Estamos às vésperas da Páscoa, feriado religioso de significado até mesmo desconhecido para a maioria das pessoas. Para muitas, a Páscoa é sinônimo, apenas, de consumo de ovos de chocolate – que, inclusive, custam muitas vezes o preço da mesma quantidade de chocolate em barra…

Muitas crianças acabam ganhando dois, três, quatro, cinco ou  mais ovos de chocolate, de familiares amorosos que veem nisso uma demonstração de amor e de carinho. As que já estão escolarizadas, então, acabam ganhando mais, inclusive por pressão social. A decoração de cascas de ovos, as brincadeiras de pinturas, as aventuras de procurar o coelhinho ou as conversas sobre o significado emocional da data são todos preteridos, na maioria das vezes, pela entrega do ovo. Uma coisa meio “já dei ovo, já tá bom, não passou em branco, me deixa ver o jogo“.

Aqui em casa, nossa filha come chocolate com muita moderação. Na verdade, não me lembro da última  vez que ela comeu. A escolha se deve em função do excesso de açúcar presente, mas quando ela está com amiguinhos que estão comendo, come tranquilamente. Ela não experimentou açúcar durante todo seu primeiro ano de vida. Foi no seu aniversário de 1 aninho que virei-me para trás e a vi abocanhar um delicioso cupcake, lambuzando-se toda. Rolou um momento “E agora, o que faço?!”, mas o que fiz foi deixá-la experimentar tranquilamente, sem muitas neuras. Sabia que isso não seria rotina nem prática usual, além, obviamente, de conhecer a procedência e confiar em seus ingredientes.

Mas essa questão da alimentação do filho é tabu para muita gente. Gera dúvidas, ansiedades, angústias e pitacos, muito pitacos.

Então hoje, eu escolhi postar um texto muito bacana. É apenas um das dezenas de maravilhosos textos presentes no LIVRO DA MATERNAGEM e é de autoria da Dra. Thelma de Oliveira, a Dra. Relva. E o escolhi justamente em função da conotação chocolatística/alimentar da Páscoa. Esse texto me fez recordar de uma lembrança alimentar muito feliz da minha infância, que conto agora.

Minha avó, já não mais presente nesse mundo, cozinhava muito mal. Desculpe, vó. Onde quer que você esteja, saiba que eu te amo. Mas foi dureza…
Ela era uma avó legal, querida com os netos, gostava muito de nós, cantava musiquinhas lusitanas, brincava com a gente. Mas justiça há de ser feita: muitas vezes escondíamos a comida do prato dizendo termos comido ou fazíamos piadas sobre o assunto.
Mas ainda assim, algumas das lembranças alimentares mais felizes que tenho giram em torno de uma

macarronada com frango assado que ela fazia aos domingos, quando todo mundo se encontrava em sua casa. Era um espaguete feito com molho de tomate batido na hora no liquidificador, mas era pálido o pobre, sem sal, sem gosto, com muita água (pra render, ora pois!). O frango não, o frango era bem temperadinho e assado no forno. Tudo bem que grande parte das vezes era minha mãe quem o temperava, não minha avó, mas era “o frango da vó” e eu gostava muito. Rolava também uma salada de almeirão (vegetal que não encontro por aqui, ou ainda não sei se leva outro nome) crua, cortada em tirinhas, temperada com azeite daquele que é meio azeite, meio óleo de qualquer coisa, e que mais tem gosto de lata que de azeite, e sal. Era super simples. E eu amava… Amava.
Sei que não amava em função de seu paladar. Mas de tudo o que representava aquele dia. Meus primos estavam com a gente, meus tios também, sempre rolava uma coisa engraçada, brincávamos na rua, frequentemente eu voltava pra casa com um rasgo no joelho, representávamos personalidades peculiares como Tina Turner, David Bowie e era sempre a contragosto que voltávamos para casa.
Ou seja: tudo bem que a macarronada não era lá essas coisas. Ali tinha muita alegria e eu amava aquele ingrediente.

Então, embora minha filha não ganhe ovos de chocolate nem incentivemos que ela ganhe das outras pessoas, ela terá uma Páscoa de muito amor. Porque, afinal, esse é o ingrediente mais saboroso.
E se seus filhos ganham, ajude a criar um ambiente inesquecível em torno disso. Porque, no fim, não será do ovo que eles se lembrarão…

Leia esse texto tão bacana, aproveite!

TABUS ALIMENTARES
Dra. Thelma de Oliveira  (Dra. Relva)
texto publicado com autorização da autora

