Dormir juntinho, além de ser puro amor, evita que a
mãe que amamenta levante inúmeras vezes à noite
para amamentar. E isso ajuda a evitar desmames
precoces – e mães exaustas. A forma mais indicada é
o bebê dormir entre a mãe e a parede (por exemplo),
não entre os pais.
Você leu em algum lugar que bebês que dormem com os pais têm cinco vezes mais chance de morrer por morte súbita do recém nascido e ficou apavorada?
Calma, amiga mãe! Não criemos pânico – já diria aquele herói atrapalhado… Não seria isso apenas sensacionalismo fruto de um estudo, digamos, também meio atrapalhado?
Vamos, então, falar sobre esse assunto mítico e lendário que ronda o imaginário popular – e também a ciência: dormir com o bebê.
No dia 23 de maio deste ano, a Danielle Romais, cientista que virou mãe cuja história já foi contada aqui no blog, nos enviou a seguinte mensagem:

“Vocês leram o último estudo sobre cama compartilhada e morte súbita do recém nascido?”

As destinatárias: eu e as também cientistas que viraram mães Fernanda Di Flora e Andreia Mortensen. Andreia já é velha conhecida deste blog e de seus leitores, uma vez que sempre publicamos aqui  textos em parceria, especialmente sobre respeito à infância, combate à violência infantil e comentários sobre artigos científicos.
O estudo – que amedrontava mães e pais afirmando que bebês que dormiam com seus pais corriam o risco cinco vezes maior de morte súbita do recém nascido – havia sido publicado no periódico inglês British Medical Journal no dia 20 de maio deste ano, apenas três dias antes da mensagem da Danielle. Por uma coincidência, Andreia estava, naquele momento, lendo as críticas da Tracy Cassels sobre o estudo. Tracy é a autora do site Evolutionary  Parenting, que trata de tudo aquilo que também tratamos aqui: parto, maternidade, gestação, attachment parenting, amamentação, e tudo mais. Tracy é uma referência importante sobre o assunto. É especialista em Ciência Cognitiva pela Universidade da Califórnia, mestre em Psicologia Clínica pela British Columbia e cursando doutorado em Psicologia do Desenvolvimento na mesma universidade, estudando como determinados fatores evolutivos afetam o comportamento empático das crianças. Tracy é mãe da Madaleine, fonte de inspiração. Em resumo: uma cientista que virou mãe. 
Então, Andreia estava exatamente lendo as críticas feitas por Tracy ao artigo mencionado (antes mesmo dele ser disponibilizado nas bases de dados…), e ainda brincou com a gente, dizendo: 

“Vamos torcer pra ninguém dar atenção a isso, porque o estudo está cheio de equívocos”.

Um ou dois dias depois, Andreia nos dava a notícia: já estava na mídia por lá (ela mora nos Estados Unidos). Ainda brinquei com isso na fan page do Cientista Que Virou Mãe no Facebook, dizendo algo como: “Chegando na mídia brasileira notícia sensacionalista e atemorizante para pais que praticam cama compartilhada com os filhos em 3, 2, 1…”
Dito e feito. A BBC Brasil publicou matéria alarmista, com direito a fotinho de bebê dormindo e legenda taxativa abaixo (“Médicos não aconselham compartilhar cama com recém nascido”), que foi replicada por diferentes portais. E aí começou a movimentação de mães apreensivas querendo saber se procedia.
A gente vive em uma sociedade cujo paradigma dominante é ditado pela ciência biomédica, fato. De forma que uma opinião dada por essa área tem servido para legitimar e justificar escolhas – mesmo quando não dizem nada de muito consistente. Isso é fruto de muitas coisas, mas também da insegurança das pessoas com os motivos de suas próprias escolhas. Exemplos não nos faltam. O pessoal que não gostava (abominava?) a ideia de parto em casa começou a aceitar depois que se informou (por  meio da medicina baseada em evidências) e viu que os riscos não eram maiores não senhor, ao contrário do que acreditava – ainda que aqueles que optavam por essa forma de nascimento não o fizessem por motivos científicos e, sim, por uma questão de valores/filosofia/outras crenças pessoais. O pessoal que gostava de andador passou a deixá-lo de lado depois que começaram a sair estudos (biomédicos) mostrando seus riscos (mesmo que antes disso o pessoal já falasse que isso não era uma boa, já que forçava artificialmente o desenvolvimento motor do bebê). E mais uma infinidade de outros exemplos. 
Sensacionalismo,
manipulação e
má informação.
Onde quero chegar? 
Se um estudo aparece dizendo “DORMIR COM O FILHO MATA”, quem justifica suas escolhas com base no paradigma biomédico já entra em parafuso, dá adeus à cama compartilhada e monta o berço.
Mas a gente tem que lembr
ar que quem faz ciência são seres humanos, pessoas dotadas de crenças, valores e filosofias pré-estabelecidas, e que essa de ciência neutra é quase uma entidade espiritual: por mais que você creia nela, é difícil de encontrar por aí… E, mais importante: como tudo o que é feito por pessoas, é passível de erro.
Então nós lemos as críticas da Tracy Cassels ao artigo científico publicado, gostamos muito e quisemos publicar. Por uma questão de transparência, fizemos questão de perguntar a ela se poderíamos traduzi-lo para publicar aqui e ela autorizou – muito obrigada, Tracy.
Andreia, então, preparou uma breve introdução às críticas, com o objetivo de contextualizá-las e ambas – introdução e críticas ao estudo – encontram-se abaixo. É um texto longo e absolutamente relevante, que mostra como a conclusão de que bebês que dormem com seus pais correm cinco vezes mais risco de morte súbita do recém nascido foi tomada de maneira equivocada e cheia de viés científico.
De qualquer forma, estudos científicos à parte, milhares de famílias vêm fazendo a opção de dormir  

