Há 20 dias, postei aqui uma pequena introdução sobre o tema ORGÂNICOS, com o título de “Orgânicos?! O que são? Por que você os consome?”, onde falei brevemente sobre um documentário que eu acabara de assistir, o BRASIL ORGÂNICO, e de como ele havia me ajudado a refletir sobre o tema. Naquela ocasião, mencionei que gostaria de compartilhar mais detalhadamente minhas impressões sobre o documentário, mas que faria isso após receber respostas dos leitores deste blog para as duas perguntas abaixo.
Isso tanto porque eu realmente queria saber um pouco mais sobre os motivos que levam as pessoas a consumirem (ou não) produtos orgânicos, quanto porque eu tinha uma suspeita – que foi evidenciada ao assistir ao documentário.
Tivemos um total de 318 respostas – e agradeço muito por mais essa grande participação! E elas me mostraram que o que eu imaginava, realmente acontecia. Explico. Para a pergunta 1 (Para você, o que é um produto orgânico?) eu acreditava que a maioria das pessoas fosse dizer que eram produtos cultivados sem agrotóxicos e, por isso, mais saudáveis, apenas isso. Para a pergunta 2 (Por que você consome, ou consumiria, um produto orgânico?), minha crença era de que as pessoas faziam essa escolha com o objetivo de zelar por sua saúde e a de sua família, basicamente. Minhas hipóteses se baseavam no que ouço ou vejo diariamente, ao vivo ou via redes sociais, sobre os motivos que levam as pessoas a escolherem produtos orgânicos. Acertei em ambos os casos.
Sim,  a maioria das pessoas acredita que orgânico é, apenas, aquele produto que não contém agrotóxico ou hormônios (71% das respostas). 
E a maioria das pessoas que responderam às perguntas escolhe esse tipo de produto com o objetivo único de preservar a própria saúde ou a de sua família (83% das respostas). 
O que significa isso, em uma rápida análise? Que, de forma geral:
  1.  não se conhece muito sobre produtos orgânicos, de onde vem, quem são, como são produzidos
  2. consome-se orgânicos, de maneira geral, por motivos relacionados aos benefícios individuais que esse tipo de produto traz a quem o compra – ou à família de quem compra (o que talvez seja reflexo do item anterior…)

Talvez, ao conhecer como de fato são produzidos os orgânicos, as pessoas percebam que escolher um produto como esse vai muito além do benefício próprio: passa por valorização da cultura, sociedade, ambiente e valores de uma determinada região. Passa pelo respeito ao outro. Passa pela valorização do pequeno produtor. Pelo respeito à sua saúde – não à nossa própria unicamente, mas também à daquele que o produziu. Passa pela recuperação do orgulho de ser agricultor. Pela valorização da terra, dos elementos biológicos, do ecossistema. Pela valorização da economia sustentável.

E tudo isso é mostrado de maneira belíssima no Brasil Orgânico.
O documentário viaja por diferentes regiões brasileiras retratando como as diferentes comunidades estão envolvidas na produção de orgânicos e o que enxergam nesse modo de vida. Nele, é mostrado de que forma a produção orgânica incentiva e valoriza a cultura, a sociedade e o conhecimento tradicional. Apresenta depoimentos emocionantes, como o da agricultora que conta que sua mãe trabalhou a vida inteira na lavoura de tabaco, mas que ela mesma só havia parado pra pensar no que estava cultivando quando viu pela primeira vez uma embalagem do produto final, e pensou: 

“Que coisa é essa que tem uma caveira e uma cruz?!” 

A mesma agricultora fala, ainda, sobre como a produção de orgânicos ajudou a recuperar o orgulho de ser agricultor: jovens que antes  partiam de suas cidades, renegando as origens rurais e buscando na cidade grande novos rumos, hoje permanecem, dedicam-se, orgulham-se da própria produção. 
O mesmo tipo de depoimento aparece nas diferentes regiões: em outra comunidade, um agricultor emocionado diz:

“Na cidade, a gente pensa que a vida é muito boa, mas bom mesmo é essa vida que a gente planta, colhe, respira, produz”.

O documentário explica também o que é o PAIS – Produção Agroecológica Integrada e Sustentável – e de que forma isso tem ajudado famílias de agricultores a cultivar de maneira independente, gerando renda e valorizando suas tradições. Ao entrevistar famílias que fazem uso dessa tecnologia (que você pode conhecer um pouco melhor no vídeo abaixo),  os depoimentos que surgem nos fazem ver o quanto a produção orgânica é importante, para além do benefício que traz ao consumidor final.
Gente que manifesta sua alegria e orgulho ao dizer que “eu não compro nada, eu nem entro em sacolão”, referindo-se ao fato de que tudo o que consome vem do próprio quintal. Ao mesmo tempo que agricultores que hoje conduzem suas próprias pequenas produções, sem compostos tóxicos, sem hiperexploração dos recursos naturais e humanos, lembram-se com alegria de como foi possível superar uma época triste de suas vidas:

“Eu trabalhava num lugar que usava muito agrotóxico, mas era muito. A gente não tinha nem coragem de comer as verduras que vinham na cesta básica; eu me intoxicava com aqueles agrotóxicos”.

