Ontem abri meu coração e contei como está sendo encarar a mudança do ingresso da minha filha em uma escolinha.
E então aconteceu o dia 1.
Dia 1: todos sobrevivem. Ufa.
Mas confesso, foi um dia tenso.
Vivemos uma versão pocket, compilada, de (quase) todos os imprevistos e emoções possíveis. Teve planejamento que foi por água abaixo, teve ansiedade, teve empurrão, teve pizza e teve cocô.
A começar pelo dia anterior.
No domingo à noite, a pessoa vestiu a camiseta da nova condição de mãe de criança que vai pra escola. Quis tudo organizado para evitar sobressaltos e correrias. Então se jogou na cozinha, faca em punho, abriu a geladeira, tirou tudo o que é comida a ser preparada e – BANZAI! – pica, corta, coloca água pra ferver, verduras e legumes pra cozinhar. Vem o pai e – ZÁZ! – descongela carne, tempera, deixa tudo no jeito. Tudo para ter almoço e jantar à mão para os próximos dias, com facilidade, praticidade e organização.
Tudo picado, tudo cortado, tudo na água.
Acaba o gás.
Tchau planejamento, um beijo pra você.
Vamos encarar a segundona na loucura mesmo.
Chega a segunda-feira esperada – a mãe quase não dormiu à noite. Tensa.
O dia chega cinza, com chuva e com frio (precisava, São Pedro?). E porque não deu tempo do entregador trazer o botijão, saímos todos pra resolver a vida na rua e, inclusive, almoçar.
Almoço. Pai e mãe não querem comer (a mãe porque estava tensa). Durante todo o almoço, um cheiro estranho que vinha não sei de onde. Fim do almoço. Mãe pega a filha no colo e nos dirigimos para o carro, para ir para a escolinha. 20 minutos para o horário de entrada.
E o cheiro acompanha… A mãe resolve dar um confere na fralda da filha, mas nem precisou: bastou olhar para a calça da criança. Procurei um equivalente para a palavra que vou usar agora, para amenizar o clima. Mas qualquer outra vai tirar o peso do IMPACTO daquele momento. Então vai essa mesmo: TODA CAGADA! Filha querida, mamãe promete apagar essa parte na proximidade da sua adolescência. Prometo também não contá-la nas rodas de amigos – na sua presença.
Como nunca mais havia acontecido desde que tinha 10 meses de idade, a merdança aconteceu. E foi grande. E foi séria. Fora de horário, fora da rotina, como poucas vezes nós vivemos. Mas como pouca merda é bobagem, a mãe olha para a manga da blusa no braço que carregava a filha e constata: foi grave. Blusa atingida. Situação crítica.
“Beleza. Cagou-se. Leiamos os sinais que a vida manda, vamos pra casa, vou trocar a roupa dela, dar um banho e passar a tarde inteira abraçada com ela na cama. Chega dessa história de escolinha. A vida é sábia, não era pra ser.”
Claro que não.
Mãe e pai abrem o porta mala e providenciam um extreme makeover no tampão do porta malas. Porque se tem uma coisa que o MacGyver não tinha e que teria resolvido suas pendengas melhor do que o chiclete e o clips que usava pra desarmar uma bomba são os lenços umedecidos. Como intuição de mãe é, de fato, um poder extraterrestre, não é que na última hora eu havia enfiado uma calça na minha bolsa?!
Trocamos a cria e o plano de cancelar tudo foi por água abaixo.
Lá fomos nós pra escolinha. Mãe de blusa cagada, esfregada com lencinho e dobrada até metade do braço.
Deixamos o pai na agência e seguimos juntas. Mãe mostrando animação, motivação, felicidade. Só que não. Quem olhava nem imaginava a dor de estômago.
Então entramos, fomos recebidas pela responsável da escola, aguardamos um pouquinho e seguimos para a salinha da turminha dela. Ela entrou e foi interagir com o ambiente e os amigos. Como primeiro dia de adaptação, eu estaria com ela durante essa primeira experiência, que duraria apenas umas 2 horas. Então uma das professoras (são duas na turma) pegou uma pequena cadeira, colocou no canto e disse que eu podia ficar ali. E quando eu comecei a me preocupar sobre se minha observação não atrapalharia a integração da Clara, a mesma professora chegou com uma sacola de lã crua e duas cardas, para que eu pudesse cardá-la.
Parênteses.
Há um certo tempo estou querendo fazer um curso de bonecos Waldorf.
Tenho uma amiga que é bonequeira e foi ela quem fez as três que temos em casa
(Mafalda, Anita e uma que sou eu com a Clara no sling, que ganhamos no aniversário).
O que mais me encanta nisso é a possibilidade de trabalhar com materiais naturais,
como a lã de carneiro.
Já sonhei mais de uma vez que eu pego a lã nas mãos e a abro (que se chama “esgadelhar” a lã).
Cardar lã consiste em utilizar duas cardas, instrumentos feitos de madeira,
com pequenos preguinhos sem ponta em um dos lados,
onde colocamos a lã crua e,
passando uma carda sobre a outra, conseguimos transformar a lã em uma manta.
Mal acreditei quando vi aquilo.
