que amo e que são importantes para mim: relaciono-me com cada uma delas de olhos e coração bem abertos para os indivíduos que são, sem comparar com ninguém mais. Não igualo meus amigos, membros da família, meu parceiro, não os comparo com ninguém e não espero ter com eles uma relação igual à que tenho com nenhuma outra pessoa. Cada relação de afeto, cada vínculo, é único e especial. Por que seria diferente com minhas filhas, apenas porque nasceram no mesmo dia?
E sim, há tropeços. Na lida caótica do dia a dia de mãe de três – afinal tive mais uma depois, que veio sozinha mas quase valendo por duas (risos) – às vezes me esqueço de tudo aquilo que já sei, e me escapa desastradamente um:
“Mas a sua irmã!”
Elas me corrigem, rapidamente:
“Ela é ela, eu sou eu!”
E com essa sacudida coloco novamente os pés no chão, desculpo-me e relembro: sim, são duas. Vieram juntas, apenas isso. São duas. E que lindo que seja assim.
Uma romântica, outra moleca. Uma organizada e exigente, a outra desencanada e bagunceira. Uma vaidosa, a outra irreverente. Uma sensível, a outra explosiva. Uma mais falante, a outra mais reservada. Uma ativa e elétrica, a outra pacata e preguiçosa. Uma ama ler, a outra ama dançar. Uma me acolhe, é espelho, e nela me reconheço. A outra me empurra em direção ao desconhecido, é toda mistério ainda por desvendar. Ambas me ensinam mais do que eu poderia colocar em palavras.
Entre a lista interminável de coisas que aprendi com a maternidade gemelar, o respeito à diversidade humana está definitivamente entre as mais bonitas e importantes. Com elas e por elas, aprendi que ninguém é – mesmo – igual a ninguém. Que, como dizia o poeta, todo ser humano é um estranho (e maravilhoso) ímpar. Que somos todos incríveis em nossas singularidades, em nossas possibilidades, talentos e limitações. Que olhar para o lado, comparando, é receita certa para a infelicidade. Que o bonito da vida é a gente entender que não existem no mundo duas pessoas iguais – nem mesmo aquelas que nasceram junto.