Ou ainda

“Eu fui passá* o veneno, né. Fiquei cego naquela hora, os nervo* amoleceram, as perna* bambearam, só sabia que estava vivo porque o coração batia”.

Pessoas que, tendo sido anteriormente intoxicadas e exploradas pela produção em grande escala de frutas e legumes, inserida na lógica capitalista de produção, hoje valorizam com emoção não somente a produção que geram, mas a vida que construíram a si e suas famílias pelo fato de produzirem orgânicos.

Foto do documentário Brasil Orgânico, disponível em sua fan page.
Família de agricultores em Santa Rosa de Lima, Santa Catarina.

Além das entrevistas com os agricultores, há também explicações muito pertinentes sobre a cadeia de produção e comercialização de orgânicos, vindas de especialistas em agroecologia e áreas afins. Entre eles, um profissional que, de maneira muito pertinente, nos chama a refletir sobre o fato de que “Algo que foi criado para a morte tem sido colocado no solo para aumentar a produtividade”. E ressalta que compostos que são produzidos segundo a lógica estritamente capitalista de produção não envolvem somente o uso de agrotóxicos mas, também, o uso de insumos prejudiciais ao solo, da mecanização da colheita, plantio, produção, da superexploração da mão de obra, da intoxicação de seus funcionários, do atropelamento dos ciclos naturais.

Dado chocantes também são fornecidos, como os que colocam o Brasil como um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo.     

O documentário Brasil Orgânico também viaja até o Pantanal,
onde vai conhecer o modo de vida dos pantaneiros artesanais
(foto disponível na fan page do documentário)

No Pantanal, o documentário retrata a pecuária orgânica e o modo de vida dos chamados pantaneiros artesanais. Informações excelentes são compartilhadas, tais como: o tipo de comida que um rebanho desse tipo recebe; a questão fundamental da rastreabilidade como espinha dorsal da certificação da carne orgânica; como ela permite que, onde quer que compremos esse tipo de carne, tenhamos condições de saber pelo que passou aquele animal.
Emociona ouvir o depoimento do pantaneiro artesanal que diz, referindo-se ao que vivia quando trabalhava para pecuaristas em grande escala:

“Era uma brutalidade… [e faz uma expressão de tristeza]. Hoje em dia ficou bem mais fácil, sem judiar, sem bater no bicho”.

Os pecuaristas artesanais também dizem que, em função desse tipo de criação, quase a totalidade da vegetação mantém-se preservada, ainda que com 200 anos de prática pecuária tradicional.
O documentário também mostra que embora a escolha individual, de cada família, seja um grande diferencial para o incentivo da produção orgânica, a iniciativa governamental pode ser decisiva. E dá como exemplo o caso da prefeitura de Campo Grande, que já inseriu a carne orgânica na merenda das crianças atendidas pela rede municipal de educação. Isso é mais do que um incentivo à produção de orgânicos; é respeito à saúde infantil, considerando que são as crianças as principais prejudicadas pela presença de agrotóxicos, uma vez que possuem menor capacidade fisiológica de processá-los.

Por fim, o que vemos em BRASIL ORGÂNICO é mais do que um incentivo ao consumo de produtos orgânicos. É uma oportunidade para refletir sobre que tipo de sociedade estamos construindo e sobre o que valorizamos. É um olhar para uma forma de vida, não sobre um alimento ou produto em específico. É um olhar sobre o VIVER orgânico, não sobre comer ou usar, apenas. Sobre convivermos em harmonia com a natureza e os ciclos naturais de nossa região.

“Manga só dá no final do ano aqui. Se você quiser comer manga o ano todo, vai ter que comprar manga vinda da Ásia. Faz sentido comer manga da Ásia?”. 

Mostra, fundamentalmente, que a produção orgânica estabelece uma relação com a terra e com o alimento que é, sobretudo, amorosa. E que se somos nós que construímos a sociedade, então nós também a podemos mudar.

