Há cerca de duas semanas, a jornalista Tatiana Pronin me telefonou, por recomendação da colega Andreia Mortensen, para uma entrevista sobre cama compartilhada.
O interessa da jornalista, segundo o que me foi explicado por ela, era elaborar uma matéria mostrando porque, embora alguns médicos condenem a prática, cada vez mais famílias têm adotado a forma compartilhada de dormir.
A matéria saiu hoje no caderno Ciência e Saúde do UOL e você pode acessá-la por aqui.
No geral, é uma boa matéria. No entanto, está claro que ela tende mais para o lado do “CUidADO, PERIGO!” do que para o lado do “SIM, É BOM E FAZ BEM!”. Tanto é assim que a legenda da imagem escolhida diz “Quem opta por trazer a criança para o quarto deve tomar certos cuidados“, quando poderia ser “Quem opta por trazer a criança para o quarto assim o faz por ver, na prática, apenas benefícios“. Além disso, a posição alarmista da categoria médica, apresentada na matéria, pode impressionar ou desestimular famílias que ainda não se sintam familiarizadas com a prática de dormir junto aos filhos. Mas isso não é assim tão surpreendente, essa parece ser a preferência dos meios de comunicação de massa, infelizmente, valorizar o alarmismo médico em detrimento de evidências contrárias, científicas ou obtidas junto a centenas de famílias.
Acredito que isso possa acontecer tanto em função da hipervalorização da opinião médica que ocorre nos dias atuais, marcados pela violenta medicalização da vida, com aspectos absolutamente rotineiros e cotidianos interpretados como sendo de domínio médico, quando não o são, quanto por desconhecimento sobre os motivos pelos quais as famílias optam por dormir com os filhos.
Portanto, faço aqui algumas considerações importantes sobre a matéria.
Em primeiro lugar, a Clara é Clara, não Maria Clara (risos), mas tudo bem.
O que é realmente relevante:
- Eu não notei que as noites em que minha filha dormia com a gente eram as melhores, porque eu não tive termo de comparação. E eu não tive termo de comparação simplesmente porque ela nunca dormiu separada, justamente porque os benefícios sempre foram tão grandes que não havia justificativa qualquer para fazê-la dormir sozinha em seu quarto.
- O risco de sufocamento do bebê que dorme com o pai é tão grande quanto o risco de sufocamento da criança que dorme sozinha com travesseiro, cobertor, protetor de berço e mais um monte de adereços que podem contribuir para isso.
- O pediatra consultado diz que os bebês somente devem dormir no quarto dos pais durante o primeiro mês de vida, porque isso diminui a ansiedade e facilita a amamentação. Pergunta 1: se a amamentação, de acordo com o que recomenda a Organização Mundial de Saúde, deve ocorrer com exclusividade por no mínimo 6 meses e prolongadamente por 2 anos ou mais, por que práticas que a facilitem devem ser realizadas somente no primeiro mês? Pergunta 2: se a tão conhecida “ansiedade de separação” que acomete bebês tende a acontecer após o primeiro mês de vida, por que práticas que diminuam a ansiedade devem, também, ser realizadas somente no primeiro mês? O que acontece a partir do 32o. dia de vida do bebê para que, a partir de então, ele não possa mais dormir com os pais? Isso não parece ser uma visão generalizadora demais, colocando todos os bebês em um pacote único, como se todos se comportassem da mesma maneira? Um bebê de 2 meses também não merece dormir menos ansioso? E a emocionalidade da mãe, onde entra nessa história? Será que dormir junto ao filho somente beneficia ao filho? Obviamente que não. As mães também são as beneficiadas, uma vez que precisam se levantar muito menos à noite para atender as necessidades do filho, dormir próximo estimula ainda mais a produção de leite e sono tende a ser mais restaurador do que quando o bebê dorme sozinho em seu quarto
- O risco de mortalidade associado à cama compartilhada é inferior ao risco de morte súbita do lactente quando este dorme sozinho em seu quarto. Em outras palavras: dormir sozinho em seu quarto aumenta as chances da morte súbita do recém nascido, pelo simples fato que qualquer alteração com o bebê demora muito mais para ser percebida, diminuindo também as chances de socorro.
- Um estudo realizado por pesquisadores do Departamento de Neurologia da Universidade da California conclui que, na população investigada, a prática do co-sleeping melhora a qualidade do sono dos bebês, diminui o número de vezes que acordam à noite e, mais importante, diminui os riscos de morte pela síndrome da morte súbita do recém-nascido, ao contrário do que o senso comum, reforçado pelo alarmismo médico, acredita.
- Embora a matéria cite um estudo americano para dizer que 515 crianças pequenas morreram ao dividir a cama com os pais, outros grandes estudos mostram que, das centenas de crianças que morrem durante o sono, em todo o mundo, mais de 70% dormiam sozinhas… Dormir junto, portanto, não parece ter sido a causa dessas 515 crianças mortas…
- Os cuidados que devemos ter para fazer a cama compartilhada, na verdade, não são cuidados. É bom senso. Não dormir embriagado, sob efeito de psicotrópicos, com excesso de cobertores, são cuidados que todos devemos ter independente de onde dorme o filho. Fazer tudo isso quando o filho dorme separado não traz nenhum alívio, pelo contrário. Se ele precisar de você, estando longe, você também não vai poder ajudar…
- A matéria diz que, embora eu não dê detalhes da minha vida sexual, eu garanto que está tudo bem (risos, muitos risos). É, eu não dei detalhes. Mas garanto que a cama compartilhada não afeta a vida sexual de quem a pratica. Afinal de contas, criatividade não é importante apenas para a criação de filhos. É importantíssima, principalmente, para a vida do casal. Casal sem criatividade é casal triste. Quem compartilha a cama com o filho e diz que isso prejudicou a vida sexual, na verdade, está usando isso como desculpa para alguma outra questão… Se a vida sexual não está boa, não é porque seu bebê dorme junto com você. Pense bem o que está errado aí e responsabilize o que, de fato, precisa ser responsabilizado. Afinal de contas, não existe só a cama para as horas boas da vida. Ou estou errada?
- Sim, a criança pode aprender que os pais têm uma relação que não a envolvem, como afirma a psicanalista. Mas existem diversas formas de mostrar isso a uma criança, no dia-a-dia. Inclusive mostrando a ela que a relação do pai e da mãe não acontecem somente à noite, mas durante todo o tempo, enquanto, juntos, a criam com afeto e amor.