Há pouco mais de um mês, mais precisamente em 04 de junho de 2013, tive a grande alegria de compartilhar aqui o relato de um parto muito especial: o nascimento da Marina, filha da Elis. Especial por muitos motivos: foi um parto natural depois de uma cesárea, foi domiciliar e foi fruto da superação de muitos fatores que poderiam ter representado obstáculos mas não representaram, simplesmente porque Elis estava absolutamente preparada para tal experiência.

Cicatriz da cesárea: para muitas mulheres, a lembrança de que,
sim, elas também podem parir. Não deixe que ninguém te diga
o contrário.

O relato contém elementos que o tornam singular e recomendo que você o leia – principalmente se você, como eu, viveu uma cesárea anterior, pensa em mais filhos e não abre mão do parto natural. Elis mudou de médico, enfrentou uma cirurgia durante a gravidez, desmamou seu filho desnecessariamente em função de uma má orientação médica, enfrentou a distância de seu companheiro, idas e vindas na estrada e, no fim, pariu sua filha em uma casa que alugou apenas para estar próxima da equipe que a assistiu.
Compartilhei esse relato aqui porque sei que ele é inspirador – para mim, pelo menos, é muito. E um dos objetivos deste blog é inspirar mulheres: em seus partos, em suas carreiras profissionais, na criação de seus filhos, na luta contra a medicalização da infância, entre outras áreas da vida.

Porém, há um trecho delicado no relato e que pode ter levado algumas mulheres a terem dúvidas quanto a determinados procedimentos. Na verdade, há dois trechos delicados, mas vamos tratar agora apenas de um. Em breve falaremos do próximo também.

Nós, que publicamos coisas que serão lidas por muitas pessoas, especialmente muitas mulheres em busca de informação e empoderamento, temos que ter em mente, sempre, uma questão importante: responsabilidade no que tange à informação compartilhada. Qualquer coisa divulgada de maneira equivocada, mesmo que não pareça tão importante a nós em um primeiro momento, pode atrapalhar pessoas em processo de tomada de decisão. Ter isso bem claro, sempre, faz parte da postura engajada em busca da autonomia feminina. Qualquer coisa mal escrita, grosseira,  vulgar, tendenciosa ou fruto de uma percepção pessoal equivocada pode prejudicar muitas pessoas. Pode não. Prejudica. E é uma pena que nem todo mundo respeite isso. Isso também diz muito sobre o respeito (ou falta de) que se tem pelo outro.

Quem busca um VBAC não quer mais viver essa forma de
nascimento. Nem para si, nem para seus filhos.
Respeite isso: faz parte de seu dever como obstetra ou profissional
da obstetrícia. Atualize-se. Não indique procedimentos sem
respaldo científico.

O fato é que, após a publicação do relato, algumas mulheres que estão em busca de seu tão sonhado VBAC (parto normal após uma cesárea anterior) ficaram em dúvida quanto a um procedimento mencionado no relato: o tal do exame que mede a suposta espessura da cicatriz da cesárea (que, ainda na postagem, faço questão de informar que não possui evidências científicas que o respaldem em sua pertinência ou acurácia).
E então essas moças foram buscar informação (que é algo que todo mundo que está buscando um parto respeitoso deve fazer). Como participo de vários grupos, vi uma pessoa compartilhando exatamente o trecho que fala desse teste, em dúvida sobre fazê-lo ou não e, pior, insegura com seu próprio médico, que não o havia solicitado. Então, seguiu-se, naquela postagem, um grande e positivo debate sobre esse tal exame.

Por uma questão de comprometimento e responsabilidade, senti-me no dever de preparar uma postagem sobre o assunto. No debate que houve, a enfermeira obstétrica Maíra Libertad esclareceu as pessoas sobre o tal exame e, em seus esclarecimentos, compartilhou um link que considero fundamental para quem está buscando evidências científicas sobre a segurança (e pertinência) de procedimentos. Nele, sua autora dedica-se a destrinchar diversos estudos científicos que  mostram que NÃO! ESSE EXAME DE MEDIÇÃO DA ESPESSURA DA CESÁREA NÃO POSSUI EMBASAMENTO E EVidÊNCIAS CIENTÍFICAS QUE O SUSTENTEM.

Em resumo: não há evidências que digam que ele é preciso, acurado e que deva ser feito. Pelo

Se você busca um VBAC: não deixe que te desestimulem.
Busque sempre outras opiniões.

contrário: ele, como muitas outras práticas de uma medicina intervencionista, faz mais mal do que bem. Não é preciso, não é seguro e – pior! – pode desestimular mulheres a viverem seu tão sonhado parto normal depois de uma ou mais cesáreas. E eu conheço, sim, mulheres que deixaram de viver esse sonho em função disso.

