Certa tarde, Clara, minha filha, estava brincando entre o quintal e a sala, entrando e saindo dezenas de vezes, quando se irritou seriamente com alguma coisa e atirou longe um objeto, com raiva. Nervosa, começou a chorar muito, um choro sentido, de lágrimas escorrendo pelo rostinho triste. Eu estava por ali ao lado, fazendo algumas coisas na casa. Deixei o que estava fazendo e fui conversar com ela. Perguntei o que tinha acontecido e ela não queria falar. Então disse: “Filha, será que você não está com sono?”. “Acho que sim, mãe”, ela responde para minha grande surpresa. “Não acha melhor ir lá na cama tirar um soninho?”. Ela parou de chorar, eu a abracei, enxuguei seu rostinho e ela foi caminhando, por si só, até o quarto e se atirou na cama, a cama de casal onde, ao lado, em uma caminha auxiliar, ela dorme durante as noites. Corrijo-me: onde ela dormia… 
Então fui atrás para aconchegá-la, tirar o sapatinho, fechar uma das persianas. Abaixei-me, dei um beijo e fui arrumá-la na cama, quando ela, bem delicadamente, me disse: “Eu já sei sozinha, mamãe”. “Já sabe sozinha o que, filha?”. “Eu já sei dormir sozinha”. Ela estava simplesmente me dizendo que já sabia dormir e que o sono viria sozinho. Assim, de maneira bem simples, estava me dizendo que eu não precisava estar ali…
Então dei-lhe um beijinho, disse que a amava, saí e encostei a porta.
Fui à sacada e pensei: “Ela já sabe dormir sozinha…”. Minha filha estava me mostrando que estava pronta para a conquista de seu próprio espaço…

Desde que ela nasceu, nós compartilhamos nosso quarto. Aconteceu sem qualquer planejamento: durante a gravidez nós montamos um quarto lindo para ela, com berço e tudo mais. Mas ela nunca dormiu sequer uma noite por lá e, com o tempo, desmontamos tudo. Dormir com a gente foi uma escolha natural, instintiva, que foi feita pelos inúmeros benefícios que fomos observando durante o percurso. Bom para a amamentação, bom para a qualidade do nosso sono (de todos), bom pelo afeto e amor durante toda a noite, bom para aumentar nossa união, bom para transmitir-lhe segurança durante as noites e para ajudar a tornar o sono dela mais tranquilo e melhor. Ela não teve crises de choro inexplicadas durante a noite, eu nunca precisei me deslocar para amamentá-la, seu pai nunca precisou levantar no frio para acolhê-la. Dormimos, durante esse tempo, em diferentes formatos: carrinho ao lado da cama, junto na mesma cama, bercinho auxiliar ao lado da cama, adotamos a cama no chão (que adoramos) e, por fim, há mais de 1 ano, dormíamos com ela ao lado, em uma caminha auxiliar. Não foi um movimento feito por mim, a mãe, ao contrário do que algumas pessoas pensam, que isso é coisa da mãe e que o pai vai no embalo. Não. O pai dela sempre preferiu assim e sempre disse que não conseguia imaginá-la, tão pequena, tão novinha, dormindo longe da gente. Foram incontáveis noites em que eu, indo dormir depois deles, os encontrei agarrados e trocando cafunés. Hoje, eles são absolutamente próximos e parceiros e sei que o fato de estarmos sempre juntos, inclusive durante as noites, contribuiu para isso.  Se você quiser saber mais sobre cama ou quarto compartilhado, já dei algumas entrevistas sobre isso e escrevi sobre o assunto aqui também. Dá uma lida no texto “Cama compartilhada: por que é bom e seguro?”, vai te tirar muitas dúvidas.

E eis então que, agora, eu acabara de ouvir da minha filha que ela já sabia dormir sozinha…
Talvez fosse a hora de montar um quarto de dormir só dela…
Ela já tinha um quarto de brincar (veja aqui), que montei para que percebesse que havia outros lugares de dormir além do quarto em que dormia com sua mãe e pai, além de servir como um lugar onde ela podia brincar nos momentos em que quisesse ficar sozinha – crianças também gostam de ficar sozinhas algum tempo, é importante para elas, é quando a criatividade aflora de maneira mais forte e onde elas criam mundos, reorganizam pensamentos e dão significado às brincadeiras. Mas ele funcionava junto com o escritório do papai e, embora ela gostasse, não era seu quarto de dormir. 

Fiquei com aquilo na cabeça três dias, esperei chegar o fim de semana e então, em um sábado, eu, ela e seu pai saímos para procurar algumas coisas que pudéssemos utilizar para organizar seu quartinho novo. Saímos sem ideia definida, esperando as coisas se mostrarem. Não seriam necessárias grandes aquisições: eu queria manter a ideia de cama ao nível do chão, prateleiras da altura dela em armarinhos pequenos onde os brinquedos pudessem estar organizados e à vista, cores claras, que transmitissem tranquilidade e, o mais importante: que ela se sentisse bem e tivesse espaço. E que fosse um espaço bom, amplo, não apertado, onde ela pudesse levar os amigos e brincar, dançar e bagunçar à vontade. O objetivo não foi passá-la para seu quarto novo mas, sim, oferecer claramente a ela a possibilidade e respeitar seu movimento. Se quisesse ficar com a gente, ótimo, seria sempre bem vinda. Se quisesse dar mais um voo e conquistar seu próprio território, ele estaria ali para ela, gostoso, arrumadinho, saudável, acolhedor.
E então começamos…

Em um domingo, eu mesma fiz toda a reorganização, tendo minha pequena ao lado, como sempre. Dando conselho, perguntando o que eu estava fazendo e porque estava “bagunçando tudo”. E foi quando eu disse: “Filha, mamãe está montando um quarto novo. Um quarto grande, cheio de brinquedos, com livrinhos e tudo que você gosta”.
E então, essa menina faladeira e curiosa, perguntou: “Meu quarto, mãe?”.
Sim, minha filha… Seu quarto.
E quando eu disse “Seu quarto” foi que a mágica aconteceu. Ela deu um pulinho com os braços esticados e gritou “Obaaaaaaa! Meu quartooooo!”, e saiu correndo pela casa. Daqueles momentos que marcam mais que tatuagem… Quando você relembra toda a trajetória e sente que tudo está valendo a pena.

Para que ela tivesse um quarto bacana, espaçoso, reorganizamos a casa e mudamos de quarto. Assumimos o quarto menor como sendo o do casal – o que, diga-se de passagem, ficou muito mais aconchegante. Nós, os adultos, não precisamos de tanto espaço quanto ela precisa e, além do mais, temos todo o restante da casa para curtir. Mas quarto de criança é um reino. É uma aventura. É um lugar mágico de sonhos e criações. Esse lugar merece ser espaçoso. Abrimos mão muito felizes do quarto maior. 

Sem essa de temas, acabamos escolhendo, com a ajuda dela, acessórios muito aconchegantes: um edredon de nuvens, organizadores branquinhos, clarinhos, um tapete em tons de azul claro e lilás e, no fim, o quarto está, aos poucos, tomando forma, em tom azul e branco que lembra o céu com suas nuvens. Passei um domingo inteiro de feriado, 21 de abril, mudando livros e mais livros de um quarto para o outro, mudando móveis, arrastando armário junto com o pai dela, prendendo coisa no teto, reorganizando brinquedos e tornando ambos os quartos aconchegantes. Exatamente como fizemos quando ela ainda estava na barriga – sem saber que ela nunca usaria aquele quarto porque era ao nosso lado que ficaria. 

Ao final do processo, já no fim da tarde, ela tirou um longo cochilo. Quando acordou, eu já estava quase terminando. Então a chamei para ver como havia ficado, embora ainda não tivesse arrumado a cama e dado os toques finais. Ela entrou, olhou ao redor e bem objetiva, disse: “Hmmmmm, ainda não tá pronto, mãe”. Tome, besta. Dei aquela gargalhada sonora e expliquei que ainda não estava pronto mesmo. Ela saiu para brincar e eu continuei. A noite chegou e, enfim, terminei. Arrumei sua caminha bem aconchegante, sem qualquer pretensão de que ela dormisse ali já naquela noite. Estiquei o tapete novo, acendi o abajur e coloquei na tomada a borboletinha de luz que ela mesma escolheu. E então a chamei. Ela veio correndo. 

Clara simplesmente parou na porta do quarto e, arregalando os olhos, disse: “Mããããe, quiéisso?! Um quarto de nuvens?!”, muito espantada pela mudança e novidade. Eu expliquei que sim, era um quarto de nuvens, onde ela podia brincar e cantar e dançar sempre que quisesse. Olhou para a cama e disse: “Minha cama, mãe?”. “Sim, filha, sua cama. Você gostou?”. E lá foi ela de novo, gritou “Obaaa” e começou a dançar e correr pelo quarto. Entrou num frenesi de cantar “Meu quarto, meu quarto, meu quarto!”, numa alegria sem fim. 
Eu daquele jeito… Feliz até não poder mais. 

Eu estava vendo ali na minha frente, estampado, a conquista do próprio espaço. O sentimento de valorização de algo novo, de seu, de próprio, uma fase importante do desenvolvimento, a identificação de si como parte à parte, embora integrada. “Meu quarto”, “eu tenho um quarto”… Isso tem uma simbologia diferente para as crianças que compartilham o quarto com seus pais e que, com o andar da carruagem, passam para seus quartos. E, justamente por isso, tendem a valorizá-lo mais, a dar mais importância àquele espaço, porque foi uma conquista fruto de seu crescimento. É por isso, então, que esse medo que as pessoas têm de que as crianças que dormem com os pais podem se tornar crianças inseguras, dependentes, grudadas e que nunca dormirão sozinhas é absolutamente infundado. A conquista de seu próprio espaço é algo muito significativo para elas, o que faz com que a transição tenda a ocorrer espontaneamente. Claro que não é uma regra que todas as crianças seguirão. Pode ser mesmo que algumas crianças sintam muito a transição, mas então talvez não seja a hora… No que eu acredito? Em intuição, em instinto e em sensibilidade. Em ler os sinais que ela está transmitindo e acompanhar suas demandas.

Só que tudo isso, para mim, embora fizesse total sentido, era apenas teórico até então.

Entrou e correu para sua cama, gritando:
 “Obaaa! Meu quartooo!”

Até que, naquele momento, eu estava vendo tudo aquilo acontecer. Tal qual um livro texto de comportamento humano. Tal qual a teoria do apego realmente prevê: crianças criadas com apego seguro tendem a se lançar mais, a serem mais seguras, a conquistarem seu espaço. Bingo.
Sinceramente, eu não havia arrumado todo aquele quartinho gostoso para que ela dormisse lá naquela noite. Acreditava que haveria uma espécie de transição ritualística ou sabe-se lá o que.
Quer saber o que aconteceu?
Aconteceu que ela se apressou para tomar banho, durante o banho só falava no quarto, se trocou dizendo “Que lindo, mãe. Que lindo, pai” e, depois que escovou os dentes…. correu para sua própria caminha, em seu próprio quartinho e… disse “Boa noite, mamãe”. 
E tá lá a mãe estatelada na porta, paralisada. “Vai dormir no seu quartinho, filha?”. “Vou mãe, meu quarto”. 
Nada mais me restou, então, além de aconchegá-la, cobri-la e deitar ao lado para cantar uma música até que dormisse. Estou lá eu, fazendo um cafuné quando, uns 10 minutos depois, ela simplesmente se vira e diz: “Pode ir, mamãe”.
Ui. Deu até uma fisgada no peito. 
Dei um beijo, e fui. Cheguei na sala, me sentei e…. fez-se um silêncio aqui dentro.

Porque eu havia esquecido que tinha mais alguém a ser adaptado, que precisava de uma transição, talvez ritualística. Eu
. Do nada, do dia para a noite, eu passaria a dormir sem ela. Foram 2 anos, 9 meses e 21 dias dormindo juntinho. Total vínculo mãe-filha. E ela não estaria mais comigo naquela noite. Compartilhei o que estava sentindo com o pai dela. Ele olhou pra mim e disse: “É. Tá crescendo”, e me deu um abraço. 
Sem choro, sem crise, sem nada. Simplesmente foi. Dormiu a noite inteirinha, sem acordar, sem nos chamar, tranquila. E assim tem dormido há 13 dias. Foram 13 noites felizes, tranquilas, de sono ininterrupto. Eu demorei mais para me adaptar do que ela, com certeza. Fiquei uma semana dormindo meio sobressaltada, com medo de que me chamasse e eu não ouvisse. 
E então hoje, durmo relaxada. Feliz. Em meu quarto novo. Nova fase. Estamos todos crescendo.
Estou fazendo para ela um monte de coisinhas para enfeitar o quarto. Estão quase todas prontas. E uma pessoa está fazendo para mim mais alguns acessórios. Com amor e carinho, para uma menina que está crescendo sem dor e sem choro. Naturalmente.

Então, esses dias, ela foi dormir e me pediu que ficasse para cantar uma música, porque “o sono não tá vindo pra mim, mãe”. Comecei a cantar uma canção que adoro e que acho que tem tudo a ver com maternidade: 

(…) Cabe o meu amor… Cabem três vidas inteiras. Cabe uma penteadeira. Cabe nós dois. Cabe o meu amor. Essa é a última oração pra salvar seu coração. Coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na despensa, cabe o meu amor…“. 

Ela virou para mim, me abraçou, me deu um beijo e dormiu profundo…

Então eu vou aproveitar esse post, que fala exatamente sobre amor de mãe, sobre coração, sobre amor mesmo, para te chamar a cantar com a gente essa mesma canção especial.
A Kalu Brum, do Mamíferas, que agora integra o Vila Mamífera, pensou em fazer algo todo mundo junto para o dia das mães, me perguntou o que eu achava, eu disse que achava que tinha que ser uma coisa musical, mas não acertávamos na música. E foi depois dessa noite que eu descrevi ali em cima que sugeri a música ORAÇÃO, da Banda Mais Bonita da Cidade. E ela topou na hora. 

Então queremos te convidar pra fazer isso com a gente. 

Nós estamos reunindo mulheres, crianças, companheiros, avós, amigos, todo mundo, para celebrar o dia das mães com música, amor e sem apelo comercial. Será um presente coletivo a todas as mães por seu dia. 
Para participar é bastante simples: basta cantar (você, seus filhos, seu companheiro, seus amigos, seus familiares, quem você quiser) a música ORAÇÃO, da Banda Mais Bonita da Cidade (que você pode assistir ali embaixo) e filmar caseirinho. Filme com a web cam, ou com o celular ou máquina fotográfica. 
E depois nos mande! Veja na imagem todo mundo que está participando dessa ação e para onde você deve enviar seu vídeo. Nós vamos juntar os melhores trechos de todos os vídeos em um único e vamos dar de presente a todas as mães. 
É uma ação para celebrar o amor. Para cantar quanto amor cabe em um coração.
No meu coração, no momento, cabe um amor infinito por uma menina que acaba de conquistar seu próprio espaço. 
Cabem nuvens, e bichinhos, e livrinhos e muita bagunça.
Cabe uma penteadeira, cabe nós duas, cabem três vidas inteiras. 
Cabe o meu amor…


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