Quando se fala em doença psiquiátrica, é provável que a maioria das pessoas associe o termo a “loucura”, entendida como “coisa que deixa uma pessoa completamente doida e sem condições de responder por si”. Se a gente disser para uma pessoa mal informada que fulano de tal tem um transtorno psiquiátrico, provavelmente essa pessoa já vai imaginar que o cara vê coisa onde não há coisa, ouve vozes, tem síndrome persecutória ou paranóica, sintomas associados a apenas um tipo de transtorno psiquiátrico: a esquizofrenia.
Muita calma nessa hora. A esquizofrenia é apenas um dos transtornos psiquiátricos e não é nem de longe o mais prevalente. Os mais frequentes entre a população em geral são alguns que você com certeza está cansado de ouvir falar: ansiedade e depressão. Ou seja, uma pessoa com ansiedade patológica ou depressão diagnosticadas tem, sim, um transtorno psiquiátrico. De forma que é quase verdade aquele lance de que “de louco todo mundo tem um pouco”.
Um adendo importante: nem me venha dizer que “Ah, eu tenho, eu tenho! Eu tenho depressão, ando muito triste e desanimado!” ou algo como “Ai, ansiedade… Sim, eu sofro de ansiedade patológica”. Se você não foi diagnosticado por um médico psiquiatra, que deve seguir uma complexa metodologia de diagnóstico para concluir que isso é verdade, você não tem nada disso não… Você pode estar triste ou desanimado sim, mas não obrigatoriamente deprimido. Você pode ser mais ansioso que a média das pessoas, ou estar vivendo um momento de maior ansiedade, mas isso não quer dizer que você seja portador do Transtorno de Ansiedade Generalizada, ou do Transtorno do Pânico, ou de qualquer um dos mais de 10 subtipos de ansiedade. Isso é um grande problema de saúde pública, porque quando as pessoas acham que têm essas coisas e pronto, elas tendem a acreditar em falsos ou imprecisos diagnósticos e daí a aceitar a prescrição de ansiolíticos ou antidepressivos como a solução mágica para seus problemas é um pulo minúsculo.
E aí, o que acontece? A pessoa começa um tratamento mal prescrito, para algo que ela de fato não tem, modifica artificialmente o comportamento, tem a falsa sensação de que “ah, como tudo está bem agora, obrigada Senhor por este comprimido”, toca a vida como se nada tivesse acontecido, não vai atrás da causa real do problema e quando a cartela acabar… cadê minha receitinha azul travêis? E assim, centenas de milhares de pessoas, a cada dia, usam os fármacos psicoativos como muletas para lidar com as adversidades gerais da vida. Muletas artificiais que não a farão crescer, não a ajudarão a encontrar possíveis soluções para os problemas naturais da condição humana ou, mais triste ainda, não facilitarão o despertar de habilidades de enfrentamento que a pessoa poderia vir a descobrir nela mesma, aumentando sua auto-estima e contribuindo para a melhoria de seu auto-conceito. Não, não sou contra o uso de psicofármacos. Sou contra fazer deles seu melhor amigo, sou contra utilizá-los para mascarar a realidade, sou contra depositar sobre eles a responsabilidade por sua própria vida, com os problemas ou alegrias inerentes a ela. Por exemplo: se você só dorme tomando bola, meu amigo, já parou pra pensar porque tem insônia crônica? E já foi atrás de uma solução real, e não farmacológica, para a questão? Claro que isso é mais trabalhoso do que virar para o criado-mudo e mandar pra goela, à la Dr. House, seu antídoto diário contra problemas. Capota e tá bom, até amanhã. Isso é, inclusive, um passaporte rápido para sedativos mais poderosos. Michel Jackson terminou dormindo à base de propofol, veja que coisa, mas duvido que tenha começado com ele…
Enfim, qual o objetivo desse bla bla bla todo? É dizer que todo mundo tem problemas, sim. Mas o número de pessoas diagnosticadas com os ditos “transtornos psiquiátricos da modernidade”, como os transtornos de ansiedade, os transtornos depressivos e outras condições que vão minando a vida da pessoa, está aumentando MEEEESMO. São múltiplas as explicações para a causa disso e muitos dizem que “é a vida moderna, cheia de tecnologia e vazia de conteúdo realmente válido, que tem favorecido isso”. Pode ser. Mas é simplista demais, isso, pra mim…
Com certeza, não sou a primeira a dizer: vem cá! Esse povo todo inseguro, com problema de auto-estima, sofrendo dos mais angustiantes transtornos psiquiátricos, desenvolvendo crise de pânico como quem vai ao supermercado, deitado numa cama arrasado pela depressão, não pode, também, ser fruto de um tratamento não muito bacana na infância?
É claro que pode.
Então, quando forem discutidas medidas que visem diminuir a prevalência desses transtornos, não basta dizer: fazer atividade física, meditar, relaxar, ter um hobbie, dar menos valor ao dinheiro e mais valor aos amigos, à família, fazer yoga, viver em meio à natureza, desligar o computador e sei lá mais o que. Claro que isso é bacana, mas talvez não seja suficiente. Tem que dizer também: DAR ATENÇÃO À QUALidADE DA ATENÇÃO QUE AS CRIANÇAS ESTÃO RECEBENDO. Porque, afinal de contas, esses pequenos que aí estão serão os grandes de amanhã. Se eles forem tratados com desdém, como obrigação e não como escolha, daqui a uns 15, 20 anos, não me venha dizer que foi o “mundo moderno” que os deixou assim, ok?
Eu gostaria de ver um estudo longitudinal de 20 anos, associando a qualidade da educação e do afeto recebido com a prevalência de ocorrência ou não de transtornos psiquiátricos, mas taí um estudo difícil de ser feito.
Tem uma abinha aberta aqui no meu computador desde o dia 07 de julho. Eu encontrei a matéria e a deixei guardada aqui pra falar a respeito. A matéria tem como título “Em painel internacional, psiquiatras definem prioridade a crianças“. Fala, resumidamente, o seguinte. Aconteceu um painel que reuniu 400 cientistas, clínicos e representantes dos pacientes com problemas mentais, membros de um projeto chamado Grand Challenges in Global Mental Health (Grandes Desafios em Saúde Mental Global), dos EUA. O relatório produzido aponta 25 itens que devem ser prioridades nos próximos 10 anos, que podem ser capazes de reduzir o impacto de doenças mentais. E, de acordo com a reportagem, “um dos pontos de consenso do relatório foi a necessidade de colocar mais em foco a atenção dada a crianças“. De acordo com a psiquiatra Isabel Bordin, da Unifesp, que é também membro do Grand Challenges, “muitos problemas de saúde mental em adultos têm origem na infância ou na adolescência”.
Então, meu povo de Sucupira, é com a alma lavada e enxaguada que eu digo: quando a gente fala sobre maternar de maneira consciente, ativa, conectada, amorosa, de estar ligado no que o filho precisa, nos sinais que ele manda, de rejeitar padrões pré-estabelecidos simplesmente porque “ah, todo mundo faz assim” ou “mas o moço do posto falou que é assim que se faz”, não é porque a gente gosta de um bla bla bla bicho grilento, ou porque nós somos gente da Era de Aquarius, vivendo num musical como Hair, cheio de flor no cabelo, sandalinha de couro e perna peluda, ou porque a gente gosta de ir contra o que é hegemônico. É também porque a gente quer c
riar gente que, lá na frente, não sofra de transtorno de ansiedade generalizada, não seja presa fácil da depressão, não desenvolva um transtorno obsessivo-compulsivo, ou qualquer outra coisa dessas que traz tanto sofrimento e movimenta milhões em psicofármacos. Claro que nada é matemático, como eu disse hoje numa mensagem, e não podemos garantir que nada disso vá deixar de acontecer. Mas, vem cá, não precisa ter muito neurônio pra entender que quanto mais amor, quanto mais afeto, quanto mais comunicacão, e entrega, e conexão e reflexão a respeito, mais segura vai crescer essa criança. Mais amada ela vai se sentir. Mais forte e resiliente ela será.
Ainda não inventaram, na minha humilde opinião, nenhum neuromodulador e neuroprotetor mais poderoso que o amor. E se as indústrias farmacêuticas fossem bem espertas – como são – proibiriam esse bando de mulheres que, como eu, procuram maternar conscientemente
Eu falo sobre algo parecido na postagem “Pra quê rimar amor e dor?“, quando falo sobre os efeitos da violência infantil sobre a personalidade que está se formando.
Esse texto é uma resposta a uma frase torpe que eu ouvi hoje, acidentalmente, da boca de uma mulher muito bem vestida que, com toda a certeza, se acha bastante engraçada: “nada melhor pra curar um trauma de infância do que um Prozac“. Ao lado dela estavam duas crianças de uns 5 a 10 anos, esperando ela fumar o cigarrinho dela pra irem pra casa, nesse frio de Florianópolis.
Como diria o Calvin para o Haroldo, numa hora dessas: