Quando tenho alguma grande tarefa pela frente, para garantir que ela seja bem feita eu uso uma estratégia poderosa: me preparo. Muito.
Estudo. Pesquiso. Me dedico. Faço as coisas bem feitas – tento, pelo menos.
Sou meticulosa e detalhista.
Até faço umas besteirinhas no caminho, mas logo pego o rumo de novo.
Apavora-me a ideia de não conseguir um bom desempenho apenas por não ter me dedicado como deveria. Uma coisa é você não conseguir por motivos que fogem ao seu controle. Outra coisa, bem diferente, é você não conseguir um bom resultado porque não se dedicou e se preparou como deveria… Montes de pais dizem isso para os filhos e, na prática, também não fazem. E isso vale para tudo: trabalho, sonhos, relacionamentos, tudo.
Eu não consigo agir assim, ir na louca, na cara e na coragem, sem uma boa preparação anterior.
Tenho uma defesa, uma prova, uma entrevista, um qualquer coisa, PRECISO me preparar. Se achar que não estou preparada, nem me meto a besta.
Assim foi com a minha gravidez. Assim tem sido. Assim será até o finzinho.
Mas acontece que eu já estou no finzinho…
Antes eu contava o tempo que faltava em meses. Depois, em semanas. E agora, entre semanas e dias. Está chegando a hora do parto.
Está chegando aquela hora que todas as mulheres sensíveis com as quais cruzei durante esses 9 meses profetizaram: está chegando a BOA HORA.
É a coisa mais linda, mais querida (como diz o manezinho da ilha…), ouvir as pessoas te desejando uma boa hora.
Mas o que é uma boa hora?
Tradicionalmente, são os votos que são feitos às mulheres grávidas, principalmente àquelas que se encontram próximas ao momento do parto.
Uma bora hora seria, assim, um parto tranquilo, sem complicações, com mãe e filho saindo dessa bem saídos.
Mas a boa hora não acontece do nada, apenas porque Nossa Senhora do Bom Parto assim o quis.
Andei procurando a oração de Nossa Senhora do Bom Parto para ler nesses próximos dias. E decidi, depois de pensar nela, que não a utilizarei.
Achei a oração meio catastrófica, sorry…
Nada contra a Igreja Católica e suas orações, nada. Mas veja só:

Ó Maria Santíssima, vós, por um privilégio especial de Deus, fostes isenta da mancha do pecado original, e devido a este privilégio não sofrestes os incômodos da maternidade, nem ao tempo da gravidez e nem no parto; mas compreendeis perfeitamente as angústias e aflições das pobres mães que esperam um filho, especialmente nas incertezas do sucesso ou insucesso do parto. Olhai para mim, vossa serva, que na aproximação do parto, sofro angústias e incertezas. Dai-me a graça de ter um parto feliz. Fazei que meu bebê nasça com saúde, forte e perfeito. Eu vos prometo orientar meu filho sempre pelo caminho certo, o caminho que o vosso Filho, Jesus, traçou para todos os homens, o caminho do bem. Virgem, Mãe do Menino Jesus, agora me sinto mais calma e mais tranquila porque já sinto a vossa maternal proteção. Nossa Senhora do Bom Parto, rogai por mim!

Calma.
Clara não foi feita por pecado original não, calma.
Foi feita é com muita alegria. Não sabia que estava fazendo, mas fiz feliz.
Senti mesmo umas ziquiziras esquisitinhas na gravidez, como azia, cansaço, dor no ciático, nos ligamentos pélvicos, mas não acho que isso foram “incômodos da maternidade”. Foram coisas facilmente explicáveis pelas mudanças que se passaram (e ainda se passam) no meu corpo.
Sabe… acho que prefiro uma conversa menos dramática com Nossa Senhora do Bom Parto. Uma coisa mais de “mulher pra mulher”.
Então fiz minha própria oração:

