Quando li esse relato de parto pela primeira vez, minha filha tinha ainda poucos meses.
Por ser um relato longo, destinei preciosos momentos que seriam de sono para sua leitura (quem tem bebê novinho sabe como cada minuto é precioso para o descanso e como é importante valorizar o tipo de leitura que se faz).
Eu ainda estava tateando no limbo da tristeza pelo encaminhamento do parto domiciliar para o hospitalar, finalizado em cesárea. Meu emocional estava frágil, abalado e o pensamento recorrente era que a única oportunidade da minha vida havia escorrido pelos dedos… Claro que eu sabia que mulheres viviam partos normais após cesarianas, mas para mim tudo ainda estava muito nebuloso, o pós-parto onde tudo havia sido diferente do planejado estava muito denso, o discurso do risco me amedrontava, estimulado pela dor que eu ainda sentia no corte que carregava na barriga e que insistia em doer ao me lembrar de tudo o que havia acontecido.
Lembro-me que li e me emocionei um monte. Meu marido me encontrou na sala no meio da leitura, toda emocionada, e eu li para ele também. Ao final, ele também estava emocionado.
O parto natural após uma ou mais cesáreas anteriores não somente é possível como é incentivado e recomendado, e é exatamente isso que as evidências mostram.
Se você quiser ler um pouco sobre as evidências, sugiro esses dois textos da dama de ouro das evidências na área obstétrica, Dra. Melania Amorim: Estudando VBAC (1): experiência de VBA3C (sim, após três cesáreas anteriores) e Estudando VBAC: metassíntese de experiências femininas.
O relato de VBAC (parto vaginal após cesárea) que vem a seguir é uma história cheia de luta, de superação de desafios, de orientações médicas equivocadas, de uma cirurgia durante a gestação, de mudança de obstetra e que terminou em uma linda e revolucionária experiência: o nascimento de Marina, contado por sua mãe: Elis.
Que mostra, como maravilhosamente interpretou a outra Elis, que é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre.
A chegada de Marina
De volta ao médico obstetra, perguntei sobre a possibilidade de fazer um parto normal, e de cara ouvi que não poderia tentar pois era um risco desnecessário, já que eu tinha uma cesárea anterior.
Então comecei a buscar na internet outras opções de obstetras na capital (Florianópolis) e encontrei o nome de uma médica super bem conceituada no ramo da humanização e que com certeza toparia fazer meu parto normal. Só consegui pra quase 2 meses depois, mas mesmo assim deixei marcado.
Enquanto isto, continuei indo no médico da minha cidade, que solicitou outro ultrassom pra confirmar se havia embrião. E aí nova surpresa: um descolamento de placenta. Tive que desmamar meu filho. Que tristeza! Uma semana depois viajamos e repetimos o exame em Curitiba e não havia descolamento algum. Desmamei meu filho à toa. (…)
Quando finalmente chegou o dia da minha consulta com a médica da capital, já estava com 3 meses de gestação. Fiquei arrasada porque a médica disse que cobraria por fora do convênio independente do tipo de parto, mas senti firmeza quando ela disse que não fazia cesárea eletiva. Saí sem chão, pois havíamos acabado de fazer uma mudança e comprar nossa casa, estávamos bastante endividados. Conversei com meu marido e ele me acalmou dizendo que poderíamos arranjar o dinheiro nestes 6 meses que ainda faltavam. Já estava na época de fazer a translucência nucal, ela me deu a requisição e fizemos uns dias depois. Descobrimos (ou melhor, confirmamos) que teríamos nossa tão sonhada menina, formaríamos um casal. Ficamos radiantes.
