Parei em frente ao computador inúmeras vezes nos últimos dias pra ver se conseguia fazer com que o tanto de sentimento sobre esse ano saísse de mim em forma de texto. E não conseguia, doía demais. Hoje, depois de uma mensagem recebida pelo whatsapp, enfim consegui. Foi um ano incrível de muitas conquistas. Mas também de muita dor. Não de dor da morte ou da ruptura, como foi 2014 quando perdi meu pai e me separei do pai da minha filha, mas de dor DA VIDA mesmo. Tive que ter muita coragem em diferentes momentos. E tive. Tive que ter muita fé em muitos momentos. Não tive… Talvez por um grande equívoco, havia riscado temporariamente essa coisa de “fé” da minha vida [que descuido… que grande pena… estou retomando]. Tive que ter muito apoio de amigas. Tive. E aprendi muito. Mas aprendi pela dor.
Claro que tive momentos incríveis em 2015, de aprendizados regados a alegria, prazer, sensação de missão sendo cumprida, trabalho bem feito e tudo mais – o novo Cientista Que Virou Mãe e as dezenas de pessoas envolvidas nele estão aí pra dar apenas um exemplo. Mas os maiores aprendizados deste ano vieram, sim, pela dor. Não sei se pra vocês foi assim, mas pra grande parte das pessoas com quem convivo foi. Um ano difícil de muita superação, todos os dias, toda hora, de levantar de um caldo e já avistar uma grande onda chegando – isso quando dávamos sorte e não éramos arrebatadas sem qualquer aviso prévio pela cacetada da maré. Aprendi muita coisa e meu “relativo” afastamento do Cientista Que Virou Mãe (pelo menos como escritora, já que em outras dimensões estou aqui sempre presente…) também se deve a essa quantidade imensurável de aprendizados. Então, depois de um longo período sem escrever aqui, vim compartilhar um pouco do meu aprendizado neste 2015, na esperança de que muitos e muitas de vocês também possam ter aprendido com as complexidades deste ano. Essa é a primeira vez que escrevo no novo Cientista Que Virou Mãe. Estou feliz por ser justamente no fechamento deste ano incomparável – em todos os sentidos.
O que aprendi em 2015?
– Aprendi que insistir infinitamente em coisas que nos trazem dor e sentimento de incapacidade durante toda uma vida não vale a pena. Que temos que deixar ir, ainda que nos custe muito, ainda que seja uma parte de nós. Que simplesmente temos uma capacidade limitada para resolver problemas complexos e que, sim, tem coisa que não vamos resolver e fim. Temos. Que deixar. Ir. Fim.
– Aprendi que justiça e paz às vezes não se consegue nem na justiça nem com juiz de paz. Se consegue dentro dos nossos corações, quando elas acontecem sinceramente, quando refletem um desejo genuíno de que se faça a justiça e seja alcançada a paz, às vezes nos 15 minutos que antecedem uma decisão importante, quando você consegue esfriar a ebulição que acontece em seu ser e dizer sinceramente “Posso fazer isso diferente”. Sei que parece muito abstrato… Mas só a experiência concreta disso nos mostra quão mágico pode ser. Justiça está aí pra ser usada e deve ser. Mas o sentimento de justiça é dentro da gente que acontece ou não.
– Aprendi que estudar a violência não é pra qualquer uma. E aqui falo no feminino, porque neste ponto estou falando especificamente para mulheres. Estudar a violência contra a mulher, especificamente, não é pra qualquer uma. E esse é um grande conselho que deixo para graduandas, mestrandas, doutorandas, pesquisadoras e escritoras independentes, ativistas e demais profissionais que precisam estudar mais profundamente a violência contra a mulher. Há que se ter muito preparo emocional para estar exposta cotidianamente, durante anos, a relatos de violência, muitos deles que você consegue enxergar na própria vida, às vezes explícitos, às vezes sutis. Eu não consegui… Estou com muito esforço tentando concluir esse meu segundo doutorado, às custas de uma espécie de estresse pós-traumático que desenvolvi depois de 4 anos de leituras sobre violência contra as mulheres em seus partos, às custas de noites de insônia, de forte angústia e choro sentido cada vez que preciso sentar e escrever, às custas de mim mesma. Ainda mais quando se tem um coração como o meu, que sente fácil a dor do outro. Aprendi na pele que quando a gente olha muito o abismo, o abismo também olha pra você. E é preciso estar muito preparada, porque dói demais.
– Aprendi que uma ideia nossa, surgida do nada, aparentemente louca, pode sim ser inovadora e promissora, pode sim dar certo. Mas que, até que você a veja como tal, muita gente vai te dizer: “Não seja boba. Não seja ingênua… Isso é muito complicado, ainda mais sendo mulher. Sabe como a sociedade vê as mulheres na tecnologia, né?”. Isso dói um tanto que olha… Ser desmerecida em sua capacidade apenas por ser mulher é abominável. Foda-se. Toque o foda-se. Vá e faça. Vai doer e vai doendo, mas vá e faça. Encontre parceiros. Encontre pessoas. Vá ao coração delas. Encontre um grupo que acredite em você. E vá sem medo. E olha, não se esqueça de, dando certo, abrir os dois braços na frente de todos, bem largos, e dizer bem alto: “Vai ter mulher sim, porra! Vai ter mãe, sim! Diz agora que não vai ter!”. Não é comunicação não violenta. Mas foda-se. Tem hora que só assim pra tirar o nó da garganta e cuspir o sapo de volta.
– Aprendi mais uma vez, em 2015, que nossos filhos são nossos mais genuínos espelhos. Que a angústia tão profunda que você está sentindo a ponto de lhe faltar o ar pode se apresentar na bronquite da sua filha. A ciência não prova isso. Mas eu também estou cada vez mais puta com a ciência, então vale mais a observação empírica de mãe e deu. E aprendi que não cabe culpa nesses casos. Cabe acolhimento. A si mesma. Cabe amor. Amar-se. Olhar-se com empatia – aquela que todo mundo vive falando que temos que ter com o outro pra poder mudar o mundo, mas que dia após dia nos esquecemos de ter com a gente mesmo. E dar colo. Sempre e muito. À filha. A si mesma. Colo farto.
– Aprendi que nada, nada, nada nesta vida tem mais valor do que o apoio da sua rede. Da sua rede de amigas, especialmente. Nada. Porque quando te faltar tudo, qualquer coisa, do material ao ar, serão elas que estarão lá. Às vezes nem estarão presencialmente, mas estarão. Elas. Mulheres. Fodonas. Tenho a mais plena certeza de que só chegamos até aqui como sociedade organizada porque eram mulheres a protegerem o círculo social, a estabilidade emocional e se alguém disser que não era assim, eu duvido (a história foi escrita por homens). E que a coisa começou a desandar quando nos tiraram da manutenção da coesão. Somos nós. São elas. Mulheres. Que te olham nos olhos, te pegam pelas mãos, te seguram pelos ombros e dizem, “Vai, porra! Tu consegue!”, ou “Miga, que merda foi essa?!”, ou ainda "Tó, trouxe uma cerveja. Para tudo e vem tomar comigo", ou então "Quer que eu vá lá e mate por você? Eu mato”. E aí, como boa amiga que você também deve ser, você vai responder: “Não, miga, se acalma que dá cadeia”. Amigas. Aprendi que elas são a maior e mais coesa família que uma mulher pode ter. Juro pra você.
– Aprendi que seus vizinhos podem estar te observando mais do que você imagina e que podem desenvolver por sua filha um amor e um carinho expresso nas formas mais encantadoras possíveis, e que isso vai encher seu coração de esperança em dias muito cinzas.
– Aprendi a não traçar metas para o novo ano, porque isso cria expectativas, e expectativa é BICHO SELVAGEM QUE NÃO DÁ PRA CRIAR. E que sim, tu te tornas eternamente trouxa pela expectativa que cultivas. Todos esses memes, queridas, são reais. Deixe o Foucault de lado e foca nos memes. Sábios.
– Idem para as pessoas esse lance de expectativas, viu? Esquece.
– Tesão, gente. O tesão. Quando te faltar tudo, ele vai segurar a onda. O tesão. Tenha muito. Por tudo. Pessoas, trabalhos, textos, planos, comidas. Mas tenha. Não deixe faltar. Plante na horta. Congele para períodos de escassez. Empreste. Dê. Troque. Multiplique. Sem tesão não dá pra viver e isso pode te salvar. Me salvou.
Aprendi mais centenas de coisas que obviamente não vão escritas aqui. Foi tudo aprendido com base em muito esforço, suor e grande dose de lágrimas (e drama, porque tenho algum planeta em alguma casa fazendo zona, juro, não sei qual é nem onde). E sigo aprendendo neste 2015 até o finzinho.
Por fim, nos 45 do segundo tempo deste ano chamado 2015, aprendi mais um bocadinho. Aprendi que não adianta a gente querer ver flor onde não há e aprendi que NUNCA devemos aceitar o sentimento de "NÃO SERMOS DIGNAS O SUFICIENTE PARA ALGO". Nunca. Porque foi exatamente isso o que sempre tentaram fazer com a gente em toda nossa história. Somos dignas. Somos valorosas. Somos incríveis e É SIM UMA HONRA conviver com a gente, essas mulheres que se desdobram em mil e se partem em centenas de seus próprios pedaços para quebrar paradigmas seus e alheios, para transmutar dificuldades, para viver de maneira coerente, para dar amor, para amar filhos e amigos e pessoas que precisam ser amadas. É uma honra estar com a gente sim! Temos que ter isso muito explícito para nós mesmas. E se alguém não agir assim, deixe ir. Deixe partir. Liberte-se. Vá embora. Siga em frente. Já passamos dessa fase. Aparência é o que todo mundo tem. Profundidade, nem todos. Não nos contentemos com nada menos do que merecemos, amém.
Em 2016, eu espero que tenhamos o mesmo tanto de coragem que tivemos em 2015. Mas que precisemos usá-la menos. Espero que todos os sobressaltos cardíacos sejam por amores avassaladores genuínos e não baseados em “eu te amo” vazios ou em sustos desnecessários. Espero que você ame a si mesma. Mas ame muito. Que se olhe no espelho e diga: “Mana que foda que tu é”. Porque você é. Escolha bem as pessoas com quem vai conviver. Acredite nas suas ideias mais loucas. Termine essa porra de tese e vá viver outras experiências (essa foi pra mim mesma). E, acima de tudo, não deixe ninguém dizer que você não pode algo. Até a galinha que atravessa a rua já se rebelou e disse que ela atravessa a rua PORQUE QUER, PORQUE NÃO É OBRIGADA, e a gente aqui fazendo onda? Não. Nós podemos. Sobrevivemos a 2015, podemos tudo. E se alguém disser que não, responda:
“Veja como eu faço”.
Chama o Mestre dos Magos pra nos tirar de 2015, vai, corre. Beijos a todas. Fartos e sinceros.
*A imagem que ilustra esse texto é a cena final do filme Thelma e Louise, que dedico à minha parceira, amiga, sócia e que me mandou a mensagem via whatsapp que menciono no início deste texto, enchendo-me de coragem para compartilhar os desafios que atravessei neste ano. Grata por tudo, querida. Será uma honra conhecer o lugar onde surgiu sua família. É uma honra fazer parte dela.