Ele, meu companheiro e pai da minha filha, fez isso para nós e para todas que 
tornaram isso possível…

Demorou, mas antes tarde que mais tarde.
Na semana passada, eu e Clara, financiadas pelo grupo de mães do qual faço parte (todas atendidas pela Equipe Hanami – Parto Domiciliar Planejado e conectadas por uma lista), seguimos para São Paulo para participar de uma discussão promovida pela vereadora Juliana Cardoso sobre “Violência no Parto”. Contei a emocionante história de como isso surgiu aqui e aqui.

Foi inesquecível por muitos motivos.
Pela mobilização toda que houve antes, porque foi uma grande oportunidade de representar o grupo e os ideais que nos norteiam e, também, porque foi a primeira viagem de avião da Clara…
A primeira viagem de avião dela a levou para discutir uma coisa tão importante…
E uma mãe coruja que se preze tem que enaltecer este feito, dizaí?

Comecemos pelo dia anterior, na preparação para o vôo. Mochila pronta, Clara fez questão de tirar uma fotinho de divulgação do documentário Hanami – O Florescer da vida, produzido pela Priscila Guedes, na condição de “garota propaganda”. Não precisei fazer muito esforço: dei o dvd na mão dela, ela segurou, eu tirei a foto e fim. Como se tivéssemos feito isso sempre…

O vôo foi super tranquilo. Clara foi amarradinha no sling, dando tchau para todos os seres viventes que ia encontrando enquanto eu ia andando.

Sentamos ao lado de uma moça que parecia ter fobia de bebês. A pobre criatura foi super antipática e quase colou na janelinha, acho que com medo de que fôssemos querer interagir com ela. A pobre. A coitada.

Bem, aí o avião decolou e essa era a parte que eu tinha medo, em função da variação de pressão e dos tímpanos da Clara. Seguindo as recomendações de todos, coloquei a pequena pra mamar e foi tudo às mil maravilhas.

Depois que o aviso de atar cintos se apagou, estávamos nós brincando e conversando, Clara quase engolindo o pacotinho do fone de ouvido (ela não me ouve quando falo aquelas paradas sobre bisfenol pra ela…), quando duas senhoras nos cutucaram.

“Você é a Ligia né? E ela é a Clara né?”
“Sim, somos nós! – eu disse muito surpresa e sem entender…
“Eu leio o seu blog! Fiquei muito contente em saber que pegaríamos o mesmo vôo. Estamos felizes de saber que essa geração mais nova resolveu colocar a boca no trombone por algo que acontece há décadas. Você tem cópias do documentário que pudesse dar pra gente? Minha filha está grávida, não quer ter o bebê no hospital, mas não sabe quais são as alternativas“.

Choquei. Não tô acostumada com essas coisas não…
Preciso falar sobre minha surpresa e alegria? Dei três exemplares para elas e, em troca… pedi pra tirar nossa fotinho, nesse momento tão bacana. Atente para a expressão da Clara. Algo como:

“Mãe, tô sorrindo mas tô um pouquinho tensa, tá? Não tô conseguindo disfarçar muito bem não”.
(tive que cortar a foto porque a moça com fobia de bebês aparecia ali do lado, vai que ela me processa…)

Fizemos uma viagem bem tranquila, foi muito bacana essa nossa primeira experiência juntas pelos céus do Brasil.
Chegamos ao aeroporto e a Alyssa, mãe que também participa da lista e que não conhecíamos, foi muito gentilmente nos buscar e tocamos em direção à Câmara de SP. Chegando lá, começaram as muitas alegrias do dia: encontrei minha irmã sentada na porta da câmara, nos esperando. Não nos víamos desde o natal do ano passado e a saudade é sempre muita. Eu sou muito apegada às minhas irmãs e sofro demais por viver longe delas.
Subimos para o Salão Nobre, que estava relativamente vazio, mas foi se enchendo com o andar da discussão.
Sentamos, e foi quando eu fiquei sabendo que o debate passaria ao vivo pela internet, no site da câmara. Liguei na mesma hora pra Sheila, e disse: “Amiga, vai passar on line! Corre, avisa a mulherada! Fala pra elas assistirem ao que elas mesmas tornaram possível”… e aí eu já vi que viria muita emoção pela frente…

