Há um discurso corrente que reforça a ideia de que mulheres que se tornam mães se tornam, também, super heroínas.
Que são super mulheres que dão conta de diferentes demandas e acumulam diferentes tarefas.
Mulheres maravilhas, dotadas de capacidade diferenciada do restante da população, capazes de modificar agendas, de se transformar em múltiplas e até, quem sabe, multiplicar os pães.
Tudo isso para dar conta da casa, da vida profissional, dos filhos, da alimentação, das roupas, de suas demandas individuais e mais as demandas individuais das pessoas de sua convivência.
E então nós, as mães, batemos no peito, ostentamos nosso orgulho e bradamos ao coletivo: SIM, SOMOS FODA. Somos mulheres maravilhas e damos conta de tudo. Dane-se que você não dê, dou conta no seu lugar, faço a sua parte e faço muito bem feito.
Sabe o que é isso? Não é um super poder.
Sabe o que é isso? Não é um dom, uma dádiva.
Sabe o que é isso?
Isso se chama: falácia. Isso se chama: opressão.
Isso se chama: discurso criado pelo senso comum (machista, patriarcal e opressor) e reverberado por nós mesmas e que não, não nos representa. Não nos privilegia. Não nos ajuda. E nos oprime. Ainda mais.
Veja. À medida que reforçamos o fato de termos poderes que não temos (porque não, gente, não temos…), dizemos à sociedade: Tudo bem essa sobrecarga, eu aguento. Tudo bem esse acúmulo de tarefas, eu dou conta. Tudo bem que você não queira fazer sua parte com seus filhos, eu faço. Nós dizemos: Tudo bem. Eu aceito. E faço desse limão uma caipirinha. Deixa pra mim, eu faço o que você deveria fazer.
E assim, aceitando esse discurso que nos sobrecarrega, nos cansa, nos esgota, vamos tocando em frente, achando que, por isso, somos especiais.
Nós não somos especiais.
Nós nos cansamos, e sofremos, e sentimos, e choramos de exaustão, e fingimos que não dói e que tudo bem, somos resilientes e vamos superar. Porque o que não nos mata faz o que? Nos torna mais fortes. Pode ser que sim. Mas também pode ser que não. Querem te fazer acreditar que sim. Mas tente perguntar a si mesma: está legal como está?
E assim, as pessoas vão deixando sobre nossos ombros, disfarçado de elogio e reconhecimento de nossas capacidades e habilidades, tarefas que não são nossas, responsabilidades que deveriam ser divididas, papéis que não deviam estar sendo desempenhados apenas por nós. Emocionalmente, fisicamente, moralmente, financeiramente. É como se você, sendo CEO de uma empresa cujo bom desenvolvimento depende da atuação equilibrada e equânime de toda a equipe, depositasse sobre um único funcionário as tarefas e responsabilidades de dois, três, sabe-se lá quantos. E, a respeito desta carga desrespeitosa e desumana, é como se você dissesse: Parabéns, Fulano. Você é nosso melhor funcionário. Faz o que dois ou três deveriam fazer, e ainda faz bem feito. Sai dando tapinha no ombro e enaltecendo o cara desrespeitado e violado em seus direitos por sua admirável capacidade de… fazer o que todos deveriam estar fazendo. Esse funcionário tem algumas alternativas para sobreviver dentro desta organização, entre elas duas: fantasiar que, sim, ele é especial, tem habilidades diferenciadas e essa sobrecarga na verdade o enaltece e engrandece perante os demais e “Puxa! Isso é ótimo! É um sinal de alto reconhecimento social e profissional”. Ou… Ele pode perceber a exploração e a sobrecarga e recusá-la. E se manifestar. E mostrar que não, aquilo não é uma benesse, é um prejuízo. E pode se rebelar, exigir melhores condições para desempenhar suas tarefas, reivindicar tratamento equânime e tudo mais que sabemos ser justo para a busca do equilíbrio coletivo. Pode ser que ele seja demitido. E tudo bem para a empresa, porque, ao ser demitido, outras pessoas farão o seu papel afinal, o mundo capitalista produz gente implorando por vaga de trabalho, logo ele será substituído, quiçá por alguém que aceite sem reclamar e sem fazer beicinho ou dar xiliquinho o acúmulo de tarefas e a sobrecarga de funções que ele se recusou a aceitar.