junto com seus bebês, por motivos que vão desde a comodidade da mãe nutriz, que amamenta, até a escolha por segurança e proximidade física e emocional também à noite. Cada vez mais famílias vêm adaptando suas noites de sono para estar mais perto de seus bebês e, assim, terem noites mais tranquilas. Há os que dormem com o bebê no mesmo colchão, há os que emendam um colchão no outro ou uma cama na outra, há os que adaptam berços para que sirvam como um prolongamento da cama, há os que adaptam a ideia das mais criativas maneiras para suas necessidades. Os benefícios são muitos, para a criança e para os adultos, comprovados não (apenas) pela ciência, mas pela experiência empírica cotidiana de milhares de famílias. A convicção da família por uma escolha deveria bastar para avalizar e legitimar uma escolha tão pessoal. Mas como vivemos no tal paradigma biomédico, voilá, vamos analisar então o estudo…

Se você, depois, quiser ler mais sobre o tema, aqui no blog há alguns textos sobre o assunto, como essee esse. E se quiser trocar mais ideias sobre o assunto, lá no grupo MaternidadeConsciente há centenas de famílias que fizeram essa opção, prontas para dar dicas e compartilhar suas vivências.
Contextualização por Andreia Mortensen

Antes de criticar o estudo, vamos fazer um resumo do que se trata. Esse artigo é uma meta-análise, ou seja, os pesquisadores selecionaram vários artigos de estudos realizados anteriormente, feitos de maneiras diferentes, e analisaram de forma a tirar conclusões gerais do apanhado de resultados dos vários estudos.
Meta-análises tem pontos fortes mas tem também limitações. Nesse caso, os estudos anteriores selecionados e agrupados foram feitos analisando-se certificados de óbitos e investigações governamentais das mortes dos bebês, e um grande problema é que não há consistência nos relatórios (tanto na maneira com que são feitos como nos fatores que são relatados). Há casos que nem há informação sobre o tipo de superfície que o bebê dormia! Então, esse tipo de ciência pode ser muito imprecisa.