Importante dizer que, durante toda a viagem, eu fui tirando fotinhos e mandando pra ela, para que ela jogasse na lista e todas as mães pudessem acompanhar, como se estivessem lá vivendo aquilo, porque estavam mesmo…

E o debate logo começou. Nesse ponto, tive a notícia chata de que o debate duraria apenas 2 horas. Tempo muito curto para discutir algo tão sério. Mas uma grande oportunidade para, pelo menos, começar uma discussão. Toda iniciativa é válida.

O professor Gustavo Venturi (FFLCH – USP, coordenador da pesquisa “Mulheres brasileiras e gêneros nos espaços público e privado”) começou apresentando os dados referentes à questão da ocorrência de maus tratos no parto – CHOCANTE. Fiquei muito mal nessa hora, muito mal. Foi difícil segurar o choro.
Os dados foram apresentados muito rapidamente, por causa do curto tempo para que tantas pessoas pudessem discutir algo tão profundo. Mas deu pra ver que grande parte do estudo foi feita APENAS COM MULHERES QUE TIVERAM PARTO NORMAL, parece que dados sobre mulheres que fizeram cesáreas não estão inclusos ali. Então imaginem a real proporção dos maus tratos no parto (que só
para mulheres que pariram normal foi de 1 a cada 4 mulheres…). Vou ler o estudo na íntegra pra ver se é isso mesmo. Mas fiquei ainda mais chocada.
Na sequência, foi a vez da médica Anke Riedel, coordenadora da Casa Ângela, uma casa de parto pioneira de SP, que se mantêm à parte da iniciativa governamental. Ela apresentou como funciona a casa e o maravilhoso trabalho que fazem lá com as mulheres. Na sala, inclusive, estavam inúmeros bebezinhos nascidos lá, com suas orgulhosas mães.
Depois, foi a vez da coordenadora do curso de Obstetrícia da USP, Nádia Narchi, aquele que está sofrendo por falta de registro profissional. Muito boa fala, muito humana, muito esclarecida, muito especial. E na sala também estavam presentes inúmeras alunas do curso de Obstetrícia, pedindo apoio à causa, para que o curso seja reconhecido pelo COREN e elas possam, finalmente, atuar numa área que precisa tanto delas.
Bem, depois foi a vez da representante do Programa Mãe Paulistana, Maria Aparecida Orsini (segundo o taxista que me atendeu depois, o programa é muito bom; a filha dele foi muito bem atendida lá no parto de seu neto, com amor e respeito; já a nora sofreu um bocado de repreensões e ofensas em outro hospital da rede).
Terminada a fala dos palestrantes, a vereadora promotora do evento deu a palavra à plenária, mas com muito pouco tempo disponível para cada um. E quando a assessora dela disse que havia uma mãe de Florianópolis, ela pediu logo para que eu falasse. Eu era a única participante de fora do município, quanto mais de fora do estado… Tremi. De verdade mesmo.

Nessa hora, adeus experiência docente de anos. Adeus hábito de falar em público. Adeus experiência de ter defendido um mestrado e um doutorado para uma banca avaliadora. Todo o nervosismo do mundo se abateu sobre mim. Na verdade, como bem disse minha irmã, não era nervosismo. Era EMOÇÃO. Várias vezes eu pensei que fosse chorar e não fosse conseguir segurar. Era muita emoção saber que eu estava representando tantas mães.