Médicos comprometidos com a medicina baseada em evidências e que realmente apoiam a mulher que busca um VBAC não o solicitam espontaneamente. Se o seu médico te pediu o exame como fator determinante para te apoiar ou não no parto normal, sinto lhe informar, mas o melhor seria você deixá-lo de lado e procurar alguém que esteja realmente atualizado sobre isso. Mesmo porquê, ele está mais preocupado com ele do que com você, isso é certo. De forma que você não precisa ter qualquer tipo de culpa por buscar outro médico (aliás, não deve ter nunca…).

Para publicar aqui o conteúdo do link indicado pela Maíra, que sintetiza as principais pesquisas sobre o tema, foi necessário traduzi-lo para o português. Para isso, contei com a fundamental parceria da Miriam Giardini, que o traduziu na íntegra. Miriam é bióloga, doutora em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, com pós-doutorado pelo Institut Pasteur Korea, na Coreia do Sul. Atualmente, ela mora em São Francisco, CA, EUA, e se dedica a cuidar de seus bebês, a Laís, de 2 anos e 9 meses, e o Caio, de 10 meses. E fez a grande gentileza de traduzir o texto para que publicássemos aqui. Como ela não é da área obstétrica, foi necessário fazer uma revisão na tradução, que foi feita justamente pela Maíra Libertad.

Assim, abaixo segue a tradução do link d
o site VBAC FACTS, cujo título é “Predicting uterine rupture by uterine thickness via sonogram“, ou “Prevendo a ruptura uterina pela espessura uterina via ultrassonografia“.

Uma coisa é certa: o tal do exame ultrassonográfico que dizem medir a espessura da cicatriz da cesárea não serve para muito além de te botar medo e representar uma pedra no caminho entre seu sonho de parto normal após cesárea e a concretização do mesmo.

Em tempo: antes de publicar esse texto aqui, procurei a obstetriz Ana Cristina Duarte, que considero uma amiga pessoal e que tem me ajudado muito no meu próprio caminho de empoderamento, e pedi a ela que me sugerisse algumas mulheres que tivessem feito esse exame por indicação de seus obstetras e, mesmo tendo medidas inferiores ao que consideram (desatualizada, sem evidência e erroneamente) suficientemente seguro, conseguiram parir naturalmente sem qualquer problema. Sabem o que ela me respondeu? Que ela não podia me indicar essas mulheres. Simplesmente porque os médicos humanistas com os quais ela convive e trabalha, lá em São Paulo, não pedem esse exame às gestantes que estão em busca de um VBAC. Justamente por saberem da ausência de evidências.
Fica aí a preciosa dica.

Reserve um tempo na sua rotina e leia a tradução abaixo. Vale a pena. Eu já li e garanto: nessa não cairei.

Prevendo a ruptura uterina pela espessura uterina via ultrassonografia
Texto no original: Jennifer Kamel.
Tradução: Miriam Giardini
Revisão: Maíra Libertad
Finalização: Ligia Moreiras Sena

Há duas semanas, a Virginia da Suíça deixou este comentário:
Estou planejando ter um VBAC em um hospital em Genebra, na Suíça. Em geral, eles são bastante favoráveis a VBACs aqui. No entanto, é prática comum aqui medir a cicatriz uterina com 37 semanas de gestação utilizando uma ultrassonografia. Aparentemente, se o tecido da cicatriz estiver com 3,5 mm ou mais – é pouco provável que haja uma ruptura. O meu está com 2,95 mm. O pessoal do hospital diz que tenho 3-4% de chance de ter uma ruptura versus a taxa padrão de 0.05%. Eles me alertaram para o seguinte: serei altamente monitorada durante o parto por causa desses fatores. Você sabe alguma coisa sobre essa teoria ou sabe onde eu posso encontrar mais informações sobre isto?
Tipicamente, a taxa de ruptura estimada para uma mulher com um corte cesariano anterior do tipo biquíni é cerca de meio por cento, ou 0.5%. A espessura da cicatriz/parede uterina e a sua relação com a ruptura é algo que eu já ouvi ser um pouco discutido, mas que não pesquisei pessoalmente.
Minha opinião como leiga? Intuitivamente, isto faz sentido, mas os estudos que existem não são fortes o suficiente para provar isso. Enquanto parece razoável dizer, “Quanto mais espesso for o útero, é menos provável que ele se rompa”, como poderemos saber o que é “espesso o suficiente”? Há vários estudos que focam na medição da espessura uterina via ultrassonografia em mulheres com cesáreas anteriores, dez dos quais estão listados abaixo, mas nenhum deles é forte o suficiente para tornar qualquer decisão definitiva.
Quando olhamos para algo como a ruptura uterina, que acontece em cerca de meio por cento das vezes, precisamos incluir milhares de objetos de teste para podermos obter uma avaliação precisa da frequência dessa ocorrência. E, simplesmente, não encontramos isto aqui. Estes são estudos preliminares interessantes que deveriam ser duplicados utilizando-se milhares de mulheres. Se existe algum jeito de prever com precisão quais cicatrizes sofrerão ruptura, esta é uma informação muito importante para se ter em mãos, mas atualmente as evidências disponíveis são insuficientes.
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