Resumo do artigo

Objetivos: Analisar e resolver as incertezas sobre os riscos da Síndrome de Morte Súbita Infantil (SMSI) em relação a local de sono, especificamente quando se compartilha a cama com os pais, se ambos não fumam e se o bebê é amamentado.
Estratégia: Cama compartilhada foi definida como bebê dormindo na mesma cama dos pais, quarto compartilhado como bebê dormindo no mesmo quarto dos pais. A frequência de cama compartilhada nos últimos dias de vida do bebê foi comparada entre bebês que faleceram de SMSI e bebês vivos (controle). Cinco banco de dados grandes de casos de SMSI foram combinados. Dados ausentes foram imputados. Efeitos casuais randômicos de regressão logística foram analisados em fatores confundidores.
Cenário: arranjos de sono domésticos de bebês em 19 estudos na Inglaterra, Europa e Australásia.
Participantes:  1.472 casos de SMSI e 4.679 controles. Cada estudo incluiu todos os casos usando critérios padrão. Os controles foram selecionados arbitrariamente entre crianças normais da idade, tempo e lugares semelhantes.
Resultados:  ao combinar todos os dados observamos 22,2 % dos casos de SMSI e 9.6 % dos controles compartilhavam a cama. Dados ajustados para proporção de possibilidades (em inglês adjusted odds ratio, AOR) em todas idades foram 2,7; com intervalo de confiança de 95 % (1,4 a 5,3). Os riscos da cama compartilhada diminuem conforme o bebê é mais velho. Na ausência de fumo dos pais, quando o bebê tem menos de 3 meses, é amamentado e não há outros fatores de risco, o AOR da cama compartilhada versus quarto compartilhado foi de 5,1 (2,3 a 11,4) e o risco absoluto estimado para esses bebês que compartilham o quarto foi bem pequeno (0,08 (0,05 a 0,14)/1000 nascidos vivos). Isto aumentou para 0,23 (0,11 a 0,43)/1000 quando compartilham a cama. Fumo e álcool aumentam muito o risco da cama compartilhada.
Conclusões: A prática da cama compartilhada quando os pais não fumam, ingerem álcool ou consomem drogas, aumenta o risco de SMSI. Os riscos associados com a cama compartilhada aumentam bastante quando combinados com o consumo de álcool, fumo e uso de drogas (maternal e paternal). Uma redução substancial nas taxas de SMSI pode ser alcançada se os pais evitarem compartilhar a cama.

Síndrome de morte súbita infantil (SMSI): Riscos e Realidades – críticas ao artigo: “Bed sharing when parents do not smoke: is there a risk of SidS? An individual level analysis of five major case–control studies”, BMJ Open 2013;3:e002299 doi:10.1136/bmjopen-2012-002299. Paediatrics. Carpenter R, McGarvey C, Mitchell EA, Tappin DM, Vennemann MM, Smuk M, Carpenter JR. http://bmjopen.bmj.com/content/3/5/e002299.abstract

Autores:
Sarah Ockwell-Smith
BabyCalming.com
Professor Wendy Middlemiss, University of North Texas
Tracy Cassels, University of British Columbia, EvolutionaryParenting.com
Helen Stevens, Safe Sleep Space
Professor Darcia Narvaez, University of Notre Dame
Professor Kathy Kendall-Tackett, Texas Tech and University of New Hampshire
Tradução da Paula Beça, revisão de Andréia Mortensen

Nesse estudo, o pesquisador Carpenter e colaboradores analisaram os riscos associados à incidência de SMSI (em inglês SidS) através de uma meta-análise, onde vários estudos anteriores são agrupados e os resultados analisados.

Nosso objetivo é questionar suas conclusões, pois vários dados usados no estudo são inconclusivos, bem como houve uma confusão nos critérios utilizados para definir o que é a cama compartilhada e quais seus riscos.

O estudo analisa alguns dos fatores de risco mais importantes para SMSI –  posição de dormir, se os pais fumam, peso de nascimento do bebê e idade. Já se sabe que esses são os principais fatores que interferem nos riscos de SMSI, e um estudo onde esses fatores são reavaliados tem seu mérito.
O quadro 1 mostra que os riscos analisados contribuem significativamente para o aumento da possibilidade de SMSI. Mas também há outros fatores, como roupa de cama, temperatura e outros, que foram ignorados (veja tabela no final do texto com uma lista de fatores NÃO analisados nesse estudo).
Sem considerar todos os outros possíveis fatores, NÃO é possível determinar que uma variável sozinha, como compartilhar a cama, seja inerentemente responsável pelo risco remanescente observado neste estudo. Também não é possível afirmar que uma das variáveis do ritual de sono, como a amamentação, não seja protetora (ou seja, diminui o risco de SMSI).
Então, apesar dessas grandes limitações do estudo foram feitas declarações arrebatadoras e amplas sobre os riscos de SMSI com base nesta análise.

Há também mais duas questões muito preocupantes nesse artigo:

O primeiro é a maneira com que trataram a variável ‘amamentação’. Bem no final do artigo há uma recomendação de que o aleitamento materno possa ser um mecanismo de proteção a saúde infantil. Porém, na tentativa de analisar se a amamentação é um fator de proteção para SMSI na presença de c

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