No último texto que publiquei aqui, “Quando você olha para o bem, o bem olha para você“, contei que eu, o Cientista Que Virou Mãe e nossa equipe estamos participando do Social Good Brasil Lab 2015, um laboratório que funciona como um acelerador e apoiador de iniciativas que, de alguma forma, levam apoio e fortalecimento às pessoas para ajudar a resolver problemas sociais e ambientais. Fomos selecionadas porque as diferentes entidades que compõem o Social Good Brasil nos reconheceram como ferramentas de empoderamento social feminino, materno e infantil, por meio da produção e divulgação de boa informação, isenta do conflito de interesse mercadológico que nos vende – nós, mãe e crianças – como produtos. Estamos aprendendo muito como iniciativa e empreendimento social. Estamos tendo acesso a metodologias que têm o ser humano como centro, como foco, que prioriza os valores humanos e o trabalho em rede, dentro do paradigma da abundância, onde todos somos importantes, necessários e conectados. Mas de tudo o que podemos acessar neste laboratório, há para mim algo de valor inestimável. Que tem me trazido inspiração e ainda mais motivação. Que tem me movido para frente, ajudado a enfrentar as incertezas e a reformular meus objetivos: as histórias das pessoas que também fazem parte da edição 2015 do SGB Lab. Suas histórias de vida e a história do surgimento de suas iniciativas.
“Quem me inspira? Minha mãe. Que sempre me apoiou. Que sempre esteve ao meu lado. Que sempre acreditou em mim. E me fortalece, e me diz coisas boas, e me faz acreditar que é possível”.
Tudo começou, meio que sem saber, com uma coleção de papéis de bala, isso mesmo papeis de bala. Aos quatro anos eu exibia com orgulho minha distinta coleção. Era uma caixa enorme repleta de papeis de bala que eu guardava com carinho para que eles não pudessem ser abandonados pelo mundo, pois nunca se acabariam. Não satisfeita, iniciei em paralelo minha coleção de frascos vazios, com o mesmo propósito: não abandoná-los. Assim, criei aos quatro anos uma verdadeira rede de captação entre meus vizinhos de papeis de bala e frascos vazios para o pesar de minha mãe e contentamento de minhas irmãs, tempos depois, descobri que isso foi, na verdade, meus primeiros passos como ativista social.
Aos sete anos eu sonhava em viajar o mundo, tinha conversas com minha mãe sobre como isso poderia acontecer, pois eu queria contribuir com o mundo ao mesmo tempo. Minha mãe ouvia em silêncio e dizia: tudo se realizará.
Aos nove anos, iniciei meu ativismo de fato com um projeto nas periferias da minha cidade, Quixadá, sertão cearense, para convivência com o semiárido. Mesmo tão jovem percebia o que os meus passavam pela falta de uma convivência pacifica com algo que nos era tão comum: a caatinga. Ensinei famílias, crianças a conhecer um pouco mais de sua história através de seu próprio lugar.
Aos quinze anos já era uma apaixonada pelo mundo social, por tudo que podia saber desse universo, mas tudo era tão longe, tão distante, tão inviável para mim. Soube da vinda de uma das maiores organizações sociais do mundo para o Brasil e quis participar de uma seletiva para participar da seletiva a ser realizada em Fortaleza, capital do estado. Me esforcei tanto, sentia que era a minha chance, mas acabei não ficando entre os dez escolhidos e achei que fosse quase o fim de tudo, tinha perdido a oportunidade da minha vida. Até alguém me liga avisando que uma das equipes havia desistido e eu iria ocupar o lugar. Fiz um plano de ação às pressas, uma apresentação simples e corrida e fui. Na hora da banca, descubro que um erro de digitação no orçamento diminuíra em R$ 1.000,00 meu financiamento e como eu faria um projeto de multiculturalismo na educação com apenas R$ 495,00? Essa foi a pergunta da banca para mim e eu surpresa, enrolada, falei que tudo o que tinha aprendido desse meio é que era preciso saber captar recurso. Voltei para o interior com R$495,00 e querendo saber como captar o resto…
Em minha casa, sentada com minha mãe, uma freira me esperava. Ela estava ali querendo me conhecer para me fazer uma grande proposta: me oferecer uma casa com maquinários e uma comunidade para a continuação de trabalhos sociais. Não acreditei, mas topei na hora, uma coisa daquelas, em pleno desespero, só podia ser coisa divina mesmo… Iniciei os trabalhos na casa com a comunidade, com os R$495,00 eu comprei matéria prima para a primeira cooperativa de mulheres para confecção de biobijuterias com sementes do semiárido, onde era possível conhecer a história do local e ao mesmo tempo gerar renda. Triplicamos o financiamento e passei a ser um case para outros jovens que gostariam de iniciar suas jornadas empreendedoras. Viajei o mundo, fui para diversos países relatando minha história, tal como dizia em conversa com minha mãe na infância, queria ir para o mundo e fui. Ela esteve muito presente nisso, nunca disse que eu não podia, nunca disse que eu não poderia.
Em 2012 sofri enormes perdas desde da morte de um cunhado até o falecimento de meu pai, aí tive que assumir seu lugar até as coisas se assentarem. Fui tomada de uma tristeza profunda, algo em mim tinha morrido, não tinha mais luz e nem cores. O social para mim tinha ido embora. Comecei a trabalhar nos bastidores, ajudando a outras pessoas a alavancarem seus sonhos através de minha experiência, até que um dia, um grupo de professores me trouxeram de volta a vida. Trabalhar com o social é ser inspiração para que outros possam se sentir livres, abertos e felizes para fazer acontecere nunca estava comigo essa função de inspirar ninguém com minha história que considerava banal demais, normal demais, sempre achei que nunca conseguiria fazer as pessoas se sentirem inspiradas a continuar suas jornadas de vida com um pouco mais de luz, até o dia que fiquei sozinha, em meio a uma formação para professores, onde eu teria/devia fazer essa parte. Tive medo, dúvidas, até que deixei sair espontaneamente minha história, as conversas com minha mãe, os desafios superados, os pequenos milagres, as perdas irreparáveis. Vi uma plateia atônita à minha frente, professores com lágrimas nos olhos, ansiosos para saber o próximo acontecimento. Ali percebi que precisava voltar a vida, minha luz precisava está acessa para acender a do próximo, a ser o exercício que tanto ouvi na infância: Você pode, você é capaz, eu acredito em você. Essas foram as palavras de mãe por anos e anos depois daquela coleção de papeis de bala aos quatro anos, ela hoje fala: Não é que você realizou tudo aquilo que gostaria, realizou seu sonho, contribuiu para o de outros, contribuiu para o milagre que faz a vida acontecer, as pessoas e suas histórias.
Após aquela formação para professores no Cariri cearense, o Social Brasilis surgiu com uma proposta de levar conhecimento e informação para onde e para quem as luzes do mundo ainda não conseguem chegar.