Tal qual a analogia, mães podem perceber a exploração e sobrecarga. Mães podem se manifestar. E mostrar que, não, não é uma benesse, é um prejuízo, um desrespeito. E podem se rebelar sim, e exigir melhores condições para desempenhar suas tarefas, para ser e viver como mãe sem que se sinta funcionária, podem reivindicar tratamento equânime e tudo mais que sabemos ser justo em busca do equilíbrio coletivo. Mas sabe o que elas não podem fazer? Não podem se demitir. Porque, paradoxalmente, parece que ali não entra a tal relação mercadológica de oferta e procura. Porque não, NÃO HÁ NINGUÉM PARA FAZER EM SEU LUGAR. E não é porque talvez existam 3, 4, 5 ou 6% de personagens que fazem seu papel e contribuem para a manutenção da equidade nas relações familiares e nas demandas necessárias e estou sendo bem, bem generosa -, vamos pintar com cores mais coloridas os 97, 96, 95 ou 94% que não fazem e que, por não fazerem, estão sobrecarregando essas mesmas proporções de mulheres mães. Elas não podem deixar de fazer porque isso
significaria deixar crianças ao deus dará, soltas no mundo, no cada um por si e deus contra todas. E a sociedade se esforçou muito para incutir nessas mulheres a crença de que NÃO PODEM fazer isso e oferecer a elas doses alopáticas de CULPA por todo e qualquer pensamento que tenham nesse sentido.
significaria deixar crianças ao deus dará, soltas no mundo, no cada um por si e deus contra todas. E a sociedade se esforçou muito para incutir nessas mulheres a crença de que NÃO PODEM fazer isso e oferecer a elas doses alopáticas de CULPA por todo e qualquer pensamento que tenham nesse sentido.
Então, ladies queridas, tenham cautela ao se proclamarem super mulheres e heroínas porque vocês possuem múltiplas habilidades, suficientes para suprir ausências. Vocês não são. Nós não somos. Isso foi uma grande falácia criada para nos sentirmos especiais por fazer o que TODOS deveriam estar fazendo. Não há coerência nenhuma em defender o tão sábio e verdadeiro discurso do É PRECISO TODA UMA ALDEIA PARA CRIAR UMA CRIANÇA se, quando a aldeia falta e parece que ela sempre falta disfarçamos essa ausência sob rótulos maravilhosos de heroínas.
Se somos mulheres maravilhosas? Sim, somos. Mas não porque damos conta daquilo que outras pessoas não dão. Somos maravilhosas porque estamos organizadas e nos organizando em busca de apoio social, de formação de redes que nos apoiem mutuamente, em busca de educação não violenta para nossas crianças, porque estamos fugindo dos rótulos medicalizantes, porque nos dedicamos às nossas vidas pessoais e profissionais INCLUINDO nossas crianças e não pensando no próximo horário para nos livrarmos delas. Somos maravilhosas porque sobrevivemos em um mundo chauvinista, machista, segregador, agressivo e violento. Especialmente com a gente.
Se somos heroínas? Não somos. Estamos é sobrecarregadas. Não porque trabalhamos. Mas porque continuam a achar que as crianças são responsabilidades apenas nossa – ou principalmente nossa. E não são.
Não douremos a pílula nem banalizemos o mal. Nunca foi uma capa. Era um vestido mesmo. E a moça do vestido continua sem rosto, despersonificada no meio da multidão, bastante cansada. E cuidando da aldeia. Mesmo sem querer ser e estar assim, mesmo sem ser isso. Não queremos capas. Queremos respeito e equidade. Super mulheres? Mulheres maravilhas? Não queremos mais esse título, obrigada. Pegue-o para si, aldeia.
Semana passada, por conta de um desafio que tivemos que cumprir, eu e minha parceira de trabalho entrevistamos, de uma vez, 106 mulheres mães que fazem parte da minha rede virtual. Perguntamos a essas mulheres o que eles estavam sentindo, quais eram os principais desafios que precisavam vencer, o que as deixava felizes como mães, quais eram suas metas e anseios como mulheres também mães. Sabe o que resultou disso? Um perfil muito, muito sério e preocupante. De mulheres cansadas e tristes. As poucas que se mostraram felizes e satisfeitas com o papel ou papéis desempenhado, reconheciam-se como privilegiadas e isso porque sabiam que felicidade não está entre os sentimentos mais frequentes das mães atuais. Essa angústia não suplanta qualquer bem querer e forma de amor que tenham por suas crianças. Mas parece que algo nós já sabemos: não basta só amar. É preciso que sejamos apoiadas e que as relações desiguais desapareçam. Ou seremos sempre representadas como mulheres maravilhas felizes com suas neuras em busca do melhor alvejante para o chão e que conseguem preparar a comida enquanto terminam um relatório.