Todos nós lançamos mão de diferentes estratégias para evitar a tristeza e a dor.
Alguns se isolam, outros se enchem de companhias.
Uns enchem a cara, outros se apegam a religiões.
Uns comem até passar mal, enquanto outros mergulham nos esportes.
Uns se isolam em casa, outros enfiam a cara no trabalho.
Alguns se apegam aos filhos, outros aos livros.
Alguns não conseguem lidar bem com uma carga emocional tão forte, acabam sucumbindo, e aí vem a depressão, esse bicho estranho que fica ali à espreita: chega, mata e come, enquanto outros fingem ser alegres e até passam por comediantes…
Uns expressam toda a sua tristeza no mesmo momento em que estão vivendo a dor, outros têm um atraso no processamento de toda essa emoção, e acabam sentindo mesmo só lá na frente.
Cada um adota uma estratégia comportamental e cognitiva diferente e isso depende de sua própria constituição emocional, psíquica, biológica e de sua história de vida.
No meu caso, varia muito. Mas já percebi que, quando a carga emocional é muito forte e negativa, tendo a me comportar de uma maneira muito peculiar, principalmente considerando minha mente analítica de cientista: finjo, naquele momento, que nada aconteceu. Crio uma história mental que me ajuda a minimizar, pelo menos temporariamente, toda a dor que por ventura esteja sentindo.
O problema é que não me engano para sempre, dura apenas algum tempo… E lá na frente, sem poder prever quando, vem a realidade e cai como uma avalanche sobre a minha cabeça.
Foi assim há exatamente cinco anos atrás…
Em 29 de setembro de 2005, minha família, que já vinha de algumas perdas familiares, viveu um dos maiores baques que poderíamos ter vivido: a perda da minha irmã, Mara.
[O fato de estar conseguindo falar sobre isso hoje demonstra que, aqui dentro, já estou bem melhor… Mas foram 5 anos para isso. E acho que vou ficar para sempre no “quase”…]
Mara foi, para nós, a pessoa mais especial que poderia ter estado em nossas vidas. Era nossa irmã mais velha, ao mesmo tempo que, às vezes, parecia ser a mais nova. Amiga inseparável, dedicada, fiel e parceira da minha mãe. O braço direito de toda a minha família. E era nossa irmã por escolha, não por imposição genética.
Esteve ao nosso lado nos momentos mais felizes de nossas vidas e não tardava a segurar nossas mãos quando estávamos prestes a cair. Nos salvou da queda muitas e muitas e muitas vezes. E fazia isso com leveza, bom humor, sorriso e sua frase sempre salvadora: “Aguarda e confia”. Pessoa de moral irretocável, dotada de uma ética incontestável, sensível, humana, forte e ao mesmo tempo frágil. Querida no mais alto grau da queridice.
Conseguia ser confidente de todas nós ao mesmo tempo, sem nunca dar sinal disso.
Tinha, com cada uma de nós, uma relação de amizade, irmandade e amor diferente.
Leal até debaixo d’água. Ninguém teve, nunca, nada a falar de ruim sobre ela.
Sim, isso parece ser difícil no mundo de hoje… Mas ela era assim.
E aí, um dia, veio a vida e a levou…
Do nada. No susto. De sopetão. Nos fazendo acreditar que era um erro e que Deus havia se enganado nessa…
Cada uma de nós reagiu de um jeito. E só cada uma de nós pode dizer exatamente o que a perda dela nos causou. Mas há uma unanimidade nisso tudo: nossa vida se divide claramente em “antes” e “depois” de sua partida.
Surpreendentemente, minha estratégia para lidar com essa dor foi contra tudo o que eu acreditava: neguei a realidade e fingi que ela não havia acontecido. Como ela viajava muito – com sua paixão por conhecer lugares diferentes do mundo -, simplesmente fechei os olhos e disse a mim mesma: “Ela foi viajar e dessa vez vai demorar um pouco mais a voltar. Só isso. Nada mais”. Assim. Negação pura e simples.
Realmente não sei se já falei sobre isso com alguém… mas foi assim que eu fiz.
E, junto com esse pensamento, fugi como cachorro assustado de tudo o que pudesse trazê-la à mente. Foi, também, quando me mudei para Florianópolis. Esse não foi o motivo da mudança, mas foi um grande reforçador da decisão.
Eu não sabia, naquele momento, como lidar com aquilo e como ajudar minha família a lidar com aquilo também… Eu, que sempre estava pronta para ajudar, naquele momento não consegui – porque não sabia como – ajudar ninguém.
E essa fuga da realidade foi uma péssima ideia… Porque o tempo foi passando e ela não chegava nunca. E a saudade ia ficando mais forte, mas ela não voltava nunca. E aí, em 2007, eu me toquei que ela não voltaria mais. E tive que lidar com tudo o que eu havia jogado pra debaixo do tapete. E foi um senhor tombo.
Não estou curada. Nem acho que estarei um dia. Porque o desencarne dela não faz nenhum sentido pra mim, e acho mesmo que nunca fará.
Sinto mesmo que foi uma estupidez. Ao mesmo tempo, acho que fez sentido. Ela era muito boa para esse mundo, era muito diferente, ela destoava de tudo isso que aí está. Nisso, todas concordamos. Ela não combinava com toda essa lama terrestre. Com certeza está seguindo o caminho dela num lugar muito mais iluminado. Mas – quer saber? – isso também não me serve de consolo….
Por isso, hoje, faço uso do direito que me foi outorgado por minha própria ignorância e insignificância perto de todos os mistérios que existem e digo: irmã, amiga, como eu queria que você estivesse aqui conosco ainda. Não queria chorar esse tipo de lágrima porque sei que não é bacana. Um dia espero não mais chorar… Mas enquanto isso, como eu gostaria que você estivesse aqui…
Tem tanta coisa legal acontecendo…
São 3 horas da manhã… Não consegui dormir pensando nisso…
Agora já é hora do lanchinho da madrugada da minha filha.
Que bom que a Clara, chegou. Que bom que o Murilo chegou.
As coisas estavam ficando muito vazias por aqui…
São só dois lados da mesma viagem…
Mas um desses lados dói pra cacete.