Nesta semana, especificamente dia 08 de março de 2016, a presidenta Dilma sancionou a lei que amplia de 5 para 20 dias a licença paternidade no país. Essa não é uma medida isolada. Ela faz parte de uma lei que está sendo chamada de MARCO REGULATÓRIO DA PRIMEIRA INFÂNCIA, que é a Lei no. 1257. Digo sem medo de errar que nós, que não somos da área jurídica ou legislativa, não temos por hábito ler o que está disposto nas leis de maneira integral, estou errada? Sei também que grande parte do que consideramos "informação" vem de títulos de matérias, ou do corpo de matérias muito superficiais, que não nos explicam de fato como as coisas vão acontecer, apenas anunciam algo sem dizer como será. De forma que nós lemos "DILMA APROVA AMPLIAÇÃO DA LICENÇA PATERNIDADE DE 5 PARA 20 DIAS" e já achamos ótimo, e já comemoramos vitória.
Quero primeiro reforçar que, obviamente, reconheço a importância da ampliação, embora ainda esteja muito aquém do minimamente necessário. Reconheço essa coisa que está sendo dita e sempre se diz em situações assim de "a gente sabe que é um pequeno passo, mas já é um avanço, vamos como formiguinhas", reconheço sim, fiquem calmos. Demorou um monte pra isso acontecer, ao menos considerarem a ampliação da licença dos pais, que bom que aconteceu. Mas, por estar meio óbvio que é insuficiente, penso que sua finalidadade prática imediata, além de beneficiar alguns poucos pais e algumas poucas crianças – e uma minoria ínfima de mulheres (porque para que fossem beneficiadas seria de se supor que estas mulheres ainda vivessem com parceiros, que os parceiros assumiriam os filhos, etc etc etc) – é promover uma discussão mais aprofundada sobre o tema.
Então é isso que pretendo aqui, aprofundar essa discussão e convidar você a olhar novamente essa questão sem se esquecer de ninguém.
Vejam. Não sou da área fiscal. Não sou da área tributária. Estou começando muito recentemente e de maneira muito superficial a entender o que vem a ser o tal do SIMPLES NACIONAL, declaração de lucros, etc., e isso apenas porque o blog Cientista Que Virou Mãe se transformou numa plataforma com CNPJ, portanto uma empresa, e embora não seja eu a responsável por esta parte legal/tributária/financeira, tenho procurado entender alguma coisa. E, ainda que eu esteja longe de ser uma especialista, notei algo no mínimo estranho nesta lei…
Primeiro: para isso tive que ler a lei na íntegra, o que já é um avanço porque, como eu disse ali em cima, não é sempre (nunca) que a gente lê uma lei inteira antes de emitir opinião. Não fazemos muito a Glória por aí, o que a gente faz é bem o contrário, não lemos e saímos cheios de dedos e conclusões pelo mundo, advogando e concluindo. Pois bem. A coisa toda sobre a ampliação das licenças está lá no ARTIGO 38, que, de maneira resumida, diz que essa lei modifica alguns aspectos do que se chama PROGRAMA EMPRESA CIDADÃ, prorrogando por 60 dias a duração da licença maternidade (então vai de 4 para 6 meses) e por mais 15 dias a duração da licença paternidade (que vai de 5 para 20 dias – pausa: 20 DIAS!!! Quase 60% das mulheres brasileiras dão à luz por cesarianas, 20 dias ainda tá doendo o corte e lá vai o homem embora… Enfim, foi mais forte do que eu). Vamos lá. Tá lá, então, garantido no Programa Empresa Cidadã a nova ampliação das licenças. Aí cai na mídia tradicional: maior celebração, todo mundo comemorando, vamos compartilhar.
Calma.
Você se perguntou para quem é essa licença?
Todos os homens vão usufruir dessa licença?
Não. Quais irão?
Os que são trabalhadores formais de empresas que declaram seu LUCRO REAL.
Mas e se o cara trabalha em empresas que aderiram ao SIMPLES NACIONAL? [Ué, mas o Governo Federal não estava numa batalha aí recentemente pra fazer todo mundo sair da informalidade e ir pro Simples Nacional pra aumentar a arrecadação? Então não deve ter a maior galera no Simples agora?]. Bom, se o cara trabalhar numa empresa que aderiu ao SIMPLES NACIONAL ele não tem direito.
Mas e se o cara trabalha em empresas que declaram seu LUCRO PRESUMIDO? Não, esse cara também tá fora.
Tá, e os caras que não têm trabalho formal? Ué, é claro que tão fora. Esqueceu que tem gente muito invisível neste país?
Então vamos mais um bocadinho.
Quem são as empresas que declaram LUCRO REAL e que, portanto, podem aderir ao Programa Empresa Cidadã e que, portanto, podem ampliar as licenças para as mães e os pais de seus quadros empregatícios? As mega empresas, as grandes, as com lucros de algumas dezenas de milhões anuais, mais de 70 milhões. Ué, mas não são essas que estão sofrendo com a crise? Ué, mas não são essas que estão demitindo mais? "Pô, mas justo agora que eu, pai, fui demitido eles ampliam a licença?". É, cara, a vida é dura.
Tá, e para onde vão essas pessoas que saem das grandes? Geralmente, em tempos de crise, são as pequenas ou microempresas que se beneficiam, os pequenos empreendedores, que ou são SIMPLES NACIONAL ou fazem suas declarações de imposto de renda com base no LUCRO PRESUMIDO (menos rígida, mais flexível). E aí aquelas pessoas demitidas das grandes – que poderiam ampliar as licenças – são incorporadas pelas pequenas ou se tornam as pequenas. E NÃO TEM LICENÇA AMPLIADA AQUI NÃO. Por que? Porque empresa que tá no SIMPLES NACIONAL ou declara LUCRO PRESUMIDO não entra no Programa Empresa Cidadã, logo não ampliará a licença.
Deixa eu explicar melhor. Poder ampliar, pode. A diferença é que empresa que está no Programa poderá abater os custos de sua declaração, ou seja, é benefício fiscal. Empresa pequena não pode… Então, se a empresa pequena decidir ampliar as licenças de seus funcionários, é por sua conta e risco, porque não há abatimento fiscal. Eu não sou muito boa de matemática e gosto mesmo é das miçangas, mas me parece que não há muito problema pra entender que o pequeno empresário não terá como arcar com isso sem risco de fechar as portas, não?
"Ah, mas você está chutando, não deve ter tanto empregado assim em empresa que é SIMPLES NACIONAL. A galera tá é na grande empresa mesmo".
Vamos aos números?
O site da Receita, em sua área de estatísticas do Simples, diz o seguinte:
Em 2014, foram 558.337 novos estabelecimentos pedindo a opção pelo Simples.
Em 2015, foram 859.747 novos estabelecimentos pedindo a opção pelo Simples.
Em 2016, que só tem 3 meses ainda, já temos mais de 424.000 novos pedidos pelo Simples.
Isso considerando todas as regiões fiscais do país.
De acordo com o Ministério do Trabalho, temos cerca de 40 milhões de trabalhadores com carteira assinda no país (eu não acredito nisso, mas quem sou eu?), entre homens e mulheres. E, segundo a Receita Federal, há cerca de 3 milhões desses trabalhadores no Programa Empresa Cidadã. Minha gente: FAÇAM AS CONTAS. Onde estão os outros 37 milhões?! Cadê?
É MUITA gente. Quer dizer: é muita gente que continuará 4 meses com o bebê (mães) ou 5 dias com o bebê (pais). Quer dizer: quando a gente diz que "É POUCO", não estamos falando apenas do número (ínfimo) de dias com um filho em casa (20 dias). Estamos falando de "É POUCO" homem na jogada, entendem? Isso aí tá errado!
"Ah, mas não há verba pública pra subsidiar tanto benefício fiscal no caso do Programa Empresa Cidadã abranger outras empresas". Não há?! Quiéisso?! Fui buscar informação que anda sendo divulgada aí e vi que uma pesquisa da USP e da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal estimou que, supondo que todas as empresas elegíveis se cadastrem no Programa e ampliem suas licenças, isso vai custar 0,009% da arrecadação federal! Estamos falando de arracadação das grandes empresas! Representando menos de 0,01% de toda a receita da União! Você sinceramente acha que incluir as pequenas empresas nesse benefício fiscal representaria muito mais?! Por favor, me traz as miçangas que essa eu quero contar…
Bem, claro que esse tom jocoso é apenas para dar a noção da insuficiência de abrangência dessa lei. Homens que estão em pequenas empresas continuarão a terem seus 5 diazinhos apenas. Mulheres, seus 4 mesezinhos apenas. A galera da informalidade? Continua excluída, como sempre…
Mas acontece que eu deixei o pior para o final. "Prepare o seu coração…. Pras coisas que eu vou contar…", é o que diz a música, não é?
Lá, naquele mesmo ARTIGO 38, da LEI No. 1257, que prevê o Programa Empresa Cidadã, que prevê a ampliação da licença paternidade de 5 para 20 dias, a gente lê o seguinte:
II – será garantida ao empregado da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que o empregado a requeira no prazo de 2 (dois) dias úteis após o parto e comprove participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável.
Repito.
E COMPROVE PARTICIPAÇÃO EM PROGRAMA OU ATIVIDADE DE ORIENTAÇÃO SOBRE PATERNIDADE RESPONSÁVEL.
Agora eu pergunto pra vocês:
QUE PROGRAMA?!
Não tem programa. Cadê programa? Não há programa nenhum ali. A lei não contempla isso. E parece que nem a lei, nem a vida real…
Então reflitam bem antes de celebrar migalhas porque "ah, é um avanço". Avanço? Pra quem? Como? Onde? Aqui cabe bem aquele meme do John Travolta procurando. Ou da nossa incrivel Glória Pires com seu "não sou capaz de opinar".
Aprendi neste pouco tempo que não há avanço se ele não é para todos. E aqui é um óbvio exemplo de que não será.
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