“Tocou o telefone:
– Alô.
– Quem fala? – pergunta um homem.
– Eu, ué.
– Eu quem?
– Eu, a Fulana.
– E quem é você?
– Eu sou a esposa do Fulano.
– Mas você não se vê como alguém?
– Como é?!
– Se, pra dizer quem você é, você precisa recorrer ao seu esposo, então você só se torna alguém se passar pela imagem dele e, automaticamente, deixa de ser alguém.
– Quem tá falando?!
– Ninguém. Liguei errado. Pra onde eu liguei não tem Fulana ou Fulano. Mas achei uma boa oportunidade pra te dar esse toque.
Ele desligou e ela entrou em crise”.
Uma amiga muito querida me contou no final da semana passada que estava em total crise por conta desse telefonema. Tivemos uma longa conversa sobre isso. E chegamos à conclusão de que o que discutimos precisaria virar um texto aqui. Ela me contou a conversa e perguntou indignada: “Em que ponto eu fiz isso comigo?!”. Eu disse pra ela não se encanar com isso, que era só um telefonema de um estranho, mas ela respondeu, brava “Mas ele tem razão!!”, e aí conversamos um tanto sobre…
Conversamos sobre o tipo de vida que a gente escolhe ter, e ela disse que não havia escolhido a vida que estava levando, que estava meio chateada por isso e não sabia como aceitar que as coisas não haviam saído como programado. E que quando o cara desligou o telefone, ela percebeu que ele tinha total razão. Reviu um monte de coisas sobre sua vida e começou, nesta semana, a traçar novos rumos.
Obviamente, parei para analisar a minha própria vida e vi claramente, sem fazer muito esforço, que eu também não escolhi, um dia, lá atrás, no passado, a vida que estou tendo agora. Na verdade, eu havia escolhido uma vida muito diferente. Mas, também analisando, vi que aquela vida outrora escolhida hoje me parece bastante fria, previsível e desinteressante.
Também não planejei a vida que tenho hoje. Mas estou bastante feliz por isso.
Porque minha vida se tornou não aquilo que eu planejei, mas aquilo que eu fui vivendo e fazendo enquanto planejava coisas que, ainda bem, não aconteceram – tal qual dito por John Lennon (“Vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro“).
Talvez seja por isso que não tenho feito planos para um futuro tão longínquo, simplesmente porque aprendi que não adianta muito fazê-los. Eles são tentativas um pouco patéticas de se controlar aquilo que não é controlável, a não ser que você seja obcecado por planos e metas e não permita que a vida te surpreenda e emocione. Claro que podemos esboçar as linhas gerais, mas o colorido é imprevisível. Os planos que tenho feito limitam-se a, no máximo, 1 ano pra frente. E olhe lá.
Hoje eu tenho a felicidade de poder dizer que vivo a minha própria vida.
E isso não é óbvio como parece ser e também não foi sempre assim, por isso me é tão caro.
Tem gente vivendo todas as vidas próximas, menos a sua própria.
Eu tenho a grande alegria de dizer, de peito cheio e com grande satisfação, que vivo somente a minha vida.
Não vivo a vida do meu companheiro.
Não vivo a vida dos meus amigos.
Não vivo a vida da minha mãe, não vivo a vida do meu pai, nem a vida da minha filha (quer dizer, a vida dela eu vivo sim, mas é absolutamente natural que se viva a vida de um filho quando ele tem apenas 1 ano e 5 meses), nem vivo o que penso ser a vida de qualquer outra pessoa.
Eu vivo a minha própria.
Isso significa que eu me defino por quem eu sou e pelo que eu faço, não pelo que os outros ao meu redor fazem.
Eu trabalho a terra, planto e colho. As minha sementes e os meus próprios frutos. Às vezes as mudas morrem ou adoecem, outras vezes nasce até o que não foi plantado. Mas não vendo fruto alheio como se fosse meu. Nem vivo a vida dos outros iludindo-me como se fosse a minha própria, para, um dia, com tristeza e frustração, perceber que eram apropriações indébitas. Claro que muitas pessoas me ajudam no plantio e na colheita e sou muito grata a elas, mas ainda assim é a minha vida e dela eu sou a protagonista.
Então, é por esse motivo que eu não acho ruim que as coisas tenham sido diferentes do que eu pensei que seriam, simplesmente porque esse caminho é o meu. E, sabe, eu gosto dele. Ele não ganharia um roteiro de melhor filme, mas, com certeza, é um belo roteiro original.
Crise sobre o caminho onde se está só pinta quando esse caminho não é seu e você o está vivendo por tabela, voluntaria ou involuntariamente.
E é bom sempre fazer uma análise crítica pra não cair na armadilha de se viver mil vidas alheias achando que são suas, enquanto a sua passa sem você perceber para, lá no fim, ver que não viveu o que queria porque estava bem preocupado em viver as vidas dos outros.
Então, quando alguém te ligar e perguntar: Quem fala? Reponda: Eu. Eu quem? Eu, a Fulana. E se a pessoa perguntar quem você é, responda: se você não sabe quem sou, certamente ligou para o lugar errado.
Mas só responda isso se você realmente for você e souber disso.
Enquanto você for outros, melhor desligar pra não entrar em crise.