Adorei. Sentei e comecei. Concentrei-me naquilo como forma de desviar o foco.
Enquanto isso, a coisa mais linda: Clara e seus novos amigos sentados na mesinha amassando massa para fazerem pizza. E eu cardando a lã… Se, um dia, eu pudesse imaginar uma primeira cena para o primeiro dia de escolinha da minha filha, eu nunca teria imaginado algo tão bacana.
As crianças terminaram de fazer as pizzinhas e se espalharam pela sala para brincar – vale lembrar que estava chovendo e não podiam sair para brincar na área externa.
Então eu vi minha filha em ação e na interação com outras crianças, crianças que ela não conhecia.
Vi coisa que nunca tinha visto.
Vi como ela falava com as crianças em um tom parecido com o que falamos com ela, olhando no olhinho. E senti-me estranha quando ela falou energicamente com outra criança: “Não pode. Sem mexer nisso!” Percebi como ela é muito mais invocada do que aparenta ser. Vi as disputas naturais por brinquedos e pelo espaço. E percebi que em todas essas vezes em que meu foco se desviava da lã para ela, ela desandava… Ou deixava de brincar, ou vinha até mim e pedia colo, ou disputava brinquedo com alguém. Quanto mais focada na lã, mais fluida ficava a interação da minha filha ao grupo. Quando mais atenta a ela, ou tensa por algum motivo, mas ela desandava…
Pra gen
te ver a influência da postura da mãe em momentos importantes.
te ver a influência da postura da mãe em momentos importantes.
Então desliguei meu botão dela e foquei na lã. Cardei com amor e gosto uma grande quantidade. Adorei. Enquanto fazia, alguns pequenininhos se aproximaram e brincamos juntos com aquela lã macia, acariciando como se fosse um bichinho. Foi ótimo.
E quando eu estava totalmente imersa naquela atividade, levantei os olhos por um momento e vi Clara entrando na cabaninha onde estavam outras crianças e, nesse exato momento, eu a vi sendo empurrada com toda força por uma menina um pouco maior, que não queria que ela entrasse. Ela caiu e começou a chorar. Cobriu o rosto com as duas mãozinhas e chorou. E eu não soube o que fazer. O ímpeto era de me levantar, ir lá e pegá-la no colo (e pegá-la e levá-la embora e ficar abraçada com ela na cama e acabar com a ideia de escolinha e colocá-la no meu sling até os 20 anos e fim). Mas eu precisava ver o que aconteceria naquela situação. Então vi a professora a acolhendo, a abraçando, ela aceitando o abraço, a professora indo conversar com a amiga que a empurrou, ela entrando na cabaninha e as crianças a acolhendo e tudo voltou à paz.
Santa lã. Me serenou nessa hora.
Duas ou três vezes depois disso ela veio até mim e pediu colinho ou para mamar. E eu perguntava se ela não queria ir cantar, ou deitar no colchãozinho, ou fazer o que as professoras estavam fazendo. E ela sempre dizia: QUÉ, mostrando interesse. O ponto alto foi terem cantado uma música que ela adora, e então ela se soltou e cantou bastante.
Quase 2 horas depois, a professora avisou que já estava bom para um primeiro dia e que podíamos ir.
E para o meu “Filhinha, vamos embora?”, a resposta enfática: “No qué bora, mãe!”. Então explicamos juntas, eu e as professoras, que amanhã teria mais, que estaríamos lá novamente. Mas ela “no qué bora não”. Então me abaixei, a peguei no colo e disse: “Vamos dar tchau para nossos novos amigos, dizer que gostamos muito de conhecê-los e que voltaremos amanhã?”. A professora fez o mesmo, pediu para os amiguinhos se despedirem dela. E foi lindo… Todos a acolheram e disseram “tchau Clarinha”. Ela sorriu muito. Me deu a mão e disse: “Bóra, mãe”.
E então fomos embora.
Ah sim, esqueci de dizer. Antes de ir embora, ainda tascou um beijo na boca da professora, que era pra selar bem a amizade – precisamos ensiná-la que beijo no bico só na mamãe e no papai.
Ah sim, esqueci de dizer. Antes de ir embora, ainda tascou um beijo na boca da professora, que era pra selar bem a amizade – precisamos ensiná-la que beijo no bico só na mamãe e no papai.
Fim do primeiro dia de escola.
Saí satisfeita pelo dia que tivemos, que ela teve. Saí feliz.
Mas pouco antes de vir aqui escrever, sozinha na madrugada, pensando que todos os dias ela irá para lá durante as tardes, vendo os brinquedos dela espalhados, me deu uma loucura temporária e quis cancelar tudo, cancelar matrícula, esquecer isso e adiar por mais 2 anos. Escrevendo, passou.
Faz parte da minha adaptação.
Acho que vou comprar duas cardas e um contêiner de lã pra ver se me controlo melhor.
Amanhã estaremos lá novamente. Mas amanhã será o dia do pai.
Foi um dia legal.
Com cocô e tudo.
Porque afinal, aquele papo de que mãe (e pai) é um ser bizarro que gosta de falar sobre cocô com as amigas é real mesmo.