Sobre as respostas às perguntas feitas
Quero agradecer novamente a todos que destinaram alguns minutos a contribuir com respostas. Por uma questão de inviabilidade, não apresentarei todas aqui, logicamente. Até porque, muitas se repetiram em conteúdo, o que era esperado. Então, apresento ao final do texto apenas algumas delas, diferentes ou complementares entre si, a fim de mostrar o conhecimento das pessoas sobre o assunto.    
Gente que produz/comercializa produtos orgânicos
Muita gente, hoje, dedica-se a produzir ou comercializar produtos orgânicos. São pessoas que não os veem como meios, mas como fins, e incorporaram os valores envolvidos em sua produção às suas vidas, ou estão em busca disso. Pedi sugestões aos amigos de links de iniciativas nesse sentido e os apresento aqui. Não conheço todos, mas confio no bom senso de quem me indicou. Tem aí uma boa seleção de produtos:

Agreco (indico totalmente, associação que também faz parte do documentário Brasil Orgânico)
– Lucila Bistrô – Orgânicos (em Florianópolis), indicação de Jimena Massa
Centro Ecológico (indicação de Roberta Arend)
Coletivo Ervilha, indicação de Halana Faria
Belverde Biocosméticos e Produtos Orgânicos (indicação de Sheila Martins Medeiros)
Pura Chuva (produtos orgânicos para higiene infantil), minha indicação
Do Mato ao Prato (indicação de Fernanda Di Flora)
Coletivo Trocas Verdes (indicação de Fernanda Di Flora)
Coletivo Terra Mater (indicação de Fernanda Di Flora)
Portal Yamaguishi (indicação de Fernanda Di Flora)
Família Orgânica (indicação de Fernanda Di Flora)
Rede de Agroecologia Ecovida (indicação de Fernanda Di Flora)
Dahorta (indicação de Maíra Rigobello)
Fradhe Orgânicos (indicação de Maíra Rigobello)
Mamãe Papinha (indicação de Adriana Abujanra)
Sítio A Boa Terra (indicação de Samantha Rocha)
BioÉ Orgânicos (indicação de Patricia Bortolotto)


(Até a conclusão desse texto, essas eram as indicações. Caso apareçam mais, incluirei posteriormente.)

Veja algumas das respostas à enquete feita.


1) Para você, o que é um produto orgânico?

“Um produto cultivado sem adição de produtos químicos, totalmente natural.”

“Aquele que não contem agrotóxicos ou hormônios”

“É um produto produzido de forma ecológica, sem a utilização de fertilizantes, agrotóxicos e afins, respeitando a época e local de plantio, o tempo de crescimento e dos frutos, utilizando para a rega água tratada”.

“Que não contém compostos químicos.”

“Um produto sem agrotóxicos, medicamentos, hormônios, etc. Sustentável e responsável com a saúde e o meio ambiente.”

“Um produto isento de  agroquímicos. Um alimento puro, rico em nutrientes e energia vital. O alimento orgânico não é somente “sem agrotóxicos” como se veicula normalmente. É um alimento isento de insumos artificiais como os adubos químicos e os agrotóxicos (e isso resulta na isenção de uma infinidade de subprodutos como nitratos, metais pesados, etc) ele também deve ser isento de drogas veterinárias, hormônios e antibióticos e de organismos geneticamente modificados. Durante o processamento dos alimentos é proibido o uso das radiações ionizantes (que produzem substâncias cancerígenas, como o benzeno e formaldeído) e aditivos químicos sintéticos como corantes, aromatizantes, emulsificantes, entre outros.”

“É aquele produzido por agricultura familiar ou pequeno produtor sem utilização de pesticidas. Também nao podem ser genericamente modificados.”

 “Além de não ter agrotóxico, ele deve ser produzido respeitando o meio ambiente e seus limites, o que significa que cada região, clima e época do ano têm seus produtos específicos e isso deve ser observado. Quem trabalha na produção deve receber os bônus e portanto as relações de trabalho da sociedade capitalista de mercado não se aplicam, ou não deveriam se aplicar aqui. Finalmente, os produtos devem atender aos arredores de onde ele foi produzido, garantindo que não se utilizarão recursos desnecessários do planeta no seu transporte.”

“Orgânico é um produto cultivado sem venenos, em que a dinâmica da natureza é respeitada, assim como os trabalhadores. ou seja, o processo de produção e de comercialização são pensados de maneira diferente do “normal”. “normal” é comer porcaria a vida toda e ter pedras na vesícula com 25 anos”.