Fui lá eu.
Nervosa como perereca em poça secando. Voz embargada. Rosto corado. Sala já cheia. Peguei o microfone e mandei ver.
Pensei em cada mulher que eu havia conhecido nesses últimos tempos e que havia me contado ter sido desrespeitada em seu parto.
E boca no mundo!
Disse que estava representando cerca de 200 mães de Florianópolis que haviam se organizado e se mobilizado financeiramente para que eu estivesse lá e que nós havíamos sido atendidas pela Equipe Hanami de Parto Domiciliar Planejado. Que havia viajado 700 km para estar com minha filha de 8 meses lá para dizer que havia um grupo no sul do país preocupado com essa questão. Fomos muito aplaudidas nesse momento. Isso significa: nós, grupo de mães dessa lista, fomos todas muito aplaudidas – e foi uma emoção muito grande. Disse ainda que o estudo que havia sido apresentado estava servindo como motivação para que eu iniciasse um outro projeto na vida, relacionado ao desrespeito e maus tratos no parto (conversei com o autor do projeto ao final, em junho ele estará aqui em Floripa para apresentar os dados colhidos, ficou com meu contato para que eu o ajudasse a divulgar).
Bem, falei que uma mãe do grupo estava se dedicando a divulgar um documentário dirigido por ela e produzido por todas nós e que eu gostaria de entregar um exemplar pra cada um. Aí arregacei as mangas e fui, um por um da mesa da comissão, causando surpresa e entregando documentários. Todos eles agradeceram MUITO pelo exemplar recebido e se mostraram muito surpresos, positivamente surpresos. Fomos novamente aplaudidas, nós, as mães do grupo.

Quando virei pra plateia, estavam todos com os braços levantados, querendo exemplares do documentário. Distribuí o que eu tinha, foi tudo. Procurei dar um exemplar pra cada grupo, muita gente ganhou, muita gente ficou sem, muita gente veio atrás de mim, e fiquei ali ainda mais uma hora, uma hora e meia distribuindo dvd ou dando o site pra quem queria e ficou sem.

Foi incrível, incrível… Foi uma experiência sem termos de comparação.
Enquanto isso, Clara se divertia no colinho da tia Livia, feliz da vida.
Acho que demorou uns 2 dias para que minha adrenalina voltasse ao nível basal, caraca… Foi muita emoção.
Ao término disso tudo, as mensagens de celular não paravam de chegar, vindas de muitas das mães e amigas da lista que tinham conseguido assistir e estavam emocionadas.
Que experiência!
Muita coisa continua a ser processada, mas que experiência, que experiência!

E foi assim a nossa viagem para participar do debate sobre Violência no Parto. Totalmente emocionante, bem realizada e cheia de coisas boas.

Mas a alegria não terminava aí. Como o evento terminou relativamente cedo, e nossa viagem de volta seria apenas a noite, aproveitamos o final da tarde pra pegar colinho de irmã e tia e fomos fazer um programinha tipicamente paulistano do qual eu estava sentindo tanta falta: eu, Clara e Livia andando faceiras pela Av. Paulista, Augusta e arredores. Pagando miquinho tirando foto nas ruas. Felizes e contentes. E eu aproveitei pra conversar muito com minha irmã, que admiro tanto e com quem aprendo tanto tantas vezes.
Foi um dia inesquecível.
Absolutamente inesquecível.
Fui tão determinada que até o taxista (de Rio Claro, que coincidência!) me disse, depois que eu já havia descido do carro: “Olha moça, siga adiante e não olhe para trás! É o que eu dizia pros meus filhos quando eles estavam com medo. Vou contar pra minha nora que ela pode ter o segundo nenê sem ser maltratada, tadinha…”

Tem coisa para a qual ainda não se criou uma forma completa de agradecimento… Então eu vou usar o bom, velho e incompleto “obrigada” para agradecer a todas as mães da lista que tornaram isso possível.
Vocês foram incríveis! Nós fomos incríveis!

Algumas notinhas que saíram sobre nossa participação: Donna DC, site da câmara.

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