Eu estou há seis anos em Florianópolis. E, neste exato momento, estou no meio da sétima mudança de casa.
Não tenho uma história das mais agradáveis com mudanças de casa aqui. Aliás, não sei nem como não desenvolvi algum tipo de trauma com relação a isso – ou será que desenvolvi? Talvez o forte mal estar e dor de garganta que tenho sentido esses dias simbolizem alguma coisa…
Algumas dessas mudanças aconteceram em momentos em que eu não vivia boas coisas. Estava triste e me sentindo muito só. Algumas delas eu fiz realmente sozinha, eu e alguém contratado. No fim do dia, o que me marcava não era somente o cansaço físico, mas a sensação de que era eu por mim mesma. As pessoas até se voluntariavam a me ajudar, mas na hora era eu comigo, sozinha. Viver essa experiência de vez em quando nos dá uma sensação de empoderamento, pois você sabe que pode contar consigo mesma, que dá conta, que é forte e preparada. Mas viver sempre não é bom… Posso dizer de experiência própria e peito aberto: não é bom.
Como família, estamos na terceira mudança de casa. Na primeira, eu estava grávida. E foi porque não me segurei quieta no canto que acabei tendo alguns sangramentos que quase colocaram em risco minha gravidez. Na segunda mudança, nós tínhamos uma bebezinha de 3 meses. Nas duas experiências, o trabalho pesado, cansativo e tenso sempre ficou a nosso encargo, meu e dele. Não foi nada fácil. Dias seguidos de encaixotamento, de bagunça, de cansaço físico, nos revezando entre levar as coisas à nova morada e cuidar da nossa bebê. Muita vezes também nos sentimos sozinhos, embora acompanhados. Mas c’est la vie…
No fundo, somos todos indivíduos que compartilham suas experiências mantendo, ainda assim, doses individuais de solidão. O que varia é que, para alguns, essas doses são maiores, para outros menores. Mas, invariavelmente, são.
Com o peito inflado de contentamento e amor, posso dizer, feliz: não é o caso agora. Não estamos sozinhos.
Decidimos nos mudar mais uma vez em função do crescimento da Clara e do claro fato de que estamos precisando de mais espaço. Tanto para ela quanto para nós. Vivemos atualmente num apartamento que fica num lugar lindíssimo. Mas é um apartamento. E estávamos sentindo muita falta do contato mais íntimo com a natureza, de morar num lugar mais reservado, onde pudéssemos desfrutar do que a ilha onde moramos realmente nos oferece. Somos pessoas que batalham muito em nossa vida diária, não temos vida fácil. Mas, ainda assim, percebemos que havia outras opções.
Procuramos casa durante uns 2 meses, com certa dificuldade. Até que encontramos uma que nos encantou. E é para lá que estamos indo.
Passamos por algumas situações tensas ultimamente e, quando a possibilidade de mudança deixou de ser possibilidade para ser concreta, todo o estado emocional fruto dessa tensão anterior apareceu: apavoramos. E paralizamos. Não conseguíamos tomar decisões que nos levassem adiante. Não conseguíamos encaixotar as coisas, organizá-las, traçar um plano de ação. Simplesmente nos bloqueamos.
Juntamente a isso, seis dentes da Clara (que já tem 12 deles, veja que coisa…), resolveram se preparar para sair juntos. Ela, que nunca fica doente, sofreu muito durante 5 dias seguidos. Completou 1 ano e 3 meses em meio a essa crise. Desenvolveu-se uma hiperplasia de gengiva, saíram algumas bolsinhas de sangue, sangrou, ela parou de comer, parou de dormir, embora mantivesse sua tranquilidade durante o dia, sempre boazinha, sempre calminha… Ou seja: foram 5 longas noites de insônia e prontidão aqui em casa, com algumas visitas a médicos e tratamentos atentos. Ficamos todos exaustos, física e emocionalmente, e ainda tínhamos uma mudança pra organizar, com prazo certo para entrega do apartamento. Eu com uma tese pra revisar, um livro pra ler e uma resenha pra preparar. Ele com muitos trabalhos a serem entregues. Exaustos e sozinhos.
E então, na quinta noite de vigília, ela me disse: filha, estou indo.
Deixou tudo lá, passou a mão num ônibus e, dois dias depois, estava aqui, tendo viajado mais cerca de 1000 km. Viajou durante a madrugada, chegou cedo, não descansou, chegou encaixotando, arrumando, organizando. O reencontro dela e da Clara foi algo especial… fazia muito tempo que não se viam, Clara cresceu e mudou muito. Passamos o dia inteiro juntas, ela me ajudando, apoiando, sustentando. Ele conseguiu adiantar um pouco o trabalho, já que, com a ajuda dela, pudemos nos dividir melhor.
Agora, ela dorme. Cansada. Depois de um dia intenso de trabalho.
Tudo o que eu queria fazer agora era ir lá e deitar juntinho com ela. E agradecer não pela ajuda física, mas pela ajuda emocional. Por ter pressentido que eu estava no meu limite e que sozinha não daria conta. Por ter me feito me sentir tão amada no dia de hoje, após uma época tão tensa e exaustiva. Mas não vou lá… Quero deixá-la dormir tranquila, aconchegada, se sentindo tão bem vinda quanto realmente é: muito.
Nós temos uma história profunda de amor. Tão profunda que, por vezes, nem mesmo nós entendemos ou sabemos lidar. Tê-la hoje na minha casa, me ajudando, dormindo em um quarto enquanto minha filha, já se recuperando, dorme em outro, é algo que eu não sei nomear. Ver meu marido olhar para ela, hoje, e dizer “Muito obrigada mesmo por ter vindo” me encheu de gratidão.
No dia de hoje, vivo aquele velho ditado que diz que, por não poder estar em todos os lugares, Deus criou as mães.
Mãe. Obrigada por ter vindo.
Nós não somos o que ainda iremos ser.
Mas, graças a Deus,
Não somos mais quem nós éramos.