“Aqueles produzidos sem agrotóxicos ou outros produtos, fertilizantes e defensivos químicos. Também devem ser produzidos de forma sustentável e respeitando os ciclos naturais do solo, geralmente em sistemas rotativos de produção (planta-se laranja numa temporada, depois troca-se por outra fruta ou alimento e assim sucessivamente). Em geral, não é cultivado em larga escala, mas em lavouras artesanais de pequenos produtores, especialmente porque o sistema industrial de produção agrícola pressupõe desrespeito sistemático às regras anteriormente elencadas. No caso de proteína animal, os animais devem ser alimentados com vegetais orgânicos, devem viver soltos e jamais confinados e, em geral, tem regras específicas para seu “”bem estar”” (*) e abate. (*) Entre aspas porque falar em bem estar quando se pensa que os animais estão em cativeiro sendo engordados para morrer muitos anos antes do que morreriam naturalmente é um cinismo meio hipócrita. E digo isso sem críticas, pois também (ainda) como carne.”

2) E por que você consome, ou consumiria, um produto orgânico?

“Porque são conhecidamente graves os efeitos do consumo de agrotóxicos para a saúde.”

“Porque conheço a origem. Sei os malefícios dos agrotóxicos e de tudo o que os produtos “convencionais” trazem consigo, sei que são prejudiciais para o crescimento do meu filho e também para a saúde de toda a família. É algo que a longo prazo pode evitar problemas de saúde, e também para contribuir com o meio ambiente, diminuindo, ainda que minimamente, o consumo de produtos que agridem o meio e deixam resíduos.”

“Eu consumo por que acredito que seja o melhor para a saúde da minha família. E saúde é a base, sem ela não dá para viver plenamente. Depois de ter minha filha isso pulsa dentro de mim, sempre dar o melhor em tudo.  Eu procuro consumir ao máximo de produtos orgânicos. Mas a falta de variedade (sazonalidade, lembra?) às vezes mingua a variedade e acabo comprando o restante cheio de agrotóxico. O preço também é um fator impactante, mesmo tendo condições financeiras, às vezes a diferença é assustadora. E muitos produtos nem tem a opção de serem orgânicos.   O que me deixa desconfiada, muitas vezes, é o quão orgânico é o produto: solo já contaminado, água da chuva contaminada, falta de fiscalização efetiva, etc, será que o que eu compro é realmente tudo isso? Será que um produto de agricultura familiar da cidade de São Paulo consegue ser orgânico em meio a poluição já conhecida da cidade? Bom, menos química, teoricamente…”

“Consumiria, mas nao o faço. Além de serem mais caro, sempre há o risco de estarmos levando gato por lebre. A fiscalização no Brasil nao tem padrão, depende de estado pra estado e o alimento pode ser vendido como orgânico sem o ser. Feirinhas informais de orgânicos vendem produtos sem selo de fiscalizaçao. No sítio de um tio por exemplo ele produz leite e queijo o milho e feijão. Poderia vender numa ferinha, parecendo orgânico pequeno produtor e tal, mqs eu sei que a semente do milho que ele planta é transgênica, que ele usa pesticidas no feijão que nao é transgênico e da bicho borrifando nas plantas, “Automedicação” nas vaquinhas, antibióticos demais, mau controle de mastite, produz o queijo sem pasteurizar o leite, tudo artesanal de uma forma que aprendeu a anos, na prática mas sem conhecimento técnico sem fiscalizaçao. Quantos produtores de feirinha nao sao assim. E a gente ainda leva o produto mais caro.”

“Consumo orgânicos para contribuir com a sustentabilidade do planeta e porque minha filha e minha família merecem não ingerir produtos químicos desnecessários…consumo pela qualidade de vida que adquiro ao consumi-los.”

“Pri
meiro, por quero quero consumir (este consumo inclui minha família, claro) apenas comida, e ponto! Não quero agrotóxicos, transgênicos, fertilizantes químicos. Segundo, quero que meu consumo seja o menos agressivo possível com o meio natural, com a nossa casa. Terceiro, quero que este mesmo consumo seja socialmente justo, que dê renda a quem trabalha e vive da terra, que não expulse camponeses e os jogue na sarjeta das ruas, como faz o agronegócio. Enfim, ao consumir orgânicos me sinto melhor em todos os aspectos. Tenho melhorado muito minha alimentação desde que nasceram meus filhos. Deixei de tomar refrigerantes, comer porcarias como balas, biscoitos recheados, junk food, entre outros. Enfim, também tenho me tornado melhor, ainda que tenha que melhorar muito ainda.””

“Eu consumiria para ter a certeza de estar comendo um alimento natural, que não faz mal para mim, minha família ou ao meio ambiente. Mas eles ainda estão fora do meu cardápio, por serem muito caros, devido aos altos custos de produção (eu acho).”

“Eu consumo alguns produtos orgânicos, mas, infelizmente, onde eu moro, não há praticamente nenhum. Consumo por acreditar que são melhores para a saúde, tendo em vista a ausência ou diminuição de elementos artificiais nesses produtos.”

Assista aqui ao teaser do documentário Brasil Orgânico.

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