Apesar de estarmos no século XXI, cercados de tecnologia por todos os lados, as funções corporais, no que tange à alimentação e à maternidade, ainda são permeadas de tabus. Quando se procura alguma explicação, deparamos com medos inexplicáveis que têm raízes históricas, religiosas ou econômicas. Da era colonial, herdamos o medo de misturar frutas com leite, coisa que era divulgada pela casa grande, a fim de poupar o leitinho dos senhores e excelentíssimas famílias.
O termo “reimoso” (que provoca reações alérgicas) é ligado a certos peixes gordurosos e à carne de porco. Mitos tão fortes que ainda hoje encontram defensores, contra qualquer evidência. Banana? De dia é ouro, de tarde é prata, de noite mata! Melancia quente dá dor de cabeça. Abacate não pode! Ovo? faz mal. Escutar isso num país de gente carecida de melhor alimentação é de fazer chorar.
Tanto são temidos os alimentos “quentes” ou indigestos, quanto os frios (gelados, sorvete, picolé). O sorvete foi inventado na China e levado por Marco Polo para a Itália, pelo século 15, juntamente com o macarrão. Os dois soberbos alimentos se aclimataram tão bem em terras italianas que se tornaram sua marca registrada. Seu único “perigo” são as calorias.
Estamos perdendo a conexão com a simplicidade e beleza dos alimentos, e passamos a temê-los. Comida está imbricada com lembranças da infância, da mãe, dos pais, da casa, dos irmãos. Comer faz parte de nossos mais remotos hábitos. Não há festa sem comes e bebes. O filósofo Luiz Felipe Pondé chama a atenção para os novos xamãs, os nutrólogos de todas as linhas, que autorizam ou condenam o que podemos/devemos comer ou deixar de comer. Por isso foi surpreendente ver, num desses programas matinais de saúde, dois especialistas afirmando que ‘todo alimento é bom’ e que cada região do nosso país tem seus hábitos alimentares adequados, que vão desde a banana frita do norte à carne de sol com macaxeira do nordeste, passando pelo pão de queijo e frango com quiabo de Minas, a pizza de São Paulo e o misto quente ou torrada de Porto Alegre.

À abelha não interessa
o pedigree do mel
Pra ela, qualquer trevo
na campina é o céu…
(Emily Dickinson)
Felizmente, nosso organismo também não se interessa pelo pedigree do que comemos, pois a leitura que ‘ele’ faz é muito simples:  se tem C de carbono (energia dos carboidratos e gorduras),  N de nitrogênio (proteína),  A de água e S de sais minerais. De onde vieram, como vieram?  Não interessa.  A ‘máquina’ recolhe e processa tudo pacientemente…
Diz Rubem Alves: “Pessoas há que, para ter experiências místicas, fazem longas peregrinações para lugares onde, segundo relatos de outros, algum anjo ou ser do outro mundo apareceu. Quando quero ter experiências místicas, eu vou à feira. Cebolas, tomates, pimentões, uvas, caquis e bananas me assombram mais que anjos azuis e espíritos luminosos. Criaturas encantadas.  Seres de um outro mundo. Interrompem a mesmice do cotidiano. Pimentões brilhantes, lisos, vermelhos, amarelos e verdes. Ainda hei de decorar uma árvore de Natal com pimentões”.
Hoje as pessoas selecionam os alimentos como se estivessem numa farmácia. Os alimentos que a natureza nos oferece são variados e se completam entre si harmonicamente. Ela tem horror ao excesso e ao vazio: nem tanto à fome nem tanto à obesidade. Os frutos da terra, do ar e do mar estão aí para nosso prazer e proveito. Quando você quiser saber se algum alimento lhe convém, consulte suas lembranças infantis, suas papilas gustativas e as sugestivas receitas da culinária.
A MELHOR COMidA É AQUELA QUE TRAZ LEMBRANÇAS FELIZES DA INFÂNCIA
DEZ PASSOS DA ALIMENTAÇÃO SEGURA, SEGUNDO O MINISTÉRIO DA SAÚDE.
1.        Pelo menos até os seis meses, ofereça ao bebê apenas leite materno. O leite materno dispensa qualquer outro tipo de alimento, inclusive água, sucos e chás.
2.       A partir dos seis meses, você pode introduzir o
utros alimentos na dieta do bebê, de forma lenta e gradual. Mas não abandone a amamentação: ela é fundamental até os dois anos de idade.
3.       Se for necessário intercalar a amamentação com outros alimentos, a partir dos seis meses, faça opção por cereais, tubérculos, carnes, frutas e legumes. Eles podem ser oferecidos três vezes ao dia, nos intervalos da amamentação.
4.       A alimentação complementar deve ser oferecida de acordo com os horários de refeição da família, em intervalos regulares e de forma a respeitar o apetite da criança.
5.       A alimentação complementar deve ser espessa desde o início e oferecida com colher. No início, a consistência deve ser pastosa, no formato de papas ou purês.
6.       Depois dos dois anos, ofereça à criança diferentes alimentos ao dia. Uma alimentação variada é uma alimentação colorida.
7.       Estimule o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições.
8.      Evite açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas, nos primeiros anos de vida. Use sal com moderação.
9.       Cuide da higiene no preparo e manuseio dos alimentos; garanta armazenamento e conservação adequados.
10.  Estimule a criança a se alimentar, mesmo quando ela estiver doente. Ofereça o cardápio habitual e seus alimentos preferidos, respeitando a sua aceitação.
O livro tem uma coisa muito bacana que é dedicar espaço para que o leitor registre suas impressões. Nesse texto, Dra. Relva propõe que pensemos a respeito disso e possamos responder as seguintes perguntas:
  • Qual comida mais evoca sua infância?
  • Qual sua receita preferida?

Feliz Páscoa! 
E se há um ingrediente que faz bem em qualquer dose é o amor.
É orgânico, muito orgânico, vem de dentro.

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