Acabo de ver circulando por aí um vídeo onde um garotinho muito pequeno se despede de seu peixinho dourado, que morreu, e o joga no vaso sanitário. Ele lida naturalmente com a situação de perda e é orientado por sua mãe a jogá-lo no vaso, dar descarga e se despedir, e assim faz, sem maiores problemas. Até que, ao se dar conta de que a água levou seu amiguinho embora, ele começa a chorar. Aquele choro sentido de perda que acompanha a criança que se dá conta de que alguém querido foi embora… Muita gente achou o garotinho lindo e aquele gesto emocionante. Mas eu senti foi pena. Não pena apenas por ele estar vivenciando uma situação de perda, mas pelo tipo de “acolhimento” que ele recebeu. Chocou-me um pouco o fato do filho estar chorando pela perda de quem ele gostava e a mãe continuar filmando… Para mim parecia muito óbvio que era momento de desligar a câmera e aninhá-lo nos braços. É possível que aquela tenha sido sua primeira vivência de perda… O que era mais importante, registrar o momento em que ele joga seu amigo no vaso ou cuidar de suas emoções com todo o desvelo e cuidado?
Sinto verdadeiramente que o intuito daquela mãe era apoia-lo naquele momento, não constrangê-lo ou expô-lo, sua voz é carinhosa e ela o abraça. Mas o vídeo reflete algo muito frequente nos dias de hoje, filmados, fotografados e registrados em todas as suas nuances: a banalização do sofrimento. Sofrimento, do mais simples ao mais intenso, tem sido encarado mais como oportunidade de registro que de acolhimento. Pessoas caem nas ruas e são fotografadas. Acidentes de trânsito são fotografados. Brigas entre vizinhos e agressão entre pessoas são filmadas. E postadas e intensamente compartilhadas. O que isso diz sobre nós?
Diz que estamos incapazes de acolher a crise humana, a dor, o sofrimento e de atuarmos como mediadores. Queremos ver sangue, queremos ver a confusão, estimulamos e incentivamos o mal estar coletivo. Estamos incapazes de acolher o choro, a dor. Sentimo-nos confortáveis em ridicularizar o outro, em jogar indiretas, e isso nada mais é que gostar do clima de animosidade, de incentivá-lo, de se sentir confortável neste tipo de situação. Estamos mais preocupados em constranger que em acolher.
Fazer esse tipo de problematização sobre um vídeo aparentemente tão corriqueiro nos ajuda a refletir sobre de que forma estamos, também, acolhendo o choro das crianças e, assim, ensinando-as a acolher a dor do outro – ou a desprezar a dor do outro. O que fazemos quando nossos filhos estão chorando? Nós os mandamos ficar quietos? Engolir o choro? Dizemos que não é motivo para chorar? Contamos até 3 para que o choro passe? Ignoramos o choro para que, assim, a criança “aprenda” (diga-se, seja treinada, tal qual bichinho de estimação) que não vai conseguir o que quer? O que fazemos com o choro infantil? Choro de criança é, por vezes, sua única ou mais contundente forma de dizer que algo ali não vai bem. Pode ser causado por algo grave ou sutil, mas o fato é que choro é manifestação comportamental de tristeza, desagrado, incômodo, desamparo. Ignorá-lo ou tratá-lo com indiferença, além de não amparar ou acolher a criança, ensina a ela que é assim que tratamos a dor das pessoas: como se nada fosse. E daí para a banalização dos sentimentos é um pulo mínimo. Na verdade, já é a própria banalização…
Para alguns, isso parece um exagero ou supervalorização de uma bobagem. E é interessante para o modo de vida atual que assim pareça. Quando somos ignorados em nossas dores, substituímos o acolher pelo adquirir. Compramos afetos, compramos sentimentos em cápsulas, transferimos para coisas a falta que sentimos do humano. E isso vende. De companhia a medicamentos, passando por objetos de uso pessoal e todo tipo de futilidade.
Acolher o choro da criança é acolher o humano nela, em nós, em todos. É o momento de desligar a câmera, o computador, o celular, de pausar a conversa, de baixar o som, de interromper a atividade, de ir até lá, de agachar e abraçá-la e dizer: “O que foi? Venha aqui. O que está errado? Como posso te ajudar?“, e acalmá-la, e aninhá-la, e enxugar carinhosamente seu rosto e dizer: “Vamos respirar fundo e nos acalmar. Estou aqui com você“.
Certa vez, andando por uma rodovia, deparei-me com uma moça chorando copiosamente, andando meio sem direção debaixo do sol muito quente. Pedi para que parassem o carro e desci. Fui até ela. Ela me olhou como se eu fosse uma louca, ou quisesse roubar sua bolsa, ou fosse esfaqueá-la a qualquer momento, até que eu disse: “Vi você chorando. Há algo que eu possa fazer para te ajudar? Quer que te leve a algum lugar?“. Então ela percebeu que era só ajuda que eu queria oferecer. E começou a chorar mais. Perguntei novamente como poderia ajudá-la e ela simplesmente disse: “Já está ajudando…“. Respeitei seu direito de estar sozinha, despedi-me e fui embora. Havia me distanciado quando ela disse: “Viu? Obrigada por ter parado pra ver se eu precisava de algo. É também por isso que estou chorando… As pessoas não se importam mais com os outros…“. E ela tinha razão… Quase fui embora chorando também.
Choro não precisa ser calado ou banalizado.
Choro precisa ser acolhido, entendido e transmutado em empatia, fortalecimento e vínculo.
Vamos desligar nossas câmeras, filmadoras e equipamentos e ligar o humano em nós.
É assim que a gente se conecta. Não postando e compartilhando a dor alheia.