Continuei o pré-natal com a médica, viajando todo santo mês para as consultas. Arranjei uma doula naturóloga (Mariana). Li livros sobre parto normal, parto ativo, relatos de parto, assistia a vídeos, faz
ia exercícios perineais, fisioterapia ginecológica, usava a bola suíça, busquei todo tipo de informação. Pesquisei sobre partos, indicaram um site sobre parto domiciliar, vi que era uma equipe de Florianópolis, que inclusive eu já estava de olho quando ainda morava em MG, e entrei em contato com elas. Logo me disseram que não estavam mais realizando partos em quem tinha cesárea anterior com menos de 2 anos (eu teria 2a8m na época do parto, então poderíamos conversar hehehe), depois disseram que não faziam mais partos em outras cidades, mas que eu deveria ir num “consultão” delas. Fiquei triste, mas resolvi ir mesmo assim. Apesar da dificuldade, devido ao horário e a distância, em maio, com 5 meses de gestação, eu consegui participar. Saí animada mas consciente de que não poderia contar com isto antes das 37 semanas, então deixei a ideia adormecida.
No fim de maio fui em outro médico humanizado, que me disse que eu jamais poderia ter um parto domiciliar, por causa da cesárea, poderia no máximo ter um normal hospitalar e ainda assim ele só se arriscaria se ele tivesse acesso a dados do prontuário da minha cesárea. De novo, fiquei arrasada, achando que minha médica poderia estar me escondendo minhas reais possibilidades, afinal ela nunca tinha levantado esses dados. Mas depois fui percebendo que era o jeito dela de conduzir o pré-natal com tranquilidade. Fui atrás do tais dados com a médica da cesárea anterior, e ao mostrar pra minha atual médica, ela me respondeu lindamente que para ela aquelas informações não serviam pra nada. Nesta mesma época comecei a cogitar alugar uma casa em Floripa apenas para o parto, fiz vários contatos com imobiliárias mas me deparei com algumas dificuldades como preços exorbitantes e contratos com períodos muito extensos.
Junho chegou e comecei a arrumar o quartinho dos meus filhos. Pintamos, compramos acabamentos, nichos, enfeites, reaproveitamos um monte de coisas e móveis que já tínhamos e montamos tudo. Tudo pronto.
Uma semana depois de terminar a arrumação do quarto, já no fim do mês, fui pega de supetão por uma dor abdominal incessante e muitas contrações. Aguentei uma noite inteira, e no dia seguinte minha médica me mandou ir pra maternidade pra ver se eu poderia estar em trabalho de parto prematuro (estava com quase 27 semanas). Fui examinada pela plantonista, que levantou a hipótese muito remota de ser apendicite, me deram medicação endovenosa pra dor, que não fez nem cócegas. Tentamos fazer exame para confirmar o diagnóstico mas não conseguimos porque tinha jogo do Brasil (Copa do mundo) e tudo estava fechado. Pegamos estrada de volta pra casa e eu morrendo de dor sem saber o que eu tinha. Mais uma noite com dor e contrações, em claro. No dia seguinte estávamos de novo na estrada pra tentar fazer o exame. Passamos antes na minha médica porque ela queria me examinar, viu que eu estava febril, pediu hemograma, e de lá já fui direto fazer uma ultrassom, que diagnosticou a apendicite. Apesar da dor me consumir, custei a acreditar neste diagnóstico. Já não aguentava mais andar, aceitei até cadeira de rodas. Não conhecíamos nada na cidade, ninguém, e ainda tínhamos nosso filho pra cuidar. Eu chorava muito por me ver impotente naquela situação. Minha médica cuidou de tudo, ligou para um cirurgião, que já estava me esperando e me encaminhou para o HU, pois lá seria o único lugar que eu poderia contar com as 2 equipes durante a cirurgia, para o caso de entrar em TP prematuro. Minha médica disse firmemente “A Marina não pode nascer ainda, dificilmente ela sobreviverá se nascer agora“. Isso ficou martelando na minha cabeça… Fomos para lá, meu filho sem almoçar, sem dormir, meu marido tendo que se dividir para não deixar meu filho naquele ambiente cheio de gente doente, e eu sendo mandada de um lugar para outro, toques e mais toques, morta de dor, ouvindo vários absurdos, quase sem conseguir andar e ainda tive que esperar 9h no corredor por uma vaga no centro cirúrgico para fazer a cirurgia pelo SUS (mesmo tendo convênio). Por sorte pude contar com a ajuda da minha doula e de uma amiga dos meus pais de 30 anos atrás que nem eu conhecia e que dormiu com meu filho naquela noite enquanto eu era operada e meu marido me esperava do lado de fora. Durante minha cirurgia, meu marido pôde sentir a presença de sua mãe, pela primeira vez em 7 anos, que o confortou com a garantia de que tudo daria certo. Ainda na sala de cirurgia, após me engasgar com a língua presa na goela por efeito do anestésico, tive que ouvir o anestesista falar pra auxiliar que grávida adorava fazer um charme na recuperação da anestesia. Quando voltamos pra nossa casa, nós dois choramos por várias noites, de alívio por termos saído, minha filha e eu, vivas daquela situação tão traumática.
