Mande beijinhos a todos, ultramarina, por mim.
Acho que vou morrer sem conseguir aceitar esse negócio de morte. Estava aqui. Agora não está mais. Arthur Schopenhauer diz que quem não tem medo da vida, não tem medo da morte. Eu não tenho medo da morte, da mesma forma que não tenho medo da vida. Não é “medo” a categorial emocional. É indignação. Sou uma indignada com a morte. Sou espírita, mas sempre que os que eu amo vão embora, e eles estão sempre indo, não consigo aceitar resignadamente. A vida não tá nem aí pro fato de nós aceitarmos ou não a morte. Ela faz o que quer… Mas enquanto eu puder manifestar minha indignação, vou manisfestar. Simone de Beauvoir diz que a morte parece menos terrível quando se está cansado. Minha avó portuguesa, então, não deve ter achado nada terrível, porque estava mesmo muito cansada. Mas eu sou como diz John Donne: a morte de cada homem diminui-me, porque eu faço parte da humanidade. Só que eu mudo um pouco o pensamento de Donne e digo: quando os sinos dobram, é por todos nós que dobram… E quando cada um deles se vai, parece que vai junto um pouco de mim.
O que sobrará?
Não há mais Marias Cecílias.
Não há mais Vilas Edes.
Não há mais portuguices…
Por onde andarei agora?
Toda morte me é muito dolorosa. Mas essa está sendo ainda mais. Porque com ela foi-se a minha procedência. Agora só nós, os novos, cá estamos… E o que é um mundo sem eles, os antigos?
… e eu estou escrevendo isso no lugar onde ela estava sentada nessa fotografia…