“Nossa Senhora todas – da Graça, de Fátima, Aparecida, Desatadora dos Nós, do Bom Parto, todas.
A senhora é mãe.
Sabe o que é ter um filho corajoso, destemido, obstinado, líder e ousado para o seu tempo.
Sabe que isso traz uma grande alegria ao coração, mas também um medo tremendo de perdê-lo…
Então conhece melhor do que todas as outras mães a tal “dor e delícia” de ser mãe.
Eu não devia pedir mais nada nessa altura do campeonato, visto que fui tão protegida e amparada durante essas 37 semanas e 5 dias em que gesto minha filha.
Devia, agora, dizer: obrigada, muito obrigada, e ponto e basta.
Mas, sabe como é, sou humana, não sou santa, sou imperfeita e cara de pau.
Então vou pedir à Senhora só mais uma coisinha: proteja minha pequena família durante o meu trabalho de parto.
Que possamos ser corajosos, fortes, amáveis, carinhosos e biológicos.
Que eu sinta todas as mudanças como processos naturais e, assim, deslize suavemente pela Boa Hora.
Que eu transforme eventuais dores em compreensão de que elas são, apenas, consequência de termos adquirido a característica bípede, com consequente estreitamento da bacia, e não como sofrimento.
De que são etapas fundamentais de preparação física e espiritual para a chegada da minha filha.
Que eu me lembre, a cada contração, a cada segundo, que são minutos a menos que me separam do momento de ver o rosto da Clara.
Que o trabalho de parto seja, para todos nós, um momento tranquilo, seguro e natural.
Que a Clara encontre, feliz, o caminho de volta, a fim de nos reencontrar.
Que eu tenha força até o fim.
Força e fé.
Que o Frank também seja forte e seguro, para vivermos isso juntos.
E que nossa filha venha cheia de saúde, de alegria, de energia e vigor pro início de uma nova experiência de vida.
Que todas as nossas amigas do parto sejam envoltas por uma energia de amor e tranquilidade para que, durante as horas em que estaremos juntas, possamos ser uma grande família.
Está meio frio lá fora, mas eu peço à Senhora que nossa sala seja, durante essas horas, um grande centro de calor humano e confiança na vida.
Por fim, peço que proteja a mim e a todas as mulheres que encaram suas missões sem pavor, com a cara, a coragem e a barriga.
E que dê força àquelas que ainda não são seguras de si.
Esteja conosco na Boa Hora, como tem estado sempre.
Amém.”

Hoje tive mais uma consulta domiciliar de preparação para o parto. E hoje me senti totalmente preparada. Acredito de corpo e alma que terei, realmente, uma Boa Hora. Mas essa segurança não veio do nada não. Veio da preparação prévia que mencionei no início. Da dedicação, da entrega, da aceitação e do aprendizado.
É inevitável que, agora que está chegando a hora, eu vá fazendo uma retrospectiva de todo o percurso. Aprendi muito, meu Deus do céu, como aprendi.
Que experiência tão incomparável…
Aprendi mais do que havia aprendido durante grande parte da minha vida.
Não dá pra dizer o que foi mais importante.
Mas talvez eu possa tentar enumerar – correndo o risco de errar – aquilo que provavelmente vai me deixar mais marcas.
1 – Confiar na vida.
2 – Confiar em si mesma.
3 – Confiar nos outros.
Agradeço a todas as mulheres queridas que me desejaram um BOA HORA.
Tenho tido Boas Horas desde que soube da minha gravidez. Tive horas difíceis sim. Muitas. Mas em termos de importância na construção de quem sou hoje, até essas horas se transformaram em Boas.
Essa semana, uma senhora muito simpática, chamada Fátima (o mesmo nome da minha mãe), que não conheço, me sugeriu a leitura da Adélia Prado nesses dias que antecedem o parto.
Obrigada, Fátima! Já leio a Adélia há muito tempo, mas, realmente, es
se é um momento ainda mais especial para lê-la.
Então eu escolhi um poeminha dela pra fechar minhas elocubrações de hoje:

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
– dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Boa Hora pra todas! Grávidas, não-grávidas convictas, já-não-mais-grávidas e ainda-não-grávidas.

Imagem disponível em www.pattirondolino.com

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