O pós-operatório foi outro sufoco. Doloroso, andando lento e curvada, com um bebê chutando por dentro no lugar dos pontos, meu filho me ignorando por ter sido deixado com uma pessoa estranha durante minha cirurgia (ele chorou bastante de madrugada pedindo pela mamãe) e por não poder mais dar banho nele, pegá-lo no colo, fazê-lo dormir… Eu estava imprestável! A experiência serviu para lutar ainda mais por um parto natural e em casa.
Com 29 semanas, em julho, fizemos uma outra ultrassom para ver se estava tudo certo lá com a nossa pequena após a cirurgia. Eis que ouço do ultrassonografista que minha filha estava sentada e que eu deveria esquecer parto normal. Além disto eu tinha uma incisura na artéria uterina esquerda que deveria ser acompanhada pois poderia desenvolver uma pré-eclâmpsia. Cada exame uma surpresa. Ainda bem que a minha médica era sempre super desencanada com tudo e me passava muita c
onfiança, muita segurança sempre.
Nas semanas seguintes, depois de me preocupar muito, resolvi mentalizar que minha filha viraria, que a incisura não faria nada, procurei nem pensar em mais nada disto. Minha filha virou, estava cefálica. Minha doula sempre me ajudando com tudo, pondo ordem nas minhas emoções, meus sentimentos, com seus aromas, florais, massagens, filmes, óleos, terapias diversas… Claro que meu medo tava sempre ali presente. Eu tinha medo até de ter medo e com isto minha mente me sabotar.
Em agosto, participei finalmente de um dia do curso de gestante da equipe de parto domiciliar. O tema era parto. Meu marido nunca podia ir comigo, porque os eventos eram sempre a noite e alguém precisava ficar com meu filho. Senti ainda mais firmeza sobre a ideia do parto
Com 37 semanas nos mudamos de mala, cuia e cachorro para a casinha onde nasceria nossa filha. Era uma casinha pequena de
Resolvi desencanar da DPP e pedi pra equipe vir em casa fazer minha barriga de gesso pra comemorar as 40 semanas. De tanto meu marido falar que seria ideal se ela nascesse dia 04, após as eleições, que é o dia mais importante do serviço dele, resolvi pensar só neste dia. Parei de olhar pro relógio, de contar as contrações, de atender telefonema de gente que ligava só pra perguntar já nasceu?…
No dia da minha DPP (sábado, 02/10), à noite comecei a sentir contrações com um pouco de dor na frente, como se fosse cólica de diarreia. Vi que estava com ritmo de 5-6 min, mas pensei que pudesse ser mais um alarme falso e não dei bola, fiquei na internet conversando com a minha doula e uma amiga. Fui dormir pois estava com meu filho e sabia que no dia seguinte ele acordaria cedo. Acordei de madrugada, perto das 4h, com dor no coccix durante as contrações. Não dei bola, tentei voltar a dormir, mas não consegui. Eu acordava a cada contração. Resolvi olhar no relógio pra ver que horas eram. 5h30. Me deu uma diarreia punk e tive que levantar. Acompanhei as contrações até 6h30, enquanto trocava mensagem pelo celular com o meu marido. Estavam de 5 em 5 min. Liguei pra Iara, enfermeira, que me mandou tomar um banho quente demorado. Mas meu filho tava dormindo e eu tinha receio que ele acordasse como de costume e não me visse. E assim foi. Acordou no meio do meu banho e quando saí ele já tava desesperado por estar sozinho. As contrações continuaram… Tentei dormir mais um pouco com meu filho, descansar pra aguentar o TP, mas não consegui de novo. A Iara chegou 2 horas depois e viu que as contrações estavam
cm. Fase ativa do TP. Fiquei desanimada porque ali eu vi que ia ser demorado, pois havia levado tudo aquilo pra dilatar apenas 1 cm (eu e minha mania boba de querer tudo pra ontem, vai ver meu TP levou o tempo necessário para que eu aprendesse a exercitar minha paciência). Fui dormir um pouco pra descansar. Meu marido foi almoçar com meu filho. Eu não quis almoçar com medo de vomitar. A Renata e a Clariana chegaram e ficaram me esperando levantar. Quando levantei, elas me colocaram pra caminhar na rua para dar uma agitada nas contrações. Meu marido e meu filho chegaram e nos acompanharam na caminhada. Fomos em direção à praia, e as contrações iam me parando e elas me massageavam o cóccix a cada contração. Todo mundo que passava olhava praquela cena linda. Voltamos porque ventava muito e meu filho estava mal agasalhado, então elas foram almoçar e eu fiquei um pouco mais na bola sozinha com meu marido e meu filho. Quando elas voltaram, as contrações haviam reduzido o ritmo e me mandaram caminhar novamente, já era final de tarde, então caminhei pelo quintal da casa, com meu marido e filho. Não sei horário de nada, porque não olhei pra relógio, tudo que detalhei aqui de horário foi baseado no partograma que me passaram depois. Meu marido me massageava a cada contração. Eu procurava agachar ou mexer o quadril nas contrações. Meu filho achava tudo uma festa, imitava a gente em tudo, queria me massagear, agachava junto com a gente, caminhava com a gente pra todo lado, depois queria pular na minha bola suíça, então as meninas encheram uma bola especialmente para ele poder ficar me imitando. Pedi outro toque. Estava com 6 cm. Mandaram eu tomar outro banho. Nunca tomei tanto banho num único dia. Levei a bola pro chuveiro e fiquei lá, tremendo e morrendo de frio com a água no nível mais quente possível. Pedi pra elas montarem a banheira pois não aguentava mais de frio. Precisava relaxar. Meu filho ficou super animado com a banheira, achei que ele fosse querer entrar comigo, mas logo em seguida que estava tudo pronto ele pediu pra ir dormir. Eram 19h30, super cedo pra ele, que sempre luta contra o sono até perto das 22h-23h.
19h45 eu entrei naquela banheira e não queria mais sair por nada. Meu deus, como era bom!!! Ligaram o som, com um CD que minha doula gravou pra mim com músicas que eu escolhi especialmente para o parto e pude relaxar. Não olhava pra relógio algum para não ficar encucada. Só lá pelas tantas, no meio da noite, perguntei se ainda era domingo… Eu, que sempre desacreditei quando lia nos relatos que as pessoas dormiam entre as contrações, chegava a flutuar os braços dormindo, chegava até a sonhar. Não sei como não me afoguei. Até então tava tranquilo, podia levar o tempo que fosse, eu estava suportando bem a dor.
22h eu tava com 7-8cm ainda, colo macio. Meu marido nem sempre podia ficar comigo, porque meu filho ficava acordando toda hora, não sei se pelos barulhos que eu fazia ou se porque foi deitar muito cedo, mas quando ele ficava parecia que tudo ficava mais ameno, eu suportava melhor as dores.
23h45 outro toque e tudo igual.
00h15 um sangramento e acharam que tinha rompido a bolsa, mas por sorte não era. A Iara falou pro meu marido ir descansar pra aguentar o tranco, pois ia demorar. Ela me perguntou se eu me importava e eu respondi o não mais falso da minha vida. Eu falava que queria sair dali (não sei da onde tirei isto) e a Iara dizia que quem tava falando isto era minha filha e não eu. Meu filho falou pro meu marido no quarto “mamãe tá com dor, né?”, e ele respondeu que era porque a irmãzinha dele estava nascendo.
As contrações começaram a ficar realmente doloridas. De quatro pareciam aliviar um pouco, então procurava ficar mais nessa posição. Sempre me mexendo, rebolando, lateralizando. Quando eu acordava com uma forte, eu subia na borda da banheira pedindo pra me darem a mão pra eu apertar e gemia muito. Coitada das meninas, devem ter saído roxas. Como é importante ter alguém nestas horas, uma doula ou alguém da sua estreita confiança! Elas me massageavam no cóccix com um óleo preparado pela Mariana, a minha doula, com perfume de gerânio e outras essências, que até hoje quando sinto me lembro do dia do parto. Eu tinha a impressão que tava me “afogando” e precisava me salvar, mas ninguém podia me ajudar, só eu. Minha médica estava sempre ligando no celular delas para saber o andamento do trabalho de parto, só ouvia os cochichos e isso me deixava super curiosa. Eu já estava ficando toda enrugada de ficar na água. Já estava achando que não ia mais aguentar as dores, estavam insuportáveis, as contrações pareciam emendadas. Eu lutava contra as contrações, quando elas vinham eu tentava arranjar um meio delas não me maltratarem tanto, tentava amenizar minha dor, e creio eu que com isto prolonguei meu TP. Eu sentia vontade de empurrar, mas na minha cabeça isso não estava certo já que eu sabia que não havia dilatado tudo ainda. Além disso na hora de empurrar me dava vontade de evacuar e eu cortava o empurrão pela metade. Comecei a pedir analgesia, pra me levarem pra maternidade para tomar analgesia, pra me darem qualquer coisa pra me aliviar a dor e poder dar continuidade. Eu sabia que eu poderia falar essas asneiras, mas esqueci de avisar a equipe pra não me levar a sério. Eu falava isso apenas quando vinha uma contração mas na minha cabeça eu não queria sair dali, eu sabia o transtorno que seria ir para o carro com contração, acordar meu filho, fazer malas, ver novamente meu marido se dividindo entre casa e hospital (igual no episódio da apendicite), tinha medo de chegar na maternidade e tudo parar, ficar travada, enfim… Meu TP foi muito reflexivo, quando achava que não ia mais aguentar, ficava me lembrando de alguns relatos que li durante a gestação, das pessoas que me incentivaram e das que torceram o nariz quando eu dizia que queria parto normal (e eu sei que muita gente torceu contra), de tudo que eu fiz pra chegar até ali, do medo por talvez não conseguir parir tendo mobilizado tanta gente por tantas horas… Eu pensava “eu não nadei tudo isso pra morrer na praia”.
Pedi para me fazerem um toque pra eu saber a quantas estava, elas mandaram eu me tocar. Eu precisei colocar só 2 falanges do meu dedo e já senti a cabecinha da minha filha. O som havia parado fazia horas e do nada começou a tocar sozinho, estava com um outro CD, gravado pela minha cunhada somente com músicas instrumentais de bebê. Meu marido saiu do quarto e elas contaram pra ele o que eu estava falando. Aí ele falou que eu provavelmente estava assim pela demora e pelo cansaço, não tanto pela dor. Na minha cabeça estava tudo muito lento, mesmo a Iara falando que estava tudo dentro do padrão esperado para um primeiro parto (e hoje vendo o partograma, eu vejo que realmente estava). Aí a Iara começou a falar das consequências da analgesia, que elas poderiam romper minha bolsa para acelerar as coisas, e me perguntou se eu realmente queria ir pra maternidade, elas já estavam acreditando e se preparando pra me levar. E eu respondi “só quando vem uma contração”. Deram risada, claro. Falaram que se eu fosse pra maternidade provavelmente nasceria no carro. Eu perguntei se eu sentiria mais dor com a ruptura da bolsa e elas disseram que não, que apenas aceleraria tudo. Era o que eu queria, mas não conseguia vocalizar pra responder, queria tentar um pouco mais sem intervir. A Iara ficou falando pra eu enfrentar a dor, perder o medo, não deixar o medo me dominar, que se eu me sentisse acuada poderia estagnar o meu TP. Além do medo da dor aumentar, eu tinha medo do tempo contado após a ruptura da bolsa. Mentalizei a gestação inteira que minha bolsa não romperia até o expulsivo, justamente por causa desse tempo, e de repente eu tinha que decidir sobre romper ou não** [leia ao final comentário sobre ruptura artificial da bolsa]. Pra romper a bolsa teria que sair da água, e isto eu também não queria. Elas estavam monitorando os batimentos cardíacos o tempo todo e eu sabia que estava tudo bem com a minha filha, então queria ficar ali tentando um pouco mais. Aí meu marido falou baixinho no meu ouvido “vamos estourar a bolsa?” e eu, prontamente disse “vamos”. Aí saí da banheira, fui pra cama, era 1:15h, e quando me deitei veio uma contração muito forte, me deu uma vontade louca de empurrar. Elas mandaram eu segurar meus joelhos e fazer força, aí meu marido viu minha barriga fazer um movimento para baixo e disse que ali ele acreditou e não teve mais dúvida de que a coisa iria realmente acontecer. Elas me tocaram e disseram que eu estava com 8,5 cm, mas não romperam a bolsa. Vinte minutos depois (1h35) a Iara me mandou ir pro banquinho de cócoras, que magicamente foi colocado entre a cozinha e a sala. Fiquei um pouco triste porque queria muito que ela nascesse na água, mas ao mesmo tempo eu queria que aquilo acabasse logo, estava muito cansada e queria ver minha filha. Peguei nas mãos da Iara, encostei minha testa na dela e me abri, falei que sentia vontade de fazer cocô. E ela falou “faz, o que que tem, muita mulher faz, é normal, é a cabecinha do bebê”. Era o que eu precisava pra me libertar. Aí desencanei e fiz a força que precisava de fato quando a hora chegou. A Manu me tocou e eu tava com 9 cm. Outros 20 minutos depois (1h55) a Manu rompeu minha bolsa, mas não senti e nem vi sair nada. Minutos depois a Manu me dá a boa notícia: 10 cm. Ufa, me deu mais ânimo, a coisa estava andando. Se eu não tivesse trancado os puxos por tanto tempo na água talvez tudo tivesse sido mais rápido.
Depois que dilatei totalmente parecia que eu nem tinha mais dor. A dor do expulsivo não é nada perto da dor das contrações. Só precisava mesmo fazer força. Vi quando viraram pra vestir os aventais e então me mostraram ela coroando por um espelhinho e isso foi o que me deu um gás a mais para fazer a fo
rça necessária. Mandaram fazer força comprida, e eu fazia e queria muito saber se estavam sendo efetivas, se havia saído pelo menos um pouco, pois eu só sentia arder. Fiz 3 forças e elas falaram que ela tinha muito cabelo. Senti queimar para sair a cabecinha, e também o ombro, mas depois o corpinho meio que escorregou, só senti um quentinho melado descendo sem precisar fazer força. Foi uníssono o “nossa, que bebezão!”, e eu fiquei curiosa pra saber quanto pesou. Menos de 14 minutos depois de romperem a bolsa minha filha estava nos meus braços, toda meladinha de sangue e com um cheirinho incomparável. Meu filho acordou no exato instante do nascimento da irmã (2h09), e chamou pelo pai. A Clariana foi lá com ele e ele voltou a dormir. Minutinhos depois senti a placenta escorregar, mas fiquei quieta namorando minha filha, limpando o rostinho dela, ouvindo os seus barulhinhos e sentindo a pele dela na minha barriga. Tentei amamentá-la mas ela não quis, só lambeu. Meu marido ficou me beijando, me elogiando, parabenizando, muito emocionado por ter presenciado e participado do nascimento. Não lembro como fui parar na cama para me suturarem. Tive laceração, pois a mocinha nasceu enorme mesmo. Lá ficamos meu marido e eu conhecendo nossa menina. Ela mamou um pouco e me carimbou com um mijinho. Depois de me suturarem, 1h30 depois do parto, chegou a tão esperada hora do pai cortar o cordão. Aí a Rê pegou minha filhota pra examinar, pesar, medir. Fizeram tudo ali do meu ladinho enquanto eu fazia um lanchinho pra recuperar as energias.
Pesou 3,730kg e mediu 49cm. Soube depois que tinha nascido com uma circular de cordão. Gordinha, linda e saudável. Três horas depois do nascimento (5 horas da manhã), consegui me levantar mas só consegui chegar até a sala e tive que me sentar no sofá, pois tive muita tontura. Fiquei ali com minha filha no braço observando elas desmontarem a piscina, guardarem todos os aparatos… aí que me dei conta de quanta coisa tinha ali! Depois da tradicional foto com a equipe, elas foram embora, mas quem disse que eu conseguia dormir? Estava eufórica. Eu consegui, eu renasci!!! Eu não conseguia acreditar. Eu, que sempre me achei fraquinha, havia conseguido parir minha filha do jeito que eu queria: em casa, junto da minha família e no meu tempo! Esta foi, sem dúvida, a melhor experiência das nossas vidas.
Às 9h meu filho acordou, chamei ele no outro quarto pra conhecer a irmã, e ele abriu um sorrisão lindo, maravilhado e deu um beijo nela. Pronto: eu estava completa, plena, realizada. Ficamos os quatro ali deitados nos curtindo, apreciando nossa nova família. Digo que a ocitocina que faltou no parto do meu filho veio em dobro neste e contaminou a todos da família. É tanto amor quando vejo os dois juntos que chega a doer e o coração parece que vai explodir.
*comentário adicional sobre o teste de avaliação da espessura da cicatriz da cesárea: o tal do teste de avaliação da espessura da cicatriz da cesárea não é um método que encontre respaldo em evidências científicas. Ou seja: não há recomendações realmente válidas para sua realização. E, o que é mais grave, alguns profissionais o tem utilizado para desincentivar a gestante de lutar por seu VBAC. A questão é: medidas ultrassonográficas ou ecográficas são absolutamente passíveis de erro. Um bom médico humanista não solicita esse exame e, ainda que a gestante o solicite por medo ou insegurança, não irá desincentivá-la a buscar um parto natural na dependência do resultado, pelo contrário. Irá continuar ao lado dela, apoiando-a em sua decisão de lutar pelo parto natural. Minha opinião pessoal como mãe que um dia poderá passar por um VBAC: eu não solicitaria o exame, uma vez que ele não é respaldado e pode mais prejudicar que ajudar na busca pelo parto.
**comentário adicional sobre a ruptura artificial da bolsa: esse procedimento é também chamado amniotomia e não há consenso sobre sua segurança. Pelo contrário: ela representa uma intervenção e, como tal, pode representar riscos. Um dos riscos, principalmente quando realizada em início de trabalho de parto, é o prolapso do cordão umbilical, sobre o qual a obstetra Melania Amorim também fala neste texto. A obstetra Carla Andreucci Polido afirma (em grupo de discussão) que, quando feita sem indicações claras de que o benefício supera os riscos, é prejudicial à fisiologia do nascimento e constitui uma intervenção arriscada.