Confesso que hoje bateu um desânimo…

Primeiro, a divulgação da decisão das maternidades Santa Joana e Pró-Mater, em São Paulo, de que a partir de agora (e até que alguém derrube isso legalmente) está proibida a entrada da doula no parto. Por qual motivo?
Bom, aí depende.
O motivo que eles dão é “manter os menores índices de infecção hospitalar, priorizando a saúde da mãe e do bebê” (trecho de justificativa da Maternidade Santa Joana para a proibição).
O motivo real é: ajudar a manter as taxas de cesarianas em 92% e 89%, respectivamente, afinal é isso que enche os bolsos dessas instituições…
Achou isso meio “teoria da conspiração”
Ficou tentado a dizer “ah, mas é um bom motivo, gente…”?. 
Não… Você não é daqueles que simplesmente acreditam no que dizem por aí sem ir a fundo na questão, né? Ou é?
Por que sabemos que o motivo não tem nada a ver com “priorizar a saúde da mãe e do bebê”
Por dois motivos, no mínimo.
Primeiro: quem abre a barriga de 92% das mães que chegam lá, quando a Organização Mundial de Saúde recomenda um máximo de 15% de cesáreas (independentemente desse papinho de “foi a mãe que pediu”, porque a gente sabe muito bem do poder de coação dos médicos e de que o medo da violência obstétrica tem empurrado mesmo as mulheres à cesárea), obviamente não prioriza saúde de ninguém, nem da mãe, nem do bebê, apenas a sua própria saúde financeira. E outra: doula aumenta a chance de infecção. Fotógrafo e cinegrafista não. Arram. 
Segundo: não há na literatura evidências que indiquem que a DOULA representa risco de infecção hospitalar. 
Pelo contrário.
Lá no site da Organização Mundial de Saúde (veja, não estamos falando “lá na revista Caras”, estamos falando da OMS), está disponível um trabalho importantíssimo intitulado: “Continuous support for women during childbirth“, ou “Apoio/suporte/amparo contínuo a mulheres em trabalho de parto e parto“. Em resumo, o trabalho diz o seguinte:

Em comparação com os cuidados comumente vistos, o oferecimento de apoio contínuo à mulher durante o trabalho de parto aumenta as chances de um parto vaginal espontâneo, reduz a duração do trabalho de parto e do uso de analgesia e diminui a incidência de cesáreas e parto instrumental. Além disso, diminui as chances dos bebês nascerem com Apgar inferior a 5, além do fato de que as mães expressam mais satisfação com a experiência de parto.

É uma revisão bem completa feita pelas autoras a partir dos registros da Biblioteca Cochrane, sem restrições de local ou língua em que o artigo foi publicado. Os artigos incluídos na revisão envolveram mais de 15 mil mulheres em diferentes condições hospitalares. As autoras (Melania entre elas) mostram que, com base em estudos controlados, os benefícios do suporte intraparto contínuo estão bem estabelecidos e em nenhum momento há menção a aumento de infecções hospitalares de qualquer tipo
Então, não há qualquer embasamento para que Casa da Mãe Joana e Contra-Matre falem um absurdo desses. Não querem doula lá porque isso atrapalha o plano de fazer cesárea, #fato.
Associado a isso, há uma questão tão importante quanto. Eles não dizem “está proibida a entrada da doula”. Dizem: “a partir de agora, só será permitida a entrada de 1 acompanhante”. Ou seja, mãezinha,  você vai precisar escolher: entra o pai ou entra a doula. Isso diz mais sobre essas instituições: elas não reconhecem o pai como PAI. O reconhecem como “acompanhante”. Bem diferente dos hospitais que, muito lentamente ainda, já estão reconhecendo a importância da presença do pai e da doula, sem que sejam excludentes. 
Bem, essa decisão gerou uma tonelada de protestos e um passarinho me contou que, disso, vai sair uma manifestação. Esse povo não entendeu ainda que não é mais época de mandos e desmandos sem que haja uma força contrária da mesma intensidade. Vai ver faltaram na aula de física e de mídias sociais e empoderamento feminino.

– Pelo direito da mulher de ser acompanhada por uma doula sem que precise escolher entre seu acompanhante e ela: assine essa petição –


O segundo motivo de desânimo foi uma postagem da mesma Maternidade Casa da Mãe Joana incentivando o racismo e o preconceito. Postaram uma foto de uma menininha linda, negra, associada a um post onde supostamente (dizem eles…) estariam orientando mães sobre os produtos químicos mais adequados para fazer o alisamento do cabelo das meninas para que “fiquem mais bonitinhas”. Gerou um tanto de revolta, um tanto de manifestação na página deles no Facebook e por volta das 19 horas tiraram-na do ar, com uma desculpinha daquelas bem rota e esfarrapada de que “não tínhamos a intenção de ofender a ninguém e bla bla bla, whiskas sachê“. Não tinham a intenção de ofender. Mas ofenderam. O post não tinha nada demais. Mas tiraram do ar. Coisas loucas do pós-fim do mundo.

Aí vi a terceira notícia triste do dia. O Maurício de Sousa, ele, o criador da Turma da Mônica, que acompanhou tanta gente em sua infância (e ainda acompanha), fez uma visitinha ao Geraldo Alckmin, aquela pessoa super vanguardista, para pedir que  ele NÃO APROVE a lei que proíbe a venda casada de junk food e brinquedos. Enquanto o Instituto de Defesa do Consumidor, o Instituto Alana e tantas outras instituições estão lutando pela melhoria da alimentação infantil, o pai da Mônica dá uma dessas? Ah não… Deu tristeza. 
Bons tempos aqueles em que a Magali só comia melancia… Hoje ela come Miojo Turma da Mônica, Hamburguer Turma da Mônica, mortadela Turma da Mônica e maçã… ah, só se for Turma da Mônica também. Em seu discurso, Maurício diz, em resumo, que as coi$a$ e$tão muito radicai$… E que é preci$o pen$ar na economia e na liberdade da$ criança$ (WTF?)…

Bom, eu já estava jogada nas cordas, triste por esse dia bizarro, quando chegou, via compartilhamento por minha co-orientadora, Simone Diniz, a postagem que salvou o dia. 
Vem de um blog. Um blog chamado Dádádáda Gabi Sallit.
Gabi é advogada. E o que ela divulga no blog dela é uma notícia que eu já sabia (porque a Ana Paula Garcia já havia me contado).
E tem a ver com isso aqui.


Isso aí – escreve aí no seu caderninho – isso aí vai mudar o rumo das coisas. 
E foi quando eu li o post da Gabi que respirei fundo e lembrei do meu mantra “Tô vendo uma esperança…”.

A moral do dia de hoje é: não há mal que sempre dure. Pode ser hegemônico, pode incomodar, mas não vai durar para sempre.
Com mobilização e sem fazer de conta que não vimos, vamos conseguir aos poucos mudar essa realidade suja e fedida.
Não aceitam doulas? Vão aceitar.
Postaram coisa racista e preconceituosa? Vão remover.
Defenderam seus próprios interesses em detrimento das crianças? Vão se desmoralizar.
Violentou uma mulher em seu parto? Ah, seu dotô… Comece a rezar.

*As imagens foram emprestadas de:
– primeira: Melania Amorim
– terceira: Nanda Café
– quinta: Gabi Sellit

Leave a Reply