O que determina as características de personalidade de uma pessoa e, consequentemente, de um grupo social? O que determina que uma pessoa se torne deprimida, ansiosa, paranóica ou que desenvolva outro transtorno emocional?
A constituição genética? O ambiente? As vivências ao longo da vida? O suporte emocional que recebe? O grau de afeto recebido na infância? Coisas que ainda não sabemos e que a ciência ainda não explica? Sim, tudo isso.
Qual desses fatores tem maior ou menor peso nessa misteriosa e inexata matemática?
Taí uma pergunta para a qual não se tem uma clara resposta.
Como saber, então, de onde vêm essas mazelas? Não sabemos ao certo, de forma que não podemos controlá-las. Mas se sabemos que determinadas práticas, situações e experiências contribuem decisivamente para que elas não apareçam, então passamos a nos apoderar desse conhecimento na tentativa de evitar o sofrimento. Não é garantia de que iremos conseguir, mas estaremos assumindo a parte que nos cabe nesse vasto e complexo latifúndio.
Não temos como controlar quais genes vamos passar – ou já passamos – para nossos filhos. Não sabemos, em termos de constituição biológica, quem são ou o que há dentro deles, qual o gatilho que está pronto para ser acionado – de bom ou de nem tão bom assim.
Mas podemos, pelo menos em parte, no dia-a-dia, dentro de casa, nas experiências cotidianas da família, selecionar ambientes e experiências aos quais queremos expô-los ou não.
O termo attachment parenting foi utilizado pela primeira vez por um médico, William Sears, com base na teoria do apego, que leva em consideração o fato de que a criança, durante sua infância, tende a criar um vínculo emocional bastante forte com seus cuidadores que gera consequências durante toda sua vida. A criança busca proximidade com o outro e quer se sentir segura quando ele está presente. Suas ideias e práticas subentendem que os pais ou cuidadores estejam emocionalmente disponíveis de forma a promover o desenvolvimento sócio-emocional da criança de maneira segura e amorosa e a evitar que a criança desenvolva o que se chama de apego inseguro, aquele que é baseado no abandono, no apegar-se porque não se teve.
Em 1951, o psicólogo, psiquiatra e analista John Bowlby sugeriu que a privação materna durante a infância poderia levar ao desenvolvimento de adultos deprimidos ou hostis ou, ainda, com problemas para se relacionar de maneira saudável com outras pessoas. Isso na década de 50, quando muito pouco ainda se sabia sobre como o cérebro processava a depressão, a ansiedade e outros transtornos afetivos.
Com o andar da carruagem, alguns pesquisadores, na década de 70, começaram a divulgar resultados de pesquisas comportamentais com primatas, mostrando que o rompimento da ligação entre mãe e filhote levava a comportamentos violentos e agressivos no primata adulto. Mas, afinal de contas, isso era apenas um estudo experimental e as pessoas tendem a repelir o que não é feito em humano, ainda que toda a nossa psicologia comportamental, neuropsiquiatria e neurobiologia tenha sido construída sobre observações comportamentais de animais e extrapolações biológicas.
- preparar-se verdadeiramente para a gravidez, parto e maternidade/paternidade
- alimentar seu filho com amor e respeito
- responder às solicitações da criança com sensibilidade
- estar atento à qualidade do toque
- prezar pela qualidade física e emocional do sono da criança de forma que ela se sinta segura dormindo
- sustentar atitudes carinhosas
- praticar a disciplina positiva, baseada no reforço das boas atitudes
- buscar o equilíbrio na vida familiar
Embora outras práticas tenham sido associadas, atualmente, à criação com apego – como o parto natural, o parto domiciliar, a cama compartilhada, a amamentação prolongada, a desescolarização, a vida comunitária, entre outras – não existem regras, nem normas, nem padrões rígidos. Não há ditadura, ao contrário do que dizem os que
não querem nem saber do que se trata. Há liberdade de escolha por práticas que tenham a ver com a cultura familiar e que, ainda assim, promovam o apego seguro entre pais e crianças.
Isso não é papo de gente bicho-grilo, alternativa, natureba ou seja lá o apelidinho de cunho pejorativo que você, por puro preconceito ou desconhecimento, queira dar.
Isso é coisa de gente muito esclarecida, principalmente do ponto de vista emocional. De gente que quer olhar para além de seu próprio umbigo e que se importa com a qualidade das pessoas que estamos deixando no mundo, com a qualidade da saúde emocional de seus filhos e da qualidade de vida que eles terão lá adiante. De gente que, a despeito das diferenças, comunga em um ponto fundamental: vê na criança algo além de um pequeno corpo, vê uma vida a se realizar, uma infinita possibilidade de amor e de crescimento, vê um mundo em seu constante vir-a-ser.
Não existem regras a serem seguidas, nem dogmas, não é uma religião. Basta apenas saber que a qualidade do afeto que as crianças recebem tem, sim, totalmente a ver com quem ela vai se tornar no futuro. E ao contrário do que existia na década de 50, hoje a ciência de ponta já tem condições de mostrar onde e como as mudanças acontecem nos indivíduos criados com amor.
Já faz tempo que a ciência mostrou que a modificação de um comportamento muda, também, o cérebro do indivíduo, causando, consequentemente, uma nova modificação do comportamento. É nisso que se baseia, por exemplo, a psicoterapia cognitiva-comportamental. A mudança de comportamento altera a estrutura cerebral e essa alteração muda seu comportamento. Um círculo sem fim.
Sabendo disso, é fácil compreender, então, que a forma como se trata uma criança altera seu cérebro. E que esse cérebro, assim alterado, promoverá comportamentos relacionados.
Quando você cria com apego seguro, você está moldando um cérebro para que ele possa atuar com toda sua potencialidade, sem amarras, sem más resoluções, sem entraves.
Ou, se quiser, pode remodelar você mesmo seu próprio cérebro e mudar o seu comportamento, abrindo um pouco a sua mente, deixando de lado a discriminação e o preconceito baseados no senso comum, nas lendinhas urbanas e nas histórias da carochinha, para aceitar que não há nada melhor do que criar uma criança com amor, sem ressalvas, sem poréns, sem medo, deixando o instinto falar e o apego rolar solto.
Num mundo onde o apego material tem sido reforçado e incentivado, prefira o apego emocional seguro, fruto da abundância.
Não da falta.