Fui convidada para uma entrevista na Rádio CBN, da qual participei ao vivo no último sábado, 23 de junho.
Foi um bate papo muito bacana com a jornalista Tania Morales, que começou sobre a minha mudança de carreira e de vida em função da maternidade e terminou numa conversa sobre parto, violência obstétrica, parto domiciliar. Para ouvir basta clicar na imagem ao lado.
E na semana passada, as mães blogueiras do Mamatraca, aproveitando as discussões estimuladas pela Marcha do Parto em Casa em todo o Brasil, dedicaram uma semana inteira a falar sobre parto, violência obstétrica, experiências de nascimento. A Priscilla Perlatti, uma das mamatracas e autora do Mãe de Duas, me convidou pra falar sobre violência obstétrica com elas e, então, colaborei com um texto sobre o assunto – que copio abaixo. Durante toda a semana, elas também promoveram um chamado para envio de vídeos com depoimentos pessoais de mulheres contando suas experiências.
Então fiz um videozinho, que elas publicaram ontem, falando sobre um outro lado da violência obstétrica que não tem sido muito discutido: aquela que acontece não no parto, mas durante os 9 meses de gravidez. No vídeo, conto alguns desrespeitos que vivo na gestação, com o objetivo de alertar outras mulheres, gestantes ou futuras gestantes, sobre isso e ajudar a desnaturalizar a questão. Para assistir, basta clicar na imagem e visitar o site delas.
Abaixo, transcrevo o texto que foi publicado lá. E agradeço por esse convite, que me permitiu fazer parte dessa iniciativa tão importante.
“Quando falamos em violência, todo mundo consegue fazer uma ideia do que estamos falando. Tapa, beliscão, surra, agressão física, espancamento, ofensa, humilhação, coação, desprezo pela condição, escárnio, entre tantas outras formas. Mas essas são formas explícitas de violência e quando nos deparamos com elas nas ruas, no dia a dia, não temos dúvida do que são. Mas existem formas de violência que vão além da força e que podem ser ainda mais agressivas ou opressoras. São formas sutis e simbólicas, que se escondem no interior das instituições. Muitas vezes, por serem tão comuns e frequentes, não são vistas como violência, são vistas como ROTINA. Mas não são rotina. Não podem ser rotina… Algo que faz alguém sofrer não poderá, nunca, ser rotina. Uma dessas formas de violência começou a sair da sombra e está sendo bastante discutida e isso é bom: saindo do seu esconderijo e se tornando EVidENTE teremos condições de combatê-la. Muitas mulheres já perceberam que foram vítimas, outras estão em processo de perceber e, o mais importante, as pessoas estão se organizando para enfrentá-la: estamos falando da VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. Muita gente ainda não sabe exatamente o que ela significa. Mesmo entre as mulheres que sofreram suas consequências, algumas ainda não a viram como um problema e, sim, como natural, parte inevitável de um processo. Mas não são naturais.
A violência obstétrica é a violência física, moral, emocional que profissionais de saúde, enfermeiros(as) e médico(as), exercem contra a mulher que vai dar à luz. Seja durante a gestação, seja durante o trabalho de parto, no próprio parto ou ainda no pós-parto, dentro das instituições de saúde. São agressões morais e físicas feitas por profissionais da saúde contra a gestante, com xingamentos, humilhações, piadas de mau gosto, escárnio, ironias e, também, procedimentos dolorosos, exposição física, contenção, impedimento de ser acompanhada por alguém, ser impedida de se movimentar, ser ameaçada, ser impedida de ficar com o filho que acabou de nascer, ter seu períneo cortado, receber muitos toques, feitos de maneira dolorosa e por pessoas diferentes, cesáreas que são feitas sem qualquer indicação real, ainda que o médico leve a mulher a acreditar que houve necessidade, entre tantas outras formas de violência. Não é uma ou outra mulher que passa por isso. São muitas. São milhares. Uma grande pesquisa nacional realizada em 2011 chegou a um número espantoso: 1 em cada 4 mulheres brasileiras sofre violência no parto. Isso significa que a cada 20 leitoras desse texto, 5 podem ter sido desrespeitadas durante o nascimento dos filhos. Não há qualquer predominância de classe ou hospital: pobres ou ricas, nas maternidades particulares ou no SUS, as mulheres estão vulneráveis em um dos momentos mais especiais de suas vidas. Muitas carregam marcas para sempre. A continuidade dessa triste realidade fará com que mais mulheres sejam vítimas: nós, nossas amigas, nossas irmãs, nossas filhas. Por isso, não somente por nós, mas por todas as mulheres, é tão importante que saibamos o que é a violência obstétrica, como ela pode acontecer, como enfrentá-la. O primeiro passo é esse: INFORMAÇÃO. O segundo é: RESISTÊNCIA, não aceitação, enfrentamento. O terceiro é: DENÚNCIA. A mim, como mulher, mãe e pesquisadora, me cabe o primeiro e segundo passos: informar e enfrentá-la. E a cada mulher que passou por isso cabe a DENÚNCIA, inclusive como forma de ajudar a cicatrizar uma ferida aberta na alma… Denunciar não fará ninguém curar a dor de ter sido desrespeitada enquanto um filho nascia. Mas ajudará a mudar esse triste quadro. Quanto mais mulheres tiverem a consciência de que isso existe e de que é inaceitável, mais rapidamente forçaremos os conselhos médicos e os representantes políticos a criarem políticas para nos proteger.
Eu e Ana Carolina Franzon, mães, pesquisadoras e blogueiras, realizamos uma pesquisa informal de março a abril desse ano, o Teste da Violência Obstétrica. Em pouco mais de 40 dias, coletamos 1.966 respostas, respondidas por mulheres que deram a luz, onde foram analisadas as condições da assistência de seus partos. Desse número total, quase a metade das mulheres relataram terem sido vítimas de uma forma de violência; menos da metade se sentiu segura durante seu parto; 356 mulheres se sentiram ameaçadas pela equipe de saúde; 466 tiveram seu períneo cortado; 420 não puderam se movimentar, mesmo querendo; o médico ou o enfermeiro subiu em cima da barriga de 382 mulheres, para empurrar o bebê para baixo; e 1.029 mulheres não puderam segurar seus filhos no colo depois do nascimento… De todas essas mulheres, 615 sentiram-se frustradas por não terem tido o parto como haviam sonhado e 331 sentiram raiva logo após o nascimento dos seus bebês por terem sido mal atendidas. São centenas de mulheres que tiveram a alegria do parto roubada pela equipe de saúde.
Na semana em que as Mamatracas se dedicam a falar sobre parto, a mi
m custa vir aqui pra falar que, nessa hora de alegria, em que vemos pela primeira vez o rostinho dos nossos filhos, quando sentimos pela primeira vez o seu cheirinho, tantas mulheres são desrespeitadas. Mas faço isso com a esperança de que a INFORMAÇÃO seja uma ferramenta de mudança. Que vocês, leitoras, ainda que tenham sido respeitadas em suas escolhas de parto e em suas experiências, sensibilizem-se com as histórias de tantas mulheres. A você que está grávida: não permita que tirem da sua história de vida a alegria plena pelo nascimento do seu filho! Se tem uma máscara que precisa cair na saúde